terça-feira, 15 de fevereiro de 2022

Da Ideologia ao Serviço do Colonialismo mental global (de marca ocidental)

DEBATE SOBRE O GÉNERO: CIÊNCIA OU IDEOLOGIA?


António Justo

Antes de entrar directamente no tema, começo por fazer uma reflexão introdutória baseada no que tenho observado do mundo. Encontramo-nos já numa época intermédia, de passagem do colonialismo geográfico para o colonialismo mental!

Depois da debanda do povo das aldeias (aldeão) para as cidades observa-se agora uma tendência de debanda do cidadão (citadino) para um mundo ideário que o liberte dos apertos de uma vida demasiadamente emparelhada sob a limitada cúpula da cidade. Aos domínios da nobreza e do clero sobre a terra (senhorios) seguiram-se as burguesias citadinas que, a partir de um pouco de terra, assentaram o seu domínio no comércio e no dinheiro. Esta nova “burguesia”, já não do burgo, mas da polis, produz agora novos senhorios: os “latifundiários do dinheiro e das ideias! Daí o seu esforço por assentar a sua base já não na natureza, mas no domínio do abstrato, que torne os habitantes do “monte” em meros subordinados ou assalariados!

Nesse sentido, encontramo-nos numa fase intermédia, que, muito embora ocupada na desconstrução da cultura do mundo ocidental, traz a marca ocidental na luta globalista em via; traiçoeira, desliga-se da paisagem religioso-cultural do povo ocidental porque esta, mais ligada à terra (mais feminina), contradiz os interesses de uma nova cultura abstrata que se pretende implantar (no sentido de implementar paulatinamente um “governo universal” sob o olhar masculino!) e que assume o cunho ideológico socialista-capitalista, de que o sistema chinês poderia ser uma amostra, no sentido  de uma sublimação do gene masculino e masculinizante!

Se antes as armas eram espadas e canhões, hoje em democracia e globalismo as armas passam a ser a palavra e as ideologias!  O poder político serve-se dos currículos escolares e de currículos universitários para implementar agendas ideológicas com o fim de doutrinar gerações.

O modelo ocidental ao atingir o seu apogeu, em vez de repensar a sua matriz masculina em termos adequados ao princípios e energias da masculinidade e da feminilidade humana e social, prossegue o seu caminho em termos masculinos de luta como tem feito até aqui e se torna visível na disputa dos falcões americanos e russos em terreno ucraniano, cada vez mais sacrificado à luta masculina imperialista das duas partes (também aqui, embora se trate de uma luta geoestratégica na disputa de poderes em termos globais, no fundo estão em luta ideologias e interesses abstraídos das paisagens populares e como tal cada vez mais distantes da feminilidade) .

É de constatar que, na base da nossa sociedade, a matriz ou modelo base, que determina os nossos comportamentos e modos de vida, é masculina com papeis discriminadores que assentam em características naturais e em construções sociais e culturais.

Portanto, a preocupação de análise e de empenho não poderia partir daquilo que alguns advogam como “condição feminina” mas da análise da matriz masculina que determina de forma sistémica a vida individual e social do homem e da mulher (para lá dos papeis assumidos que também eles contribuem para discriminação da feminilidade e que seria um erro fixar-se só neles) e, pelo facto de se basear em características de masculinidade, explora a mulher (ou melhor, a feminilidade (energia/princípio)  que é reprimida, consciente ou inconscientemente em todas as sociedades e cuja reparação está na ordem do dia da sociedade ocidental); como é de observar em muitos segmentos da vida a feminilidade não é contemplada e por isso a mulher é ferida não só nos princípios de dignidade e igualdade de direitos mas sobretudo na sua maneira de ter sido enquadrada dentro da matriz masculina (de condição masculina ou masculinizante). A questão a pôr-se é a do homem todo, na sua feminilidade e masculinidade comuns e não apenas a do homem ou da mulher nas suas interpelações funcionais.

O que deveria estar em cima da mesa da discussão e a discutir-se basicamente seriam as características da feminilidade e da masculinidade num projecto de uma matriz mais adequada à natureza e à cultura e não limitada apenas às funções e papeis masculinizantes (redução funcionalista de caracter materialista); uma nova matriz criaria novas funções e papeis sociais que tornariam incompatíveis os papeis da sociedade patriarcalista com os papeis do novo modelo de sociedade!

