quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

A Realidade grávida a dar à Luz é Natal

António Justo No estresse do tempo tudo é movimento, um vai e vem, de vida também. O tempo mais escuro, os desejos mais libertos, as compras menos necessitadas, as recordações mais envolventes, um mundo mais inteiro e próximo, tudo junto, cria um panorama nostálgico, um sentimento de saudade envaginante. Natal, o mundo inteiro paira no ar, num céu feito de nuvens e sol: é pôr de sol no amanhecer. Natal é o tempo dos tempos a gerar outro tempo. Não é tempo linear, é tempo completo, de pensamento, emoção e acção em sintonia. Tempo de viver em primeira-mão. Natal é dar á luz na gruta que somos nós, onde a fonte do amor jorra, a faúlha divinal brilha. Nela se reúne a concepção ao dar à luz. Tudo é receber, tudo é oferta, é absorver algo em si e voltar a dá-lo, num processo de engravidecer e dar à luz. Ao realizá-lo, somos Maria com a criança no regaço, no nosso seio acolhemos a vida, o outro para com ele nos darmos à luz, nos tornarmos presépio, o lugar o a acontecer. Natal é o tempo alto, tempo de elan vital, de alento intelectual e emocional a deslizar no acontecer. É o outro lado do tempo cronológico para se tornar no kairós (“o momento certo” ou “oportuno” – para lá do passado-presente -futuro). Natal é tempo de Desejos. Desejos de recolhimento, dedicação e reconhecimento juntam-se à lareira do lar, a celebrar o presépio, a família universal. Reúnem-se desejos altos e nobres; anseios satisfeitos e insatisfeitos num augúrio de harmonia geral. Natal é tempo da criança em nós. A criança em nós, filha dum desejo, a desejar crescer! Nela o natal é criativo, mágico e santo. Um presépio, um pinheiro, uma fogueira a arder numa lareira, num coração. Ao olharmos a vida com o olhar duma criança sentimos, em todo o lugar, natal a acontecer. Deus é criança, um laço que tudo une. Natal é tempo de rituais. Tudo são rituais, de laços a unir o baixo e o alto, o céu e a terra, a luz e a sombra, os animais e as pessoas no mesmo plano. Vive-se nele uma aura de emoção, de pequenos e grandes num dar e receber, a união universal no mesmo ritual. Deus é fogo que inebria toda a humanidade numa espiritualidade que desempederne e vivifica; tal como o sol na paisagem da natureza, ele é sol menino, para todos a diluir as nuvens do medo e das cercas que nos encarceram. Natal é tempo dos presentes. Nele somos presentes (dons) num mundo à espera de nós. Nos presentes embalados com laços de amor, se ata a dedicação e a importância do outro. Neles nos tornamos completos, revitalizamos em nós aquela criança que somos, aquela vitalidade inocente, por vezes, amarrada e reprimida, numa existência programada sem sonho nem guarida. Na embalagem do Natal, ao desatarmos as fitas, descobrimos a graça da oferta tornando-se a embalagem já não fronteira mas mensageiro de união na compaixão. Natal é tempo da família. Num ritual protótipo, uma vez no ano, todo o mundo se junta na família em torno do menino que dá à luz o mundo. Nele o par reconhece a individualidade para passar à comunidade. Um é um, dois é par, só três é comunidade (no três está todo o outro). Natal é tempo de família numa época da História ocidental nada familiar mais pronta a receber, a petrificar do que a dar à luz. Natal é tempo de conflitos. O facto de a família passar mais tempo junta possibilita conflitos. Estes, geralmente provêem de expectativas acrescidas, conscientes e inconscientes. Geralmente são fruto natural da meteorologia actuante em cada um de nós, tal como na natureza: fases de acalmia, baixas e altas pressões. Porque responsabilizar, então, o outro pelo estado do tempo que grassa na paisagem do nosso ser ou do grupo? Esta época de natal também se revela mais difícil para pessoas à margem ou para pessoas cerebrais que preferem viver no sótão das ideias do que descer ao andar da emoção. Na casa de cada ser, tal como nas cercas sociais, encontram-se pessoas que gostam mais de viver expostas ao sol da razão e outras mais recolhidas na sombra da emoção. Jogar uns contra os outros seria desconhecer os soalheiros e os sombrios em nós, seria desprezar a natureza. Esta época torna-se especialmente difícil para quem vive só. Todos precisamos de rituais e estes só se realizam e satisfazem no encontro. Importante será a organização dum ritual, seja ele em família, na igreja, na cadeia, num hospital, em forma de viagem, ou de retiro espiritual. De ter em conta também quem tem problemas digestivos em questões de religião. O problema situa-se frequentemente na espectativa; dela surge, muitas vezes, o desengano, porque ou se esperava mais ou se espera outra coisa. Os banqueiros e tabeliões da festa cá estarão para a utilizar, desvalorizar ou rebaixar. Natal é tempo de dor, também. Na praça passa a sede dum tempo novo. No chão, leis enlameadas, tornam a praça escorregadia. No ar sombrio dum país árido, se ergue, nas nuvens da amargura, o gralhar da dor de doentes, desempregados, desiludidos e não amados. Nas ruas passam sombras invertidas. Muitas ruinas de vida, no chão, estendidas! Esboços no chão, à espera do presente. A salvação é uma criança pequena numa gruta desamparada a palrar: “estou, aqui, fraco para que possas ser forte”. Natal é tempo de festa. Festas são momentos de interrupção do dia-a-dia. São momentos altos de religação à vida. Nelas se presencia o sentimento festivo de intimidade, a voz do mundo a ressoar em mim em ti, no nós. No natal a vida reúne-se em festa. A natureza unida à divindade toca-nos porque no íntimo do presépio, no interior de cada um, flagra uma chama, sorri uma criança. É a ressonância que nos irmana em nós a criança desamparada à espera de doação. O fruto da doação, da entrega, é amor. No Natal, independente do credo, celebra-se a humanidade, por isso Natal é a festa mais humana de todas as festas. O mundo e nós mudamos; o natal em nós permanece: Deus a tornar-se homem para que o amor viva em e entre nós. António da Cunha Duarte Justo antoniocunhajusto@googlemail.com

quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

Nações Reféns do Sistema Polvo dos Dinossauros das Finanças

As Multinacionais do Capital – O novo Cavalo de Tróia António Justo O cavalo troiano, enquanto os cidadãos dormem, vai-se inserido dentro das muralhas das nações. Os mercenários ganham terreno de dia para dia. Protege-os a lei da guerra: a lei do mais forte. Em consequência da crise, os estados estão a efectuar a privatização da sua prata da casa que é comprada por multinacionais a caminho do monopólio. Em vez de se tentar democratizar a economia assistimos ao processo inverso de alienação do poder nos dinossauros (Dinos) da economia. Por outro lado deparamos diariamente nos Media com uma realidade encenada, em que a opinião publicada aponta para um alvo mas a Realidade acontece em outros lugares. Os “dinos” globais querem um mundo unipolar (americano) pelo que apostam todas as suas cartadas no impedimento do surgir de contrapolos. De momento todo o mundo se preocupa com o Euro quando deveria preocupar-se com o Dólar. Uma tempestade num copo de água, pelo facto de a EU ser forte embora enfraquecida pela praga dos especuladores mundiais e de egoísmos nacionais. Uma das razões da intervenção dos USA no Iraque terá sido o facto de Sadam Hussain ter tornado pública a ideia de assumir o Euro como moeda mundial de referência em substituição do petrodólar. Actualmente, a União Europeia (EU) tem um défice orçamentário de 4% e os USA de 10%. A quota de desemprego em 2011 na EU é de 7,5%, a dos USA é de 9%. A dívida pública da EU é de 88% do PIB e a dos USA é de 100% do PIB. Os USA encontram-se mais endividados que Portugal. Americanização da Europa e do Mundo Não é de admirar que os USA façam tudo por tudo por impedir que o Euro se torne forte e concorra como Dólar na qualidade de moeda mundial de reserva. Isso revelar-se-ia catastrófico para os USA. Também por isso o horrendo capital mundial, nas mãos de poucos, usa as agências de rating como lança avançada para defesa dos seus interesses económicos, equacionados nos dos USA. As agências de rating tornaram-se num órgão de controlo económico-político-social para defesa das multinacionais do capital e num instrumento contra a emancipação que surge da base. Têm a vantagem de possuírem conhecimento interno de que podem abusar. (Curioso é o facto dos países da EU terem uma cláusula legal pela qual aceitam as análises das agências rating como critério de avaliação do estado das economias). Também o modelo duma Europa forte, apesar da sua componente social, não convinha; daí tornar-se óbvia a guerra internacional contra o Euro. Uma Europa forte e social poderia tornar-se num “mau exemplo” de justiça social, para outros continentes, o que perturbaria a oligarquia do dinheiro, para quem ideias sociais e humanistas constituem um estorvo num processo de americanização do mundo. Na Europa é cada vez mais evidente a guerra das multinacionais financeiras contra o trabalhador, contra a democracia e contra os Estados. Quer-se a socialização da pobreza a todo o custo e a globalização da miséria. Os vencimentos dos cargos de cimeira (sector Bancos, Energia e multinacionais) dos países pobres foram propriamente igualados aos dos países ricos (medida fomentadora do espírito mercenário e de traidores dos interesses regionais) e ao mesmo tempo assiste-se, na base da pirâmide social, a um processo de igualização dos ordenados pelos dos países mais pobres. Já se chega ao extremo de se encontrarem pessoas a trabalhar na gastronomia ganhando 5 Euros à hora na Alemanha e 3 euros em Portugal. Querem o lucro à custa da honra e da miséria. O colonialismo e a exploração passaram a não ter rosto, tornaram-se anónimos e por isso irresponsabilizáveis. A globalização está-se a revelar como destruidora de Estados e contra os progressos adquiridos na Europa. Assistimos, laboral, cultural, democrática e socialmente, a um retrocesso. O ensino também é proletarizado nas escolas e nas universidades especializa-se de modo a um técnico ser dependente da máquina que serve. (Pensar faz doer e quem pensa tem poder, daí limitar o saber…). Os estados controlam cada vez mais descaradamente o cidadão, com uma administração centralista, em nome dum terrorismo latente. O próprio parlamento europeu encontra-se marginalizado pelo activismo dos chefes de governo puxados pela trela das dívidas e dos juros usurários do imperialismo do capital e pelos seus boys nas instituições de poder mundial. Os Bancos e as Bolsas com as suas agências de rating passaram a fiscalizar os Estados, invertendo-se assim os termos. Os mercados financeiros, não são regulados, os seus donos consideram o mundo como um casino, onde o seu lucro se adquire à custa do azar dos outros. Estamos numa situação em que o capital anónimo se tornou num polvo monstro que suga o espírito e o corpo das nações. Só se criam instrumentos de controlo em favor do capital como a troika, faltam projectos de fomento de crescimento. As medidas, a nível económico, em curso apenas dão continuidade, por outras vias, às antigas guerras europeias entre o centro e a periferia. Onde a inteligência não chega domina a esperteza. Com a queda do muro de Berlim e das ditaduras de Leste a política ajoelhou. Não foi capaz de se organizar e antecipar aos “dinos” das finanças que se tornaram numa supra-estrutura global com mais poder que as políticas nacionais. Eles escondem-se à sombra de organizações como o Banco Mundial, FMI, OMC, etc. Os juros usurários são uma forma de violência estrutural sustentada. A OMC (com 147 Estados) pretende a liberalização total e assim legitimar o poder dos mais fortes. Estes são formados pelo escol encoberto das nações. Criam a liberdade para o capital e cercas para os emigrantes. Cavalo de Tróia já dentro das Muralhas da EU Tróia era uma cidade mitológica bem organizada e rica da antiguidade. Os gregos, seus vizinhos, que eram muito fortes e ambiciosos, ansiavam pelos seus bens. Mas as muralhas de Tróia eram muito altas. Um dia aproximaram-se para a assaltarem. Perante a longa resistência troiana pensaram numa artimanha: construir um grande cavalo de madeira, deixá-lo junto às muralhas com alguns mercenários lá dentro e fingir deixar o cerco da cidade. Os troianos, admirados, pela retirada do exército grego mais se admiraram ainda com o grande cavalo de madeira deixado pelo inimigo junto às muralhas; os troianos pensando que este era um sinal de rendição dos gregos, fizeram rodar o cavalo para o interior das muralhas, muito embora sob os protestos dum velho sacerdote. Pela calada da noite, quando os troianos dormiam, os mercenários gregos saíram do ventre do cavalo, abriram as portas da cidade; então os soldados gregos entraram vencendo e escravizando os troianos. Na Europa dos anos 60-80 viviam também vários povos em paz empenhados na construção duma democracia cada vez mais humana; viviam sem muralhas e tinham uma rede social que amparava os mais fracos num espírito de subsidiariedade. Aqui, praticamente todos tinham trabalho com férias satisfatórias, assistência social e possibilidade para viajarem pelo mundo. Tornaram-se tão fortes que até conseguiram despertar a inveja dos países socialistas vizinhos e do capitalismo de cunho americano. Entretanto a União Soviética caiu e a Europa fomentou a construção do seu burgo. O Mamom Dólar gerou um filho ilegítimo, o Mamom Euro. Desde aí não há paz no Olimpo As aves de rapina internacionais começaram a sitiar cada vez mais o burgo europeu. Entraram no seu espaço através dos Bancos e de multinacionais onde abrigam os mercenários nacionais. Os moradores do burgo entraram em pânico e os países encontram-se agora em situação de medo; vendem, ao desbarato, a prata da casa, que tinham amealhado durante dois mil anos. O medo tolhe as pessoas não deixando que aqueçam o ânimo na fogueira da esperança. Por todo o lado se fazem sentir os ventos gélidos da injustiça e o alto gralhar dos dinos num horizonte encoberto. O medo não deixa filhos, mata a esperança. Ele é o chicote enrabado de liberdade na mão dos poderosos. Por isso os donos invisíveis da sociedade espalham o medo (estratégia do amedrontamento) que tolhe e leva a pessoa a fugir (a regredir) e a abandonar os direitos sociais e cívicos adquiridos. A Estratégia do Cavalo de Tróia serve-se de mercenários O dinheiro não tem alma, nem família, estado nem nação; tem apenas escravos. Chama-se Mamom e alimenta-se da despersonalização, servindo-se dos seus sacerdotes que o cultuam nos santuários das bolsas-bancos e em suas capelanias multinacionais. Os oportunistas, na sua estratégia de marginalização sistemática da sociedade, atacam a classe média e não só destroem os contractos de trabalho dos trabalhadores, como até querem apagar neles a ânsia de justiça. Numa sociedade em que os modelos são corruptos já pouco faltará para corromper… Os “dinos” roubam, as estrelas despem-se da moral. Culpabiliza-se o mais fraco pela sua situação apelidando-o de menos inteligente. O neoliberalismo é anti solidário e anti-humano. Não conhece pessoas só lucro usando como laçada o eufemismo da globalização. Os donos do mundo mercantilizam a pessoa, tudo em termos de lucro e de mercadoria no mercado livre. Ao substituírem Deus pelo Mamom, mataram a pessoa em nome do indivíduo. O próximo passo é destruir as nações em nome da globalização. Os políticos deixaram-se comprar atraiçoando a ideia europeia e o humanismo universal, procurando postos nas multinacionais (mercenários comprados a troco de ordenados horrendos, tornam-se traidores dos seus biótopos sociais); os trabalhadores, por sua vez, sentem-se açamados pelo medo de perderem o que têm; para não perderem o emprego cedem os direitos adquiridos. A pobreza e as bancarrotas são socializadas em favor dos ricos. Os novos demónios não conhecem a dignidade. A dignidade já não é símbolo de autoridade. Os imperativos morais são sistematicamente destruídos. Trabalha-se, a longo prazo, para a sustentabilidade da miséria espiritual e física. Nalguns sectores desprotegidos, onde a moral ainda vai à igreja, já começa a valer mais pedir ou roubar do que trabalhar. A juventude manifesta-se medrosa e conformada com uma sociedade uniforme, tipo quartel em que a diferença se nota apenas na farda da música que se consome e no mercado colorido de opiniões em saldo. Tem sido educada para um realismo factual inculcado pelas forças anónimas vigentes contra a inovação e contra a mudança. Inovação quer-se apenas tecnológica, não humana, nem social. Também o imperativo moral e as constituições das nações perdem a sua validade. Em questões de direitos humanos reserva-se, para os grandes, o direito de veto. O pensamento individual é substituído pelas fábricas de pensamento. Tudo, cada vez mais, na mão dos formadores da opinião anónima ao serviço dos “dinos”; tudo na mão de sociedades de irresponsabilidade ilimitada. No momento de mudança em que nos encontramos, as camadas lúcidas das sociedades deveriam exigir que a democracia directa e o princípio da regionalização fossem introduzidas nas Constituições dos países como objectivo importante a atingir. Só assim se poderia impedir o fenómeno de destruição dos biótopos e ecossistemas naturais, individuais, sociais e culturais, em via. António da Cunha Duarte Justo antoniocunhajusto@googlemail.com www.antonio-justo.eu

sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

A Hora da Lusofonia está a chegar (2)

Repensar Portugal / o Ocidente - Activar a Lusofonia (Continuação) António Justo Preparar uma “ínclita geração” como impulsionadora da lusofonia. Portugal foi a primeira nação europeia a estar completa; numa união íntima de terra-povo -cultura, exercitou, logo de início, a sua vontade na resistência à força leonina, à lança muçulmana e nas labutas com o mar. Deste esforço viu brotar no seu seio a flor da alma europeia: o saber de experiência feito; espírito este gerado durante séculos no seio das ordens e expresso no lema “ora et labora”. A doxia aliada à praxia, especialmente na ordem beneditina e dos templários (depois Ordem de Cristo),gerou Portugal e frutificou nos Descobrimentos. Hoje, quando se fala em Portugal, Brasil, Angola, etc., estão-nos subjacentes os ecossistemas sociais do grande biossistema cultural que é a Lusofonia. O Brasil poderia assumir hoje, a nível de Lusofonia, a missão que Portugal assumira em relação à Europa nos tempos da sua juventude. Outrora as cidades organizaram-se em torno das catedrais; hoje em torno das grandes culturas. Sem esquecermos a lei orgânica e o valor dos diferentes ecossistemas sociais, é de assinalar que já não nos encontramos na fase das consolidações nacionais mas na fase dos agrupamentos regionais/culturais. À superfície a crise mostra que nos encontramos não só na fase de especulação e de desregulação dos mercados financeiros, mas sobretudo num processo de desregulação das cabeças e das nações, numa intenção de tornar civilizações e povos subservientes a interesses anónimos. Estamos em plena mudança. Este fenómeno será difícil de ser sentido por países que, através da colonização externa, foram impedidos de realizar a colonização interna e se encontram hoje, debruçados sobre si, num estado de independências e sociedades frágeis. Este processo prolongou-se na na Europa durante 1.500 anos. Naturalmente que hoje como ontem os países fortes impedem uma formação natural de ecossistemas sociais/nacionais, opondo-se à colonização interna em nome de interesses económicos e a pretexto hipócrita do humanismo (intervenções) como se fez directamente na Líbia e se faz de maneira discreta em todo o norte de África. O que acontece nestes países a nível político/militar realiza-se nos países surgentes a nível económico contra a ecologia e ecossistemas cada vez mais violados. Começa-se por violar a natureza, depois o pensamento e finalmente as consciências. Também as sociedades não europeias seguirão a evolução natural de formações nacionais para “constelações postnacionais”, reunindo-se em grupos de interesses à semelhança da EU, NATO, Liga Árabe, etc. Na fase de desenvolvimento em que nos encontramos, o lugar do futuro já não se deixará circunscrever a territórios nacionais; passará das cercas nacionais para as cercas culturais de diferentes territórios. Para isso, à semelhança do que acontece no direito internacional em que direito internacional quebra direito nacional, também no caso do espaço lusófono serão necessários acordos que possibilitem a imposição dos interesses dum valor maior (o espaço lusófono) sobre o interesse privado nacional. Esta visão não parece ainda ser aceite socialmente mas corresponderá a um organigrama ideal que se imporá com o desenvolvimento do tempo e da consciência social. A sua realização pressuporá uma ideia aberta de Estado de Direito, subjugada por uma política pragmatista de factos consumados que se imporá, tal como tem acontecido com a União Europeia, através do esvaziamento imperceptível das soberanias nacionais em favor dum bem maior que é a formação, a longo prazo, duma confederação europeia. Esta missão tem sido assumida pelos tecnocratas e regentes das diferentes nações. No caso da organização da supra-estrutura “Espaço lusófono” pressupõe-se convenções intergovernamentais altruístas e iniciativas de base com organizações e programas supranacionais. Precisa-se duma ideia a longo prazo e duma estratégia comum. Não seria inteligente, que os políticos portugueses, demasiadamente fixados em Bruxelas, perdessem de vista, aquilo que lhe deveria ser mais sagrado: o espaço lusófono e a defesa dos seus interesses mesmo à custa de interesses regionais europeus. (Seguir o exemplo duma Alemanha mais interessada em integrar no espaco da EU os seus vizinhos próximos enquanto que os mediterrânicos se preocupam pouco com os vizinhos do norte de África). Desperdiçar a força populacional e estratégica dos países da CPLP (Comunidade dos Países de Língua Portuguesa) com 8 países e com cerca de 250 milhões de cidadãos e constitui um espaço linguístico-cultural extremamente rico e que ocupa o 5° lugar no mundo, seria miopia e um grande erro histórico, mesmo em termos comerciais. (Em vez de se defender, o espaço lusófono encontra-se à pilhagem do turbo-capitalismo internacional e de nacionalismos estrangeiros fortes. ) Depois das tribos vieram as nações e agora estamos na hora das culturas/civilizações. O meu amigo, Dr. Jorge Rodrigues, escreve no seu blog http://comunidade.sol.pt/blogs/jorgepaz/archive/2011/09/28/CPLP_3A00_-o-futuro-contr_F300_i_2D00_se-hoje_2100_.aspx :“ Se a CPLP fosse um Estado (federal ou confederal?) seria em área o 2º maior do mundo, a seguir à Rússia e com a China logo a seguir”. A lei da evolução aponta nesta direcção. O espaço lusófono, para assumir uma missão civilizacional importante na História, à imagem do Portugal de outrora, terá de tomar consciência de si e formular um ideal comum. Só assim poderá assumir a bandeirância espiritual da civilização do século XXI, tal como Portugal fez do século XIV ao XVI. Outrora os países europeus encontravam-se numa crise cultural achando-se divididos por guerras militares e religiosas; hoje, a União Europeia, numa crise cultural também, encontra-se de cabeça amarrada pela crise económico-financeira e demasiadamente preocupada consigo mesma, esgotando-se, desorientada, em guerras financeiras. Por outro lado paira no ar um desejo de mudança, sente-se a ânsia duma nova maneira de ser e de estar no mundo: no sentido duma vivência mais intuitiva e integral, no sentido duma ortopraxia mística. O espaço lusófono muito rico em ecossistemas biológicos e culturais reúne os melhores pressupostos para dar expressão ao novo sentir e “dar novos mundos ao mundo”. Para isso urge o cultivo duma visão, duma vontade e dum ideário comum, embalados no berço da lusofonia que é o conjunto de identidades culturais, ligadas pela língua que vai de Portugal ao Brasil, do Brasil a Angola, a Moçambique, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Macau, São Tomé e Príncipe, Timor e às diversas comunidades de língua portuguesa espalhadas pelo mundo. Portugal, se quer ganhar rosto na Europa, terá de se redescobrir luso com o seu típico espírito humanista e universalista aprendido nos bancos godos e católicos da nação nascente e depois alargado no contacto com os diversos povos do mundo. Não se trata de sermos portugueses, religiosos ou ateus, trata-se de nos encontrarmos com a nossa alma universal em todo o lugar presente num processo metamórfico sob as cores do biótopo natural. A nação, e depois o espaço postnacional lusófono, além dum ideal, precisa duma missão histórica a cumprir, uma metafísica que lhe dê projecção e sentido. No espaço lusófono tornar-se-á óbvio conhecer e espalhar nas escolas e nos meios de comunicação o saber sobre escritores e pessoas que reúnem em si a consciência e a memória do seu povo, numa dinâmica de intercâmbio e de fomento da consciência do nós, do saber-nos “irmãos” brasileiros, irmãos moçambicanos, etc. (continua) António da Cunha Duarte Justo Teólogo, Pedagogo e Jornalista antoniocunhajusto@googlemail.com copyright in www.antonio-justo.eu

quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

Bênção da Igreja para Homossexuais

A Excepção faz parte da Regra António Justo No sentido de proteger relações duradoiras, a Igreja Evangélica de Kurhessen-Waldeck, abençoa pares de sexo igual (homossexuais). Nesta Igreja passa-se, oficialmente, a dar a bênção a pessoas homossexuais. Com a bênção, a união de parceiros recebe caracter confiável e permanente, tornando-se, ao mesmo tempo, em sinal contra a troca frequente de relações ad hoc. O sínodo evangélico deste Estado reformou também a lei do serviço paroquial para párocos e párocas, abrindo assim as portas a párocos homossexuais. 80% dos sinodais aprovaram o texto e os restantes 20% votaram contra ou abstiveram-se. Apenas um problema de luta entre maiorias e minorias? Um advogam a leitura acrítica de textos bíblicos, outros, o humanismo e o progresso. Para uns estas medidas significam um afastamento da instituição da tradição bíblica sacrificada ao espírito do tempo. Para eles a Igreja nunca poderá aprovar uma prática "contra-natura" e fechada à vida. Por outro lado a Igreja faz casamentos de pessoas em idade fora do ciclo da reprodução. Alguns argumentam que a Igreja só condena a homossexualidade mas que tem compreensão e caridade pelos homossexuais. Assim, colocam os homossexuais numa situação de coitadinhos. Se se aceita os homossexuais mas não se aceita que eles pratiquem a sua homossexualidade, significaria que s teriam de ser celibatários e de renunciar ao amor íntimo (parceria amorosa). Para um homossexual, porém, a sua maneira de amar é sentida como natural e para cumprir o preceito teria de viver contra a natureza. A questão torna-se mais difícil num tempo em que há frentes muito duras escondendo-se, por trás de movimentos homossexuais organizados globalmente, grandes forças e agressão contra a Igreja Católica. Há homossexuais que vivem em contínuo conflito escondendo a própria homossexualidade perante a sociedade e perante a Igreja. Isto leva homossexuais crentes a viver com o problema ou a afastarem-se da Igreja. Muitos homossexuais têm uma tendência especial para a religiosidade, dado viverem em si, de maneira especial, uma parte da feminidade. Os homossexuais católicos são obrigados a ter uma perturbação na sua relação com a Igreja instituição. Segundo C.G.Jung, cada pessoa tem em si potencialidades masculinas e potencialidades femininas com correspondentes tendências homossexuais escondidas e não vividas, o que torna o combate de uns e de outros mais aferrado. A bênção é também uma consequência da misericórdia divina a ter em conta na pastoral. Irmana-nos a todos a luz e a treva. O que de um lado parece luz revela-se do outro lado treva e vice-versa. Sob o ponto de vista pastoral deveria, cada comunidade, cada pároco poder decidir, a partir da situação concreta, a possibilidade da bênção. Todos precisamos do amor de Deus e duma comunidade. O cristão e o não cristão não devem julgar uma outra pessoa pelo facto de ela ser homo ou heterossexual. “Por que olhas o cisco no olho de teu irmão e não enxergas a trave que há no teu? …Não julgueis e não sereis julgados” – dizia o Mestre. Seria óbvio aceitar a realidade de que, muitas vezes, o homossexual, com a sua inclinação natural, tal como o heterossexual, se encontra e vive em harmonia consigo e com o mundo. Porque criar desarmonia onde ela não está? Na natura tal como na cultura há regras e excepções a elas. Porque não aceitar concretamente a regra de que não há regra sem excepção? A tarefa da Igreja não se pode esgotar no seu aspecto didáctico-pedagógico. A pastoral, no encontro das pessoas, no terreno, não se pode esvaziar na defesa da ortodoxia mas sim integrá-la numa orto-praxia. Moral não é nenhuma mordaça, é apenas um capítulo do grande livro do cristianismo. Deus criou o mundo, Deus criou homossexuais e heterossexuais e verificou que tudo era bom. Só assim poderemos viver e celebrar a paz. Só assim nos encontraremos todos em casa. A característica comum a todo o humano é a fragilidade, são as faltas a todos comuns. No momento em que as não tivéssemos deixaríamos de ser humanos, de sermos reais. Somos peregrinos num mundo peregrino, não vale a pena sobrecarregar a mochila que cada um traz ou a dos outros com pesos que impedem o caminhar em conjunto. Quem me legitima a limitar Deus e a moral à sebe do meu pensamento se ainda não descobri sequer quem sou eu? Porque não meditar e verificar que aquilo que combatemos fora de nós (no outro) é o que temos dentro de nós? O combate distrai-nos de nós mesmos (da nossa ipseidade), impede-nos de nos descobrir no outro e de acariciar o outro em nós. Isto não é cristão António da Cunha Duarte Justo Teólogo católico antoniocunhajusto@googlemail.com www.antonio-justo.eu

terça-feira, 6 de dezembro de 2011

A Hora da Lusofonia está a chegar (1)

Assumir de novo a Bandeirância da Civilização Ocidental António Justo Como reacção ao meu artigo “Falta de Cultura da Europa face a outras Culturas mundiais - Europa Berço da Cultura jurídica da Humanidade” recebi, dum digníssimo professor duma universidade de Lisboa, o seguinte reparo: “Penso que, na apreciação dos três pilares europeus, lhe faltou a identificação de um quarto: o braço armado da projecção lusitana da Europa”. O Professor tem razão e motivou-me a reflectir sobre o assunto e a dedicar alguns textos ao tema, sob o meu ponto de vista. Status quo da Situação ocidental Se do encontro da fé de Israel, com a razão filosófica dos Gregos e o pensamento jurídico de Roma nasceu o grande projecto cultural europeu, o seu agir ganhou expressão, a nível global, no “peito ilustre Lusitano”. Os descobrimentos são, certamente, o quarto pilar da cultura europeia, o pilar do saber de experiência feito que Portugal soube concretizar. Sagres resumiu o saber (doxia) europeu e tornou-se no lugar da ortopraxia. Portugal ao saber-se Europa descobriu-se mundo. Por isso onde se encontra hoje um lusófono lá pulsa a alma toda do mundo. Conseguiu-o porque resistiu ao espírito oportuno do tempo indo-se assim “da lei da Morte libertando”, como bem descrevia Camões n’OS LUSÍADAS dos descobrimentos. O alemão R. Schneider, grande conhecedor da alma portuguesa, diz no seu livro “Camões / Philipe II”p.120 “nos Lusíadas não se trata apenas dum povo, mas sim da Humanidade”. Sim, da humanidade que actuava no Portugal de então. Camões canta a alma portuguesa (ainda inteira) que, não se deixando levar pelas lutas/modas de reforma particularistas de então, manteve a visão filosófica cristã global da humanidade, cultivada à sombra das ordens na tradição de Carlos Magno, longe dos interesses meramente individualistas. Portugal foi outrora o primeiro a expressar e a realizar o sentir e a pujança do ser europeu tal como hoje é o primeiro a expressar a sua fraqueza. Hoje como então Portugal é o palco de pontos altos da mudança. Outrora virada para o exterior e hoje de volta, para depois da crise moral e cultural se encontrar. A Europa medieval, aquela velha árvore que depois de ter estendido as suas raízes às diferentes civilizações até então vividas, floresceu no Renascimento. Desta florescência surgiu o ramo protestante, que começa a afirmar mais o valor do indivíduo, do eu (factor emancipador, a individuação) enquanto o catolicismo continuou a acentuar mais o valor da comunidade. Dois polos necessários, na vida social, que se encontram hoje em radical conflito. De facto, a Idade Média, que é mãe, comunidade, é nós, deu à luz o eu (individuação). Este ao tomar forma no movimento emancipatório protestante sente a necessidade de se afirmar contra a mãe. Mãe e filho afastam-se. Hoje temos uma europa de filhotes sem mãe, que se extenuam no seu cacarejar e na contemplação das próprias penas. A Europa ao combater a maternidade torna-se infecunda e assim sofre o mundo todo. Não suportamos a diferença nem a coexistência de extremos, num condicionalismo de reduzir e simplificar tudo a dimensões uniformes e rectilíneas. O ressentimento dos deuses germânicos contra Roma, no Renascimento, deu lugar ao desejo de liberdade que se fora articulando através da Idade Média e culminou na ruptura protestante com Roma. Assim se iniciam grandes convulsões religioso-político-sociais, e surge um novo sentir da vida, uma nova ordem económica, o capitalismo. A Europa rejuvenesce e transforma-se na procura de diferenciação e emancipação. A vertente protestante culminou no iluminismo, na proclamação da constituição dos USA e depois na revolução francesa e no enfraquecimento das monarquias. Esta importante vertente do desenvolvimento da Europa afirma o eu (a individuação) recalcando o espírito comunitário, o nós. Se na Idade Média a consciência individual ainda vivia em parte sob o manto da letargia institucional (nós à custa do eu) com o movimento emancipatório que ganhou forma no protestantismo começa-se a afirmar o eu (indivíduo) à custa do nós (comunidade). (Este movimento, encontra, actualmente, o seu extremo macabro no capitalismo liberal que reduz a pessoa a ego mercantil e transforma a essência do ego numa metafísica de consumo deixando o ser humano cada vez mais só no deserto do seu egoísmo.) Com os descobrimentos, enquanto na Europa os países se ocupavam consigo mesmos, Portugal já adulto (numa Europa ainda adolescente) assume em plenitude a mundivisão católica e burguesa, aliando-a ao desejo do novo e do “saber de experiência feito”. Portugal precoce realiza o ideário europeu que florescia então nos jardins da Lusitânia. A Europa alcança, através das viagens portuguesas (descobrimentos), um novo panorama do mundo. Este em vez de afinar os espíritos do sentir universal deu lugar à afirmação dos egoísmos nacionais e ao instinto colonizador. Em vez do sentimento do nós católico e universal temperado pelo outro polo, o protestantismo, apenas este encontra expressão na afirmação particular seja a nível estrutural seja a nível individual. A Europa afirma-se na divisão, o norte contra o sul, o politeísmo contra o monoteísmo mitigado. O mundo, à imagem da Europa, afirma-se então na divisão e no contraste em vez de integrar os polos contrários como pretendia o eclectismo complementar da alma portuguesa expresso pela ínclita geração. O despertar dos individualismos nacionais leva à afirmação do particular sobre o comum. Impõe-se a ganância à curiosidade, projecta-se a puberdade contra a maturidade. Os deuses do norte vingam-se contra os do sul. O politeísmo intelectual e político, então iniciado, tudo justifica, restabelece a mentalidade bárbara, não reconhece pai nem mãe, chega-lhe o bordel. Chegamos a um ponto de puberdade negadora duma tradição que lhe deu o ser e que é levianamente negada por uma sua parte. Esta não está consciente de que a negação provém da acentuação exagerada do outro polo que constitui a sua afirmação, o seu ideário. Entretanto o espírito emancipatório acentuou-se de tal modo que reprimiu o aspecto comunitário, só quer machos, a feminidade/maternidade constitui obstáculo ou é sufocada pelas estruturas vigentes, demasiado masculinas. Quer-se uma sociedade sem comunidade, querem-se filhos sem mãe. O ressentimento que hoje se expressa contra instituições, especialmente contra a EU, contra a Igreja católica, é o mais visível sintoma dum individualismo exacerbado que não conhece pai. O politeísmo da opinião não suporta a procura da verdade no sentido da unidade, circula em torno de si mesmo sem conhecer o sentido linear ascendente da evolução natural, individual e cultural. A crise actual é uma crise cultural e moral duma civilização que perdeu o seu ideário; é o resultado da acentuação do eu contra o nós, do objecto contra o sujeito. Socialismo e capitalismo sofrem do mesmo vírus epocal. Todo o mundo sofre em consequência da crise espiritual europeia que vendeu a alma ao Mamon para continuar a afirmar o seu polo individualista. O capitalismo exagerado machista foi-se afirmando à custa da comunidade até ao extremo de hoje se afirmar contra ela, não tendo escrúpulos em destruir os próprios Estados. Os países lusófonos, em vez de assumirem a nova mudança de consciência individual e histórica deixam-se destruir, sem tecto metafísico, seguindo sem reflexão própria os novos deuses e cultos que, de maneira anónima, em nome da emancipação se afirmam contra uma comunidade que albergue todos na complementaridade. A lusofonia, para assumir a bandeirância do progresso, tal como o Portugal de outrora, terá de descobrir-se a si mesma e de consciencializar-se e assumir o tecto metafísico que dê consistência à sua acção. Outrora, enquanto os povos da Europa combatiam pela definição de suas identidades políticas, Portugal, que já tinha encontrado a sua identidade nacional, pôde dedicar-se à tarefa original de levar ao mundo o espírito europeu. A bandeirância que fez nascer Portugal é a mesma que o torna adulto e o leva à expansão. A revolução axilar do renascimento que explode por um lado no protestantismo na procura duma individualidade que se expressa no capitalismo e no espírito cívico, afirma, por outro lado, o seu carácter global (católico – aspecto comunitário) na continuidade espiritual da escola de Sagres. Hoje encontramo-nos numa época axiomática da História na qual a crise não é só de ordem estrutural/mental mas espiritual. Os fundamentos que deram origem à grande árvore da civilização ocidental são descurados e as suas raízes sistematicamente amputadas. Em vez de nos preocuparmos com o que deu vida a esta árvore, serramos nela o próprio ramo em que nos encontramos. Depois da insónia desta crise surgirá porém o sonho que renovará o mundo; até lá os ventos da contradição continuarão a destruir pontos altos da nossa civilização. Ao ressentimento dos deuses germânicos, com o seu espírito capitalista, sucede-se agora o ressentimento socialista aliado à derrocada dum capitalismo liberal injusto que, como um polvo, procura abrir os seus tentáculos num globalismo aniquilador de nações. Junta-se a feiura do turbo-capitalismo à fealdade do comunismo materialista na tarefa de reduzirem as estruturas de Estado a seus veículos de ideologia trituradora da pessoa. O mito da Europa como vaca degenera-a agora em touro de cobrição. Como um touro de olhos fechados sai do curro ocidental para dominar o mundo, destruindo a cultura que lhe deu o ser, não respeitando os ecossistemas culturais. É verdade que as “constelações postnacionais” de que fala o filósofo alemão Habermas já não podem resolver os seus problemas sozinhas pressupondo isto o abandono de individualismos nacionais e culturais mas sob o tecto metafísico civilizacional que lhes deu o ser. Se o desejo de individuação, no renascimento, deu lugar à “monolatria” protestante, o modernismo volta ao politeísmo anterior à civilização. Deixou-se de considerar o mundo como um conjunto de ecossistemas sociais com as suas leis e ordem inerente para os transformar em biótopos individualistas em que as divindades se sobrepõem umas às outras tornando notórias as fracturas a nível ideário, estrutural e pessoal. A nível ideário e cultural assiste-se à batalha do politeísmo contra o monoteísmo. Se o conflito surgido do renascimento (dois modelos de vida sob o mesmo teto metafísico) era expressão da força dum sistema e duma vivência, a crise a que assistimos hoje revela-se decadente (sem sentido, destroem-se modelos à margem dum ideário colectivo que justifique tal actuação). O saber deu lugar à opinião fundada em castelos no ar. A nação deu lugar a estados à mercê de mercenários que em nome duma europa mal-entendida se afirmam. Estes, para se sentirem mais à vontade mandaram a cultura ocidental para rua sem qualquer guarda-chuva espiritual. Resultado: chuva ácida nos biótopos naturais e nos ecossistemas culturais. O capitalismo e o socialismo, dois filhos pródigos do cristianismo, depois de terem provocado grandes buracos no ecossistema espiritual ocidental, parecem, não querer voltar à velha casa paterna onde, juntos, a poderiam renovar, engrandecer e projectar. Preferem seguir o poder da monocultura masculina islâmica e a desorientação do politeísmo oriental. Nestas, o indivíduo encontra-se indefeso, à chuva, e sem privacidade com a própria divindade. Desprotegido e desalojado dos ecossistemas sociais, fica mais disponível para o mercado e aberto a ideologias baratas e a uma oligarquia anónima mundial. Enquanto o espírito europeu envelhece, no Brasil e nos países da lusofonia, a antiga vontade poderia erguer-se. A lusofonia surge como lugar duma nova missão no mundo. Nela se podem congregar os anseios do velho Portugal com as ânsias das novas gerações. Como parte do legado, visto da perspectiva portuguesa temos o espírito universal católico, e os escritos de Camões, de António Lopes Vieira, de Fernando Pessoa, etc. Não chega apostar apenas em ideologias, estas passam como os ventos entre a alta e a baixa pressão, é preciso ter-se presente o eixo que tudo suporta e dá continuidade a quem conta com o futuro; para os lusófonos, este eixo é o cristianismo com a sua perspectiva mística do triálogo. A filosofia e a espiritualidade cristãs terão de, num processo de aculturação e inculturação, se tornar num verdadeiro tecto metafísico do mundo da lusofonia. Neste sentido será necessário manter o modelo católico calibrado com o espírito protestante. A bandeirância outrora assumida por Portugal na Europa espera por ser assumida e renovada por todos os países da lusofonia. A nova bandeirância já não será de carácter expansionista para o exterior mas para o interior, da quantidade para a qualidade num espírito integrativo e de complementação num processo de integração de espírito e matéria, de ecologia e tecnologia. A força em toda a natureza vem de dentro para fora muito embora seguindo o chamamento da luz; o mesmo se diga dos ecossistemas culturais e dos seus biótopos humanos. Não podemos continuar a cultivar árvores repelindo a floresta. No passado dominou o princípio dialéctico (um sistema de pensamento redutor elaborado na contradição/dissecação) como princípio de pensamento e da realidade que se reflecte na nossa maneira de organizar a sociedade e a vida individual numa espécie de dicotomia entre indivíduo e sociedade, superior/inferior, sujeito/objecto. O novo pensar será trinitário equacionando o problema dos contrastes num triângulo circular ascendente. Numa cadeia de relações infinitas dum contínuo tornar-se, num processo espiral ascendente que transcende o espaço e o tempo na dinâmica da união que se não limita a um estado momentâneo mas se expressa na sua dinâmica relacional, numa nova Realidade que engloba o real aparente despetreficando-o para um estado fluido, para lá do momento e das amarras da definição que são o espaço e o tempo. A relação torna-se então processo pessoal e não estado, deixando de ser objectivável no todo e no particular. A Realidade desinforma-se para se consciencializar do ser in do processo in-formar. Então a relação torna-se pessoal, é tornar-se, essência relacional; o in (do in-formar antes e depois da forma numa dinâmica de pai-filho-paráclito) da a-perspectividade resolve a aparente contradição matéria-espírito, indivíduo-sociedade, eu-tu, na dimensão da vivência superadora da alternativa através do paráclito. O indivíduo passa a ser pessoa e a sociedade a ser comunidade. Nós só exercitamos a perspectiva funcional da relação e por isso petralizamo-la numa ou noutra identidade. Em Jesus cristo exclui-se a exclusão mútua de matéria e de espírito. Nele (JC) torna-se visível uma unidade dinâmica do tornar-se da petrificação (J) e do fluido (C); a relação duma com a outra possibilita-se num processo de mudança concretizado na relação pura (o paráclito). Aqui dá-se já não um progresso quantitativo (estados), negador do anterior ou afirmador do posterior, mas uma dinâmica da relação pessoal (de ipseidade) em que o outro participa do espírito comum a toda a realidade em relação. A base constante é a divindade subjacente a tudo, a todos comum, num processo universal sem funções dado a relação ser pessoal num eterno tornar-se (“eu sou o tornar-se”, dizia Deus a Moisés) para lá do acontecer. A oposição dialéctica do eu/tu, eu/objecto resolve-se na realidade trinitária dum eu-tu-nós. Passamos a não ter apenas o diálogo como o contrário do monólogo, como relaç1bo entre objectos, mas o triálogo como integrador do diálogo, do monólogo e do “objecto” num processo de sujeito-sujeito. A dialéctica passa a ser integrada como momento do processo e a não ser vista como realidade ou espelho da mesma. Isto tem como consequência uma outra forma de vida e de estar superadora duma pedagogia, duma política e duma economia meramente objectivante. Uma nova filosofia de Estado pressuporá a união da filosofia com a mística, uma aplicação prática da filosofia trinitária. A Hora da lusofonia está a chegar, precisam-se faróis por todo o espaço lusófono. Para isso terá de coadjuvar-se modernidade e tradição, maternidade e filiação, o indivíduo passar a ser pessoa e a sociedade a ser comunidade. “O espírito do mundo desce ao Brasil e abandona a América iankye. A China cairá brevemente com a sua crise demográfica e é preciso preparar a Lusa- áfrica pela mobilização do Brasil”, confessava-me o amigo. (continua) António da Cunha Duarte Justo Teólogo, Pedagogo e Jornalista antoniocunhajusto@googlemail.com copyright in www.antonio-justo.eu