Uma devida análise e empenho teria como consequência grande incidência no ser e na maneira de estar do humano, quer a nível individual quer social onde as estruturas culturais e económicas teriam de ser aferidas à nova matriz baseada na complementaridade dos seres e dos órgãos sociais com uma certa equidade, o que implicaria  uma nova valorização e integração da feminilidade e da masculinidade nesse novo modelo (no limiar da dinâmica da „igualdade e diferença” seria de colocar o modelo-matriz baseado na intersecção dos princípios/energias/características da feminilidade e da masculinidade); estes revolucionariam toda a maneira do estar individual e social bem como suas estruturas e supraestruturas. Esta nova matriz tornar-se-ia na mãe de todo o relacionamento e comportamento tornando supérflua uma discussão apenas em termos ou em torno de patriarcado ou de matriarcado (dado estes serem ultrapassados por manterem a sua dinâmica e relacionamento apenas ao nível de funções e papeis, ou seja, ao nível do ter e não do ser; ao serviço de uma regulação social no âmbito de um funcionamento maquinal e de peças e, como tal, não orgânico natural de comunidade e pessoas).

A luta ideológica e do género adoptou a metodologia masculina (portanto, em termos de luta e de olhar masculino e não de complementaridades) apostando numa definição desintegrativa de género/sexo e consequente linguagem em torno deles (1); seguindo o princípio masculinizante do poder: divide para imperar.

Os efeitos positivos da luta ideológica, na nossa sociedade de matriz masculina, manifestam-se numa maior igualdade socialmente a atingir, mas não legitima os meios que usa para a atingir dado estes serem a aplicação da masculinidade (e correspondentes métodos) em termos de funcionalidade sem propriamente tomar a sério a feminilidade (que implicaria uma outra estratégia de afirmação já vital e não só funcional; isto é, uma estratégia inclusiva que partisse da feminilidade como base estrutural e estruturante e não assumisse apenas um caracter funcionalista como quer o mecanicismo social importado em reduzir a pessoa (homem ou mulher) à mera qualidade de função.

Isto independentemente das salutares melhorias adquiridas através da luta em via; importa não reduzir o horizonte porque se trataria então de ganhar apenas batalhas e não a “guerra”. Resumindo, sou do parecer que nos encontramos a combater no campo errado porque o que seria de questionar era a matriz masculina que regula e fundamenta as sociedades atuais com a sua correspondente metodologia masculina (perpetuadora da guerra) e que é masculinamente comum à metodologia de afirmação da ideologia feminista, socialista e capitalista. Uma luta em defesa da feminilidade, para conseguir uma mais valia da feminilidade, terá de ter a cautela de não afirmar  uma feminilidade que se esgota  em termos de afirmação ao serviço da masculinidade da matriz vigente  e, deste modo, subjugar-se concretamente ao masculinismo de que se defende. Uma análise menos ideológica e mais abrangente teria de começar por analisar as características ou princípios (energias) da masculinidade e da feminilidade (básicas a nível de indivíduo, cultura e natureza) e identifica-las na sociedade e nos seus mecanismos para possibilitarem uma matriz a criar em que esses princípios seriam ajustados ou aferidos numa base de complementaridade já não selectiva mas inclusiva. A própria matriz ocidental possui em si as potencialidades para o fomento da nova matriz social , dado, o modelo actual vigente, ter-se tornado infiel ao próprio protótipo que assentava mais na feminilidade, mas que ao assumir, institucionalmente, a  estratégia de afirmação de Constantino (o Constantinismo que parte do édito elaborado em 313: levou a instituição igreja a viver entrelaçada com a política e apegar-se ao poder do Estado – oh felix culpa?!)  e por esse facto a instituição passou a expressar-se em termos de poder e como tal  acentuou as características da masculinidade, deixando a sua característica fundamental que é a feminilidade nos conventos e na frequência do povo nas igrejas!

Em vez de tentarmos pegar o touro pelos cornos temos andado a agarrá-lo pelo rabo!

A libertação certa, para se tornar tal, deve ousar desafiar a nossa matriz cultural masculina, nos seus fundamentos e não só na sua fenomenologia,  no sentido de a poder desconstruir; a fase feminista de caracter machista, talvez justificada como fase transitória em que nos encontramos  terá de se superar a si mesma e alijar a carcaça que usa  para possibilitar a passagem  uma fase já não feminista mas feminina; passar à estruturação de uma matriz feminina que permita o início de uma era de paz e a coexistência harmónica da feminilidade e da masculinidade.