Porque nos guerreamos mesmo no amor?

Sempre que vou à praça encontro pessoas e amigos/as com problemas que me tocam de perto porque elas e eles fazem parte da minha vivência. Encontro amigos e amigas que sofrem porque a relação com os seus parceiros não corre como, no seu sentir, seria de desejar. É um problema por que toda a gente que vive passa, quando entra numa relação mais íntima com alguém. Naturalmente que na relação de parceiros um naco pode ser mais difícil que o outro correndo cada um o perigo de se fixar mais na parte escura do outro e assim esconder, inconscientemente, a própria escuridão. Cada um envove-se então numa tarefa inglória, a tarefa de mudar o outro; o combate torna-se constante e com fim trágico se não se mudarem os dois. Cada parceiro traz consigo muitos problemas psíquicos inatos ou adquiridos, encontrando-se, muitas vezes, vergado sob a própria cruz, sem espaço para ver novos horizontes. Além disso, numa relação matrimonial ou numa relação íntima, há sempre três fases: A primeira fase é a do apaixonamento A segunda fase é a da luta, da luta por dominar o outro. A terceira fase é a fase da aceitação e do amor. Em todas as relações há sempre momentos de mistura das três fases, fases estas, que acontecem paralelamente. O problema é que os pares continuam por muito tempo em luta e esta tem de ser superada pela aceitação do outro como ele é. A segunda fase tem de ser superada pela terceira fase que é a aceitação do outro como ele é. Cada um traz problemas consigo mas só cada um terá de regular a própria situação, independentemente do outro. Uma pessoa não pode interferir com o desejo de mudar o outro, pode manifestar desejos mas sem serem desejos gancho. Quem o fizer já perdeu a razão e não respeitou o outro. O que geralmente acontece é que as pessoas lutam sempre durante o tempo de vida que estão juntos, e, assim, a vida passa-lhes ao lado. Deixam de ser sujeitos da vida para passarem a ser seus objectos. Criam-se expectativas irrealistas sobre o parceiro. Objectivamente podem estar certas as observações que se fazem sobre o parceiro mas isso não justifica o poder que se quer ter sobre ele. Não temos o direito de impedir a vida do outro nem o outro tem direito de impedir a nossa. Há objectivos comuns que se vão adquirindo no compromisso e respeito mútuo. O respeito de um pelo outro pode ser um ponto de orientação; se o há quer dizer que a relação ainda não morreu. O meu sofrimento não acabará enquanto não conseguir deixar o parceiro ser como ele é e enquanto ele não me aceitar como sou. Isto é muito difícil. Mas uma pessoa pensa que tem mais razão que o parceiro. Então bombardeamo-lo com ideias, conselhos e moralismos. Verdade é que ele ou eu aprendemos sobretudo através dos erros. Geralmente aprende-se através dos erros, não através das correcções. Quanto mais tempo dura a luta mais rígidas se tornam as atitudes e os papéis, dum lado e do outro. Problemático torna-se que cada qual, no meio de tanta luta, se esqueça de viver e perca o comboio da vida. Importante é desenvolver-nos e descobrir-nos, descobrir-nos como mundo e como parte dele. Então, em vez da raiva surge a compaixão. Também não podemos esquecer: Quando alguém nos fecha uma janela Deus abre-nos uma porta. A nova situação pode tornar-se oportunidade para um renascer. Importante é que sejas cada vez mais tu (sujeito não objecto) deixando de ter o outro como muleta. Então a vida sorrirá e na vegetação do teu jardim brilharão todas as cores do arco-íris. Em qualquer relação o importante é que tu te tornes tu e não definas a tua personalidade pela dos outros nem a dos outros pela tua. Ao tomares consciência de ti descobres os outros também. Faz tu o que pensas que é bem para ti independentemente do que os outros pensam e a vida te trará muito perfume e brilho também. Importante é que se trate os outros sempre bem também. Doutro modo corres o perigo de querer atingir o impossível e de te esgotares nisso. A demasiada identificação com o outro ou consigo mesmo pode tornar mais difícil a própria aceitação e a aceitação dos outros. A demasiada fixação em si mesmo ou no outro deve ser contrabalançada com uma actividade ou ocupação que dê sentido à vida doutro modo torna-se o parceiro ou a própria pessoa o único conteúdo da vida e isto é mortal! Geralmente, na nossa vida, fazemos do nosso ser um palco em que deixamos alternar cenas em que somos dirigidos pelo eu infantil ou pelo eu paterno em vez de nos descobrirmos como eu, como ipseidade, como eu adulto. Jogamos às escondidas connosco mesmos entre o nosso eu infantil e o nosso eu paterno distraindo-nos do nosso eu adulto e responsável. Assim abdicamos de ser adultos e responsáveis, sendo amarrados à trela dos outros. Há que descobrir em nós o mesmo Sol que a todos puxa e quer de nós luz. António da Cunha Duarte Justo antoniocunhajusto@googlemail.com www.antonio-justo.eu

quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Cristianismo é Teísmo e Panenteismo

Religião não é Renúncia mas Participação António Justo Os dogmas da religião e as teorias científicas seriam mal-entendidos se fossem reduzidos a absolutos lógicos ou a realidades factuais. Para nos relacionarmos e desenvolvermos precisamos da linguagem, de modelos. Também a criança para poder dar as primeiras passadas precisa da perspectiva dumas mãos dispostas a ampará-la… Ver na criança a confiança como algo alienante seria reduzi-la à sua incapacidade de se transcender a si mesma. Muitos impacientes pretendem o Homem à sua imagem e semelhança, à medida da sua medida, à medida da sua consciência, como se esta fosse um dado estático adquirido e não um processo e como se cada pessoa, cada sociedade não estivessem sujeitas a um processo de crescimento precisando de parâmetros e duma pedagogia acompanhante. Uma religião autêntica não afirma só o ser, não divide o ser do fazer. Já no Sinai o Deus da Bíblia revela: “Eu sou o que sou”, “Eu sou o acontecer” (“ sou o tornar-se”). Isto é testemunhado mais tarde na espiritualidade da trindade onde Homem (natureza) e divindade transcendem a visão polar da realidade, revelando a Realidade como relação. A visibilidade e a invisibilidade irmanam-se. O Homem, a natureza (= Jesus) não terminam em si, mas fazem parte duma realidade mais abrangente o Cristo, numa relação já não binária (bipolar)mas trinaria. A descoberta do eu no tu realiza-se no nós da divindade. Só podemos ser reconhecidos no trajecto, sendo muito embora mais que ele! A vida é mais que um produto da natureza, ou que um dado acabado da razão, a seguir o caminho efémero do destino. Por trás de tudo há um chamamento, um Sol que atrai e aquece. E na raiz já se encontra o ser e a experiência do Sol. É verdade que a religião, por vezes, se circunscreve a uma ascética, a uma moral que exagera a renúncia ao mundo. Afirma em demasia a filosofia grega esquecendo a mística joanina. Desvirtua-se ao manter na sombra a realidade trinitária, da incarnação-ressuscitação, onde em vez da lei da contradição grega se realiza a lei da complementaridade. O Pai realiza-se no Filho e este assume a matéria, como parte dele mesmo, desencrostando-a para a divindade fluir nela. Aqui o monoteísmo mitiga-se. Reúne-se o teísmo (transcendência) com o panenteismo = tudo em Deus: Deus dá-se ao mundo na criação mas mantem-se ao mesmo tempo fora do mundo. O cristão vive no e com o mundo em Deus, vive a realidade Emanuel. Ele crê que não pode adiar para depois da morte o processo da morte e ressurreição em via em nós e já antecipada pelo Jesus no Cristo. Sabe que o processo vital não se deixa reduzir ao ser fenomenal nem a caminho, permanecendo através do tempo (diacronia). A Vida é relação não só no aqui e agora do espaço e do tempo, não só na crosta do ser, mas especialmente no ser a acontecer. “Eu sou o tornar-se”. As pessoas da divindade manifestam-se pela relação e nós participamos nela. Deus está acima das culturas e da opinião como o Sol acima da terra e das pessoas, encontra-se fora e dentro delas. A sua essência é amor fogo em tudo presente. Reduzir o corpo a veículo de luz seria desconhecer o seu ser que é luz. A luz não só está em nós como também faz parte de nós. Seria um retrocesso separar em nós o Jesus do Cristo... Trata-se de descobrir o nosso ser de luz. No sangue, no esperma, na seiva e na semente encontra-se o amor que expressa a existência do mesmo Sol. Essa luz precisa duma crusta, dum ser, dum indivíduo, duma instituição para poder brilhar. Individuação sem recorrer à negação do outro Definir é trair, por isso somos todos traidores inconscientes duma realidade que queremos nossa. No nosso desenvolvimento de criança para adulto atravessamos várias fases com as correspondentes crises. Assim, na adolescência temos a necessidade de negar os pais para nos sentirmos nós. Muitos de nós ficamos empancados na fase adolescente do combate contra o outro. A fixação na própria individualização leva-nos muitas vezes a negar os outros como se para nos branquearmos precisássemos da negrura dos outros. É fatal construir a própria individualização, a própria opinião na negação do outro. De facto aquele que já se encontrou dá uma chance ao outro, também, por estar consciente de fazer parte dele. Se emperramos nele é sinal que não ultrapassamos a fase da puberdade. Abdicamos de crescer. Lá fora no mercado das opiniões fala-se muitas vezes, de cor, como se fosse possível espírito sem corpo, inteligência sem cérebro, cidadão sem estado, crente sem igreja, democracia sem partido, bem sem mal. Aleatoriamente afirma-se, muitas vezes, a própria coloração do espírito contra a instituição. Não há liberdade pura, nem indivíduo nu; todo ele é pessoa com os vestidos da cultura e a coloração das circunstâncias do biótopo de que faz parte. Um sistema precisa de suportes (regras mesmo transitórias) senão rui, desfaz-se no caos. A beleza da rosa só é possível devido à mãe roseira. Muitas vezes afirmamos a beleza do nosso brilho de rosa negando ao mesmo tempo o verde e os espinhos da roseira: uma contradição. Em nome do colorido da liberdade não se pode evitar o escuro nas cores. Não há raciocínio isento, só procura. O pensamento procura a luz tal como o embrião procura o sol: um e outro a caminho da verdade. A realidade existe no pensamento. Para o animal a realidade não existe porque ele faz parte dela. Para o homem ela existe no distanciar-se dela. A religião quer religar a realidade criada à Realidade perene. A liberdade em si não existe, ela é vida em processo de libertação em execução, um estar a caminho no caminho que se não fica pelo caminho; é como o sol, o amor que se encontra a caminho no botão à procura do Sol. Esse mesmo sol que era embrião se tornou em botão. O mesmo calor que se manifesta nas cores da flor expressa-se na devoção do crente e no entusiasmo do investigador científico ou do filósofo. Tudo pétalas da mesma flor. Sonho e realidade são partes duma Realidade maior. O reino de Deus não é exclusivo nem exclui. Ele comporta também o espaço e o tempo, é ser aqui e agora numa perspectiva abrangente, do Alfa para o Omega, a caminho com o universo. O Sol chama/atrai toda a natureza e, mantendo-a embora inquieta, não se fixa na distinção entre os seres que desenvolve no seu chamamento. Também nós irradiamos o nosso sol e a nossa escuridão que se projecta no outro, e se manifesta em aceitá-lo ou em rejeitá-lo. Quanto maior é a escuridão dentro de nós mais escuro vemos à nossa volta, fora de nós; piores nos parecem os outros, deixando de ser próximos para os vermos como adversários. Esquecemos que a própria raiva escura não passa duma queixa ou duma vingança por um raio de luz não recebido. Muitos estão dispostos a reconhecer Jesus com o coração mas rejeitam com o intelecto uma mãe que o dê à luz. Negam assim a realidade de que sem mãe não seria possível o filho. Sem a recordação, sem a memória também não haveria futuro, por muito que a lembrança, à primeira vista, pareça perda de tempo numa época que quer tudo já. No reconhecimento da mãe chegamos a ser mãe duma realidade que não temos em mão. Não há que desesperar: por trás duma jovem prostituta esconde-se uma boa mãe. Somos todo povo a caminho em tensão entre o passado e o futuro na vivência do kairos. Memória, imaginação, corpo e espírito condicionam-se não se excluem. O ser também não se reduz à consciência dele. A religião quer abrir o caminho para novas dimensões, outras esferas. Também ela se encontra a caminho; teremos que a purificar purificando-nos. Sempre que atiramos pedras aos outros paramos no caminho da vida, petrificamos o nosso ser. Fala-se da fuga ao erro como se sem ele houvesse liberdade. Fala-se de realização pessoal como se ela fosse possível sem realização social. O erro é uma parte integrante de nós mesmos. A sociedade corre o risco de se tornar infantil e irresponsável refugiando-se do stresse em “verdades ad hoc” próprias, em autonomias distantes, dum querer ser só pai sem mãe nem filho, numa dinâmica meteórica sem pertença nem sistema. Vivemos numa sociedade muito acelerada multiplicando, por isso, os resíduos que alguns chamam de impurezas, os naturais vícios da aceleração. As verdades fixas são produtos da mente, a Verdade é a realidade toda dinâmica a acontecer em nós, é processo e não conceito. O preconceito dominante não deixa ver para além das embalagens das opiniões, fica-se pelo aspecto folclórico dos média, da ciência e da religião. O conteúdo seria incómodo para os donos da economia e dos pelouros públicos e para os formadores de opinião. Pensar é uma arte e reflectir faz doer. António da Cunha Duarte Justo Teólogo e Pedagogo antoniocunhajusto@googlemail.com

quinta-feira, 13 de outubro de 2011

COM O MAL NASCEU A CULTURA

A ruptura é o princípio do progresso António Justo O cinismo hodierno quer-se branquear apresentando o pecado como algo fora de moda e que o reconhecê-lo constituiria um acto opressor. Pensa que ao destruir a consciência da culpa se livra dela. Vê no Deus criador um velho desmancha-prazeres. Por isso faz guerra a Deus no equívoco de que acabando com Ele acabam com a culpa, com o mal. Ainda acredita, com Rousseau, que o Homem no seu estado natural é bom e que só a cultura o estragou e corrompeu. “O homem é bom por natureza. É a sociedade que o corrompe" , dizia ele. Esta visão corresponde à atitude regressiva de Adão que, depois de seguir o acto racional da companheira Eva, teve remorsos e para evitar o incómodo do medo quis desculpar-se para voltar à “visão beatífica” animal de que gozava antes de seguir a racionalidade de Eva. Revela-se imaturo para assumir a coragem da culpa, aquela que o tornou Homem. Sem culpa/dívida não temos homem nem cultura. A culpa torna-se numa dívida à vida transmitida e quem acordou o Homem para a cultura foi Eva, através dum acto proibido. Por isso o parceiro ainda sonâmbulo terá que a seguir sempre, na esperança duma natureza desperta. O Homem no estado natural não passaria do tempo em que era hominídeo, sem cortar o cordão umbilical com a natureza. Ignora o salto do animal irracional para o animal racional, na alegoria de Eva, que ao distanciar-se da natureza se descobriu como ser diferente do ambiente que a circundava. Ao descobrir-se diferente reconheceu o criador que a projecta para lá do horizonte da mãe terra e a ajuda a evoluir e a distanciar-se da irmandade hominídea para a reconhecer e seguir o próprio caminho. Já não lhe chega o tecto das estrelas sobre a cabeça; à imagem do criador que criou a terra, o Homem cria a cultura e com ela um tecto metafísico que o distingue dos irmãos animais e o ajuda a orientar-se nela. A natureza precisa duma atmosfera que a protege e o Homem precisa duma metafísica que lhe dá perspectiva. Como o Sol no céu da natura assim Deus no céu da cultura. O Verbo criou o mundo e o Homem criou a palavra, seu horizonte. Todos falam mas no falar é que se distinguem. No que entendemos sobre a natureza e as coisas é que está a diferença. Esta identifica-nos mas não é suficiente para nos definir; implica a outra parte de nós que é a diferença que nos torna diferentes. Fatal é o facto da teoria da evolução se ficar pela diferenciação. Aqui parece que Rousseau não compreendeu que a maldade/culpa humana é natural, que não é mais que a dívida da razão à natureza irracional. A tarefa está em reconhecer natura e cultura como metáfora, como a chance de, com elas, nos tornarmos nós com o todo. Hoje reconhecemos a dependência mútua do bem e do mal que fazemos. O cristianismo aponta para o aparente hiato entre natura e cultura que se realiza na irmanação de espírito e matéria na encarnação. Tem sempre presente a relação eu-tu-nós, não se limitando ao eu e ao outro. No cristianismo, pecado é a perturbação da relação com Deus, isto é a perturbação da relação comunitária do eu-tu-nós. A crença em Deus é uma procura dele, o direccionar-se do embrião humano para o ser em botão. A verdade acontece na procura e não no saber. Este serve só a individuação, como se viu em Eva. O problema da árvore do conhecimento do bem e do mal, penso que estará no facto de só se terem ficado pela dicotomia do saber. Ao comer da maça (da razão) descobrem-se nus, abrem os olhos. A proibição acentua a liberdade de poder transgredir. A História da cultura humana passa a ser um processo contínuo de tentativa e erro numa dinâmica de procura-tentativa-erro-decisão e assim por diante. Deus criou o mundo e o homem e com este criou a cultura e com ela a sua perspectiva. Em Adão e Eva encontra-se a “pré-história” e a “história” na passagem do inconsciente para o consciente. A criança é desculpada (vive de graça, não peca, não tem culpa) enquanto não comer do fruto proibido, enquanto não alcançar o” uso da razão”. Em Eva a humanidade alcança a consciência de indivíduo. Esta experiência é dura como podemos ler nos Géneses, porque a individualidade da pessoa se reconhece na desobediência a Deus, na dívida do indivíduo ao todo. A consciência do “pecado original” pressupõe a visão realista do ser humano e da natureza, uma natureza na tensão de saber-se separada para se poder unir. Com Caim a humanidade alcança um outro grau de consciência, a consciência do poder. Também este estado de consciência é doloroso e associado à culpa porque se adquire à custa do assassínio de seu irmão Abel. Se um progresso humano acontece no distanciamento de Deus o progresso social dá-se na culpa de se afirmar à custa do irmão. Caim (agricultor) desenvolve a consciência de ser político reconhecendo os conflitos de interesses entre os seus interesses de agricultor e os interesses de Abel (pastor) e o mundo da mãe. Para se afirmar na sociedade rural e pastorícia, age egoisticamente matando o irmão Abel. O pecado original (rebelião contra Deus – consciência da individuação) de Adão e Eva associa-se, depois, ao desenvolvimento da consciência de sociedade, o pecado social (político) de Caim e Abel (rebelião contra o Irmão, contra o grupo social). O Homem sente-se de princípio condicionado ao mal ao pecado/culpa. Para ser ele corta a relação com Deus e depois dessolidariza-se socialmente matando o irmão e consequentemente abandonando a mãe. O progresso pressupõe o abandono do seio materno e da tradição que o protegia; deixa de ser uma comunidade solidária. Daí o seu sentimento de culpa. Perde a inocência de pertencer a um todo harmonioso e indivisível. A inveja leva-o a assumir o poder. Culpa é uma dívida à vida transmitida. A razão procura dar um sentido ao caos. Para isso divide e separa para distinguir e afirmar-se. O pecado é uma estrada para a verdade A religião honesta não ameaça porque sabe que o que se encontra dentro também se encontra fora. Reconhece na pessoa que o último juiz está nela, para os cristãos na sua natura de Cristo. O afirmar da luz não justifica a negação da sombra nem vice-versa. O Sol no seu trajecto (movimento que ele provoca fora dele – na sua periferia) implica a noite. Do Sol surgiu a noite dos seres, a sua sombra; esta é mais que a sua (dele) expressão, mais que o brilho que dele reflecte. As estações do ano constituem uma parábola da vida revelada no livro (tempo) da vida. Sem as purgações (a tempestade e a escuridão) do Outono e do Inverno, sem o descanso que a noite dá ao dia, a vida desapareceria tal como as cores no branco. Somos mais que força direccionada. Toda a comunidade, toda a instituição tem um conteúdo (valores, experiência) a transmitir através duma pedagogia, duma didáctica. Identificar o conteúdo com a pedagogia seria equívoco ou maldade. Já o apóstolo Paulo dizia “Oh feliz culpa” alertando assim as pessoas para os bons frutos a colher do erro. O erro é a estrada para a verdade. A religião estimula a consciência a procurar e quer questionar para na espiritualidade experimentar o inefável. O espírito crítico é muito importante para todo o desenvolvimento desde que se aplique para nós o mesmo critério que se aplica para os outros, desde que integrado num processo de responsabilidade. O adolescente tem a impressão que os pais (a religião) proíbem tudo. Este sentimento está ao serviço da sua individuação e sem ele não se tornaria adulto. Uma imperfeição não justifica a outra, mas, no mundo feito de imperfeições, é legítima a aspiração a uma imperfeição mais adequada. Problemático seria se o adolescente, para se afirmar, tivesse de rejeitar os pais. Na arena pública digladiam-se embriagados da própria razão. Tudo na fuga à culpa que liberta. Tudo peca contra o outro. Ninguém se confessa. Verdade e falsidade são dois polos do mesmo problema que passam pela opinião, pela percepção intelectual. Os livros sagrados procuram expressar experiências de vida e do sagrado em letras, num código de regras, como se vê nos dez mandamentos. Revelam também o perigo que as normas também têm, o perigo de esconderem horizontes novos. “O Homem não foi feito para o Sábado, mas o Sábado para o Homem”, advertia o Mestre de Nazaré. Há que ter em conta a realidade do pecado e da culpa não se fixando nele. O facto da jerarquia eclesiástica ser constituída por pessoas (limitadas) não nos isenta das próprias limitações na crítica ou louvor que façamos. (Abstenho-me de referir aqui os pecados da instituição Igreja porque esta já é o bombo da festa dos de má consciência e de grupos intolerantes organizados que dominam a praça pública). O óptimo é inimigo do bom; ele tornaria a vida insuportável e negá-la-ia. Verdade é que sem partidos não há democracia por muito imperfeitos e repartidos que estes se encontrem e por muito inteiros que a perfeição os queira. As instituições, como o indivíduo, correm o risco de, ao fugirem do perigo, caírem na armadilha do medo ou de abusarem da sua situação. O medo não está na religião mas no sistema sensorial do cérebro, no sistema mais arcaico do cérebro. Ao contrário, a oração e a meditação mobilizam reservas cerebrais libertadoras dos medos artificiais. O erro, o mal são elementos essenciais à evolução e ao desenvolvimento. (A tarefa do consciente será descobrir jogos que o contorne sem o provocar). O Criador embutiu alguns erros na natureza para podermos fazer o mal quando fazemos o certo… Só vemos o que os nossos olhos permitem ver; o que é grave é identificarmos o que se vê com a realidade como se esta não fosse mais ampla. Deus definiu-se como o “tornar-se” e nós, “feitos à sua imagem” se nos definimos só como “o ser” (a crosta) limitamo-nos a ser a tinta da palavra escrita mas não a Palavra/acontecer. António da Cunha Duarte Justo Teólogo, Pedagogo e Jornalista antoniocunhajusto@googlemail.com www.antonio-justo.eu