 A ruptura com as estruturas masculinas do poder vigente terá que começar por questionar as bases (características, critérios) dessas estruturas que constituem o poder masculino para que possam ser desconstruídas, a favor, não de uma estrutura de poder feminista (que continuaria a cadeia de poder baseado em luta e opressão), mas de uma cultura feminina, fecundante que se torne a matriz criadora e geradora dos comportamentos e relações sociais.

Cristo é o protótipo de homem e mulher e foi pregado na cruz, mas ao sê-lo tornou-se no sinal de que o homem e a mulher (e por que não também o diverso!) não devem pregar ninguém na cruz porque ao fazê-lo pode ser que estejamos a pregar o protótipo do humano e da humanidade, o abandonado (cada um vale tudo por si)! E mesmo quando se fala de pessoas extremistas é legítima a pergunta de Jesus: “Essa questão é tua, ou outros te falaram a meu respeito?” (João 18:34).

O meu texto pretende propor elementos de reflexão e análise e não uma visão “masculina” a preto e branco do mundo, como faz o mundo, esquecendo que o ódio a quem é diferente ou a quem pensa diferente enegrece a alma e deste modo impede a construcção de uma matriz fundada, em termos de igualdade, na feminidade e na masculinidade!

Este texto será continuado em “O OLHAR MASCULINO DA NOSSA MATIZ CULTURAL TAMBÉM NA DISCUSSÃO SOBRE O GÉNERO - Ideologia e Ciência num desafio à cidadania”.

© António da Cunha Duarte Justo

Teólogo e pedagogo

Notas e outros textos e links relativos ao assunto em Pegadas do Tempo, https://antonio-justo.eu/?p=7104

(1) Género diz respeito às características de masculinidade e de feminilidade: Sexo masculino, feminino e a variação inter-sexo ) e também expressões sociais e papeis sexuais. Homem trans ou transsexual (nascida mulher, agora homem) pode engravidar precisando de medicação hormonal. Para engravidar de menino, dado o menino ter cromossomas XY, é preciso o sexo do pai que possui gametas do tipo X e Y, enquanto que a mulher possui apenas do tipo X. A testosterona provocara o crescimento da barba e o aumento da libido e do clitóris; se a pessoa trans tiver útero, ela também pode menstruar.  Mulher trans ou transsexual (nascida homem, agora mulher) mediante a amputação e construção da vagina.

 

Links de Textos relativos ao assunto:

A Manipulação da Cultura acompanha a Manipulação da Natureza: https://abemdanacao.blogs.sapo.pt/casamento-civil-de-homossexuais-premio-1435784

Discurso Masculino contra o Feminino: https://triplov.com/letras/Antonio-Justo/2010/discurso_feminino.htm

Do uso da sexualidade como forma de afirmar poderes e de criar uma nova ordem mundial: https://beiranews.pt/2019/07/12/ponto-de-vista-por-antonio-justo-123/

Importância da Experiência interior como Forma de questionar Ideologias-Doutrinas-Instituições: https://antonio-justo.eu/?p=4935

Matriz socialista marxista na base da disciplina de educação para a cidadania: https://beiranews.pt/2020/10/13/ponto-de-vista-por-antonio-justo-10/

Libertação das leis biológicas: https://copaaec.blogs.sapo.pt/2021/08/

Das Mulheres na Sociedade e na Igreja e dos usos e costumes que as oprimem: https://etcetaljornal.pt/j/2019/09/das-mulheres-na-sociedade-e-na-igreja-e-dos-usos-e-costumes-que-as-oprimem/

Matriz política masculina não pode ser norma para a instituição eclesial: https://bomdia.be/matriz-politica-masculina-nao-pode-ser-norma-para-a-instituicao-eclesial/

Em Carlos podemos ver a masculinidade portuguesa infiel:

NA ESTEIRA DE CAMÕES E DO ROMANTISMO

 Correcção duma Sociedade máscula de Via única: http://www.noticiaslusofonas.com/view.php?load=arcview&article=29743&catogory=Opini%E3o

PODER RENOVADOR DA MULHER: https://triplov.com/letras/Antonio-Justo/2009/mulher.htm

Islão e a sociedade: masculinidade contra feminidade: https://bomdia.eu/islao-e-a-sociedade-masculinidade-contra-feminidade/

Urge uma Revolução cultural feminina: https://antonio-justo.eu/?p=6736

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