terça-feira, 11 de outubro de 2011

Da Primavera Árabe sobressai o Extremismo no Egipto

Junta Militar governante interessada na Desestabilização António Justo No Egipto, Cairo, foram assassinados 20 cristãos coptas. Domingo à noite demonstravam contra um ataque incendiário a uma Igreja efectuado por muçulmanos na região de Assuão. Os cristãos responsabilizam bandidos islamistas e pessoal do exército pela escalação de demonstrantes e contra demonstrantes. A junta militar governante do Egipto está interessada no conflito entre muçulmanos e coptas. Há acusações que afirmam que a junta militar incita os ataques aos cristãos. A desestabilização do país interessa especialmente aos militares, que não querem perder os seus privilégios. O adiamento das eleições parlamentares previstas em Novembro constitui uma ameaça aos privilégios dos militares e aos familiares de Mubarak. Em nome da desestabilização as forças militares ganham peso como factor de ordem. O ataque incendiário à Igreja de Assuão terá sido efectuado com a aprovação do governador muçulmano da região. Segundo informação da organização dos Direitos Humanos „Egyptian Union for Human Rights“ depois da queda de Mubarak já fugiram do país 100.000 cristãos. No Egipto há 74 milhões de muçulmanos e quase 9 milhões de cristãos coptas. No mundo há 15 milhões de coptas. Com a islamização a partir de 640 foram-se reduzindo até à sua expressão actual. A História de discriminação e perseguição parece dar razão a quem usa da espada para se impor e não apenas da palavra. Como advertiam conhecedores da política muçulmana, a primavera árabe, embora expressasse um desejo legítimo, não podia passar dum desejo pio. Para haver democratização são precisas forças mínimas de individuação contrariadoras do colectivismo e do dirigismo. Infelizmente não há ninguém no mundo e nas religiões que não faça erros. Há porém uma diferença entre erro e assassinatos em massa. António da Cunha Duarte Justo antoniocunhajusto@googlemail.com www.antonio-justo

segunda-feira, 10 de outubro de 2011

BENTO XVI E A ECOLOGIA

Um dia Santo para a Natureza, para os Animais e Plantas António Justo Na parte final do seu discurso no Parlamento alemão, Bento XVI referiu-se também ao movimento ecológico surgido na Alemanha, especialmente, a partir dos anos Setenta, afirmando que o ambientalismo “foi e continua a ser, um grito que anela por ar fresco, um grito que não se pode ignorar nem acantonar”. O papa com a ideia de não deixar acantonar o movimento ecológico num partido (Os Verdes) ou grupo do mercado quer que se ultrapasse uma visão antagónica do preto e do vermelho para uma visão dum verde que suporte todas as cores do arco-íris sobre ele. A lei da complementaridade na biosfera e nos ecossistemas culturais pressupõe um equilíbrio de relações entre todos os elementos e não a ditadura da economia (lucro exagerado) que ao destruir a natureza destrói também a pessoa. Requer-se uma mudança radical de mentalidade, uma consciência ecológica e humana que transcenda os guetos das ideologias. Se no alvorecer da humanidade e no seu afirmar-se, o Homem, então em reduzido número, lutava por dominar a natureza, hoje que a explora e põe em perigo, tem que, como sua parte integrante, tornar-se seu protector assumindo a responsabilidade do Criador. De facto, hoje observam-se dois grandes buracos de ozónio: um na biosfera natural e outro nos ecossistemas culturais. O ar e a cultura, cada vez se intoxicam mais, correndo em abundância o veneno na água e na divulgação pública. Hoje, por vezes, tem-se a impressão de vivermos em tempos apocalípticos, do não há pai, salve-se quem puder. Em tom brincalhão, o Pontífice fez um aparte, no discurso, dizendo que não estava ali a fazer propaganda por nenhum partido. Certamente não queria ficar como o papa verde! De facto o partido OS VERDES com 68 deputados num parlamento de 620 surgiu da defesa da ecologia. Com este louvor talvez o Papa queira estimular a Alemanha a continuar no seu estado pioneiro de empenho ecológico no contexto das nações e de ter sido a maior sociedade industrial a ter determinado o abandono da energia atómica para passar a investir em energias não poluentes e renováveis, como a eólica e solar. Isto tem como consequência a transição de investimento e transformação tecnológica e de investigação. Não chega pintar de Verde as Fachadas das Fábricas e das Ideologias Depois continuou: “A importância da ecologia é agora indiscutível. Devemos ouvir a linguagem da natureza e responder-lhe coerentemente. Mas quero ainda enfrentar decididamente um ponto que, hoje, como ontem, é largamente descurado: existe também uma ecologia do homem. Também o homem possui uma natureza, que deve respeitar e não pode manipular como lhe apetece. O homem não é apenas uma liberdade que se cria por si própria. O homem não se cria a si mesmo. Ele é espírito e vontade, mas é também natureza, e a sua vontade é justa quando ele escuta a natureza, respeita-a e quando se aceita a si mesmo por aquilo que é e que não se criou por si mesmo. Assim mesmo, e só assim, é que se realiza a verdadeira liberdade humana”. Critica-se assim a monocultura agrária e de espírito em via. A Biodiversidade dentro do ecossistema humano e natural pressupõe uma dimensão não só horizontal mas também vertical; pressupõe um horizonte aberto a tudo e a todos numa consciência da lei da complementaridade a nível de ecossistemas naturais, culturais, ideológicos e o respeito de uns pelos outros. A terra é de todos e de tudo; todos somos terra e nos tornamos terra. O ambientalismo sério começa cá por casa, por cada um de nós (mudança de hábitos de consumo, de alimentação; um motivo de cada pessoa e não apenas de sistemas a afirmarem-se uns contra os outros. Não é preciso seguir a bandeira dum ecossocialismo nem dum ecocapitalismo. Os dois não apontam para a solução; fazem uso duma filosofia do contra em benefício da própria clientela não querendo, na discussão, aplicar a lei da complementaridade, que reina na natureza, ao relacionamento da vida social e ideológica: o que se reconhece no ecossistema natural nega-se no ecossistema cultural e na relação das ideologias umas com as outras. O neoliberalismo domina tanto os estados capitalistas como os socialistas. É cómodo encostar-se ao socialismo ou ao capitalismo quando a solução do problema terá de começar pela mudança de mentalidades das pessoas e por uma consciência da complementaridade das estruturas, todas elas deficitárias e até agora manipuladoras da cultura e das suas clientelas. Não chega pintar de verde as fachadas das nossas fábricas e das nossas ideologias. Muitos ouvem o alarme da natureza e o protesto de muitas pessoas e aproveitam-se da ingenuidade ou egoísmo de pessoas para melhor fazer o seu negócio, a propaganda da sua organização contra outras (na continuidade do mesmo espírito que levou à exploração da natureza: divide e impera). A solução não virá de ideologias mas duma luta supra-ideológica, dum movimento dos movimentos que está por nascer. É possível um novo mundo, a mudança da civilização. O comércio tem vivido dum mundo fragmentado e da tentativa de mecanizar/automatizar a pessoa em contínua corrida sem segurança. A ganância do lucro e o oportunismo impedem uma revisão equilibrada dos sistemas. A pessoa é reduzida a indivíduo e a mera força de trabalho, a mero produto. A ganância do lucro manterá a crise cultural, económica e ecológica da civilização. Não chega encontrar a causa do que se vê mas também a sua finalidade. É necessário desenvolver uma tecnologia da libertação, correspondente a uma nova consciência. A natureza é rica, pobre é o espírito duma economia e tecnologia explorador. O crescimento económico justo e o desenvolvimento social pressupõem uma sintonia no respeito pela natureza e pela dignidade humana. Os países ricos enriqueceram no desrespeito da natureza e na destruição dos biótopos em favor das monoculturas. Os países em via de desenvolvimento são tentados a seguir este mau exemplo. No Brasil entre outras organizações que se levantam contra a destruição da natureza, os bispos brasileiros têm-se insurgido contra a destruição da natureza que mata 100 pessoas por ano e leva a população rural a fugir para as cidades. A comunidade mundial terá de se tornar solidária com estas populações insurgindo-se contra a destruição de biótopos e ecossistemas naturais destas regiões. O sistema económico que actua a nível global chegou com o seu latim ao fim. Provocou um desequilíbrio entre meio ambiente e produção, entre emprego e desemprego, entre rico e pobre. Bento XVI diz que o desastre que se observa na terra e na sociedade é consequência do desastre espiritual e cultural humano. A terra apenas se deixa contagiar pela doença do Homem. A natureza é parte de nós e nela encontramos o outro. Já antes tinha chamado a atenção para a necessidade de mudança de mentalidade no sentido de Francisco de Assis, afirmando: “É fascinante em Francisco a sua rejeição resoluta ao mundo de bens e o seu amor não afectado pela criação, pelos pássaros, pelos peixes, pelo fogo, pela água, pela terra. Ele aparece como o padroeiro dos ecologistas, como o líder do protesto contra uma ideologia que se concentra apenas na produção e crescimento, como o advogado da vida simples.” Francisco queria o jardim Terra não só como lugar para a agricultura para animais de pecuária mas para todos os seres, para os irmãos “as flores do campo e os lírios do vale” (Cant2,1), queria a natureza como lugar para toda a criatura poder viver em irmandade desde o “irmão burro” às “ irmãs flores”. E Bento XVI complementa: “O respeito para com as pessoas e o respeito para com a natureza pertencem juntos, mas ambos só podem prosperar e, finalmente, encontrar o seu nível, se respeitarmos o criador e sua criação nas pessoas e na natureza.” Dignidade humana e da Natureza em relação de interdependência Em comunhão de alma com a natureza, na qual corre a mesma seiva/sangue e se manifestam as mesmas diferenças como na sociedade humana, estamos chamados a fazer brilhar nela também o nosso sol, o sol do amor. Com o manto verde das suas plantas, a natureza alimenta o nosso respirar oferecendo-nos o oxigénio e juntando o seu respirar ao nosso. Também nós temos algo para lhe dar: o manto do espírito. Deus criou a natura e o homem criou a cultura, para, em conjunto, colaborarem no projecto do mistério a caminho. A força do sol e do vento com a ajuda da água conseguiram fazer da rocha dura campos férteis e fecundos. Nós pelo contrário, com a alma em erosão, estamos a contribuir para a desertificação da alma humana e do mundo. A natureza sofre enquanto o Homem não arredar caminho. A maneira como tratamos os animais é pior que a atitude de Caim contra seu irmão, representante duma outra cultura. Da fé num Deus criador e pai surgiu a ideia da dignidade humana e dos direitos humanos. Do mesmo princípio se deixa deduzir o respeito por todas as criaturas, pela natureza inteira, obra do mesmo criador. O Papa não se cansava de repetir “onde Deus está, lá está futuro”. Por isso precisamos dum dia santo para a natureza e não apenas dum feriado dela. Temos vivido do que se tem roubado à dignidade humana e aos animais, encontrando-se agora a natureza inteira a sofrer. A Bíblia quer que também os animais tenham um dia santo, ao afirmar que também eles não devem trabalhar ao sábado e também a terra precisa dum ano sabático. A civilização tem atraiçoado a natureza ao degradar o Homem para objecto de produção e consumo amarrando-o à fábrica e ao shopping. O espírito que tem dominado a exploração do Homem pelo homem domina na exploração da natureza pelo Homem. Ao profanarmos o Homem profanamos a natureza também. Os animais encontram-se encurralados em campos de concentração indignos do homem e do animal. É-lhes roubado o seu espaço vital como se também eles não tivessem direito a um ambiente digno. A terra é mãe de todos. As plantas não cortaram o cordão umbilical com ela mas sofrem as consequências da depravação humana; o animal homem, seu filho pródigo, esquece que ela é não só sua substância mas seu chão também. Nela saltitam as nossas paixões e voam sonhos como andorinhas. Meus pensamentos não são mais que seus pássaros a voar. Como eu, também a planta, o animal, a raiz tem seus sonhos, a sua esperança. O Homem continua a violar a fecundidade da terra e depois admira-se que ela reaja magoada. Na teologia da trindade e encarnação podemos encontrar um modelo de pensamento e acção que transcende a objectivação de tudo o que é ser para os integrar na sua relação complementar. Assim espírito e matéria unem-se num processo actual e teleológico, o espírito torna-se terra para nela se divinizar e ressuscitar. Como a natura segue a orientação do Sol assim a cultura terá de descobrir o seu sentido a caminho da transcendência. Teilhard de Chardin fala do percurso do Alfa para o Omega e do Cristo cósmico que resume o caminho e a aspiração da natureza e do Homem. Há várias portas de acesso à Realidade, possibilitando cada qual uma panorâmica diferente da mesma: a natureza, a fé, a razão. Quanto mais abertura e mais chaves tivermos mais larga será a panorâmica da nossa visão. António da Cunha Duarte Justo Teólogo e Pedagogo antoniocunhajusto@googlemail.com www.antonio-justo

sexta-feira, 7 de outubro de 2011

Visita Papal - Um Ponto alto da Razão e da Fé - ECUMENISMO

ECUMENISMO – CATÓLICOS E EVANGÉLICOS António Justo Na discussão pública que precedeu a visita do Papa, o país de Lutero discutiu profundamente o que Bento XVI teria que mudar. Criou-se uma espectativa que ele traria uma “oferta” (reformas) no sentido duma protestantização da Igreja Católica. Temas como celibato, sacerdócio da mulher, comunhão, democratização das estruturas eclesiásticas, o abuso de menores, foram discutidos até à exaustão, principalmente por aqueles que não vão à Igreja e mantêm uma atitude anticatólica (revista Spiegel e outras). Também surgiram discussões sérias sobre necessidades de mudança. Criaram-se espectativas irrealistas porque estes problemas são assuntos de discussão a realizar no seio da Igreja. Além disso a Alemanha não é o lugar propício para proclamações papais. A discussão unira não só os críticos mas sobretudo os guerreiros ressentidos e intolerantes contra o Papa. O teólogo Hans Küng tem defendido a formação duma “Coligação de teólogos, sacerdotes, leigos com bispos reformistas” esquecendo que na Igreja católica, orientada muito embora pelas cúpulas, as mudanças foram sempre provocadas pela base. Escreveu aos 5.000 bispos católicos do mundo mas não teve sequer uma resposta. Naturalmente que a Igreja “sempre reformanda” precisa de contínuo aferimento ao mundo envolvente, sem medo, mas sem obedecer ao espírito do tempo nem a critérios meramente burocráticos. Os irmãos evangélicos já exercitam, em excesso, esse compromisso e não se nota que descrentes e católicos se tornem protestantes. Certamente são necessárias mudanças responsáveis, motivadas pela fé e pela misericórdia (1). Facto é que os modelos de Cristianismo praticados pelas comunidades irmãs não se têm tornado em estímulos de mudança para a Igreja Católica de Bento XVI. O modelo protestante não convence à mudança do modelo católico porque apesar da adaptação evangélica aos movimentos seculares com democracia, pastores casados, ordenação de mulheres, pastores homossexuais, as suas igrejas ainda se encontram mais vazias que as católicas e a filosofia cristã não encontra maior ressonância no povo que nas zonas católicas, pelo contrário. Também por isto, o Papa não aceita mudanças no sentido duma protestantização do catolicismo nem que se reduza a discussão ao restrito ponto da moral sexual (2). O modelo de Igreja imperial como a anglicana (Commonwealth) também não convence pelo facto de não preservar a unidade de direito e doutrina. A Igreja ortodoxa russa parece demasiadamente comprometida com o poder político. Por outro lado, a região muçulmana com o seu rigorismo na moral sexual também não constitui um estímulo à mudança. Pelo contrário, a Igreja ortodoxa e o islão não sofrem das adversidades da modernidade pelo facto de se não terem aberto a ela, constatam muitos católicos. Tudo isto, aliado a uma campanha secularista contra o Catolicismo não estimula Bento XVI a fomentar determinadas posições modernas do Vaticano II. Pelo contrário, passou a usar de novo a tiara no sentido da tradição antiga (símbolo do poder pastoral, sacerdotal e do magistério), possibilitou também a liturgia tridentina (nesta o padre celebra, em latim, para o povo e na pós-conciliar o povo celebra com o padre). Nesta fase da história o papa vê mais a necessidade de afirmar a igreja petrina esperando contudo que a mudança venha da fé. Com a visita papal as ondas negras apaziguaram-se tendo-se ela revelado como ponto alto da razão e da fé, deixando os próprios críticos perplexos. Estes, embora insatisfeitos no que respeita às espectativas de reforma, manifestaram apreciação pelo que Bento XVI disse e fizeram referência à importância duma reflexão profunda sobre as suas palavras. Bento XVI não abordou nenhum tema conflituoso. Concentrou-se nos fundamentos espirituais da igreja e da sociedade. Mostrou-se abalado pelos “escândalos na Igreja que escondem o escândalo da fé da morte de Cristo na cruz”. Quanto aos protestantes, o Papa manifestou-se muito cordial; para além dos gestos simbólicos, mantiveram-se as diferenças. De facto, enquanto o protestantismo tem mais a ver com palavras e conceitos, o catolicismo tem mais a ver com imagens e mística. São ecossistemas sociais e geográficos diferentes. A Igreja Católica caracteriza-se por um pensar não tão elitista, mais global e universal, sentindo-se responsável tanto pelo hemisfério norte como pelo hemisfério sul, não se sentindo vocacionada a impor a visão do norte ao sul e menos ainda a visão duma igreja particular (alemã), como pretendem correntes teológicas europeias. A Igreja Católica sente-se chamada a ser mais o ecossistema da biosfera do que um biótopo. Uma reforma da Igreja obedece a outros critérios que não a critérios políticos ou administrativos. O Papa respondeu indirectamente que igrejas não são grémios políticos. O barulho dos reformadores não deve esconder a falta de fé nem tão-pouco a pressão social de ser como os outros. No diálogo não se trata apenas de razão e de interesses mas de razão e de fé. Questões de fé não são negociáveis. “A fé dos cristãos não se baseia numa ponderação das nossas vantagens ou desvantagens”. Enquanto se manifesta, na sociedade civil, uma tendência para fomentar o centralismo das nações europeias na União Europeia, e a expansão do globalismo, observa-se, por outro lado, uma crítica impiedosa ao centralismo do vaticano, a única comunidade global existente. Tenta-se responsabilizar o Papa não só pelo que ele deixa de fazer mas pelas consequências da secularização e dum modernismo “bastardo”. Com uma avaliação monocausal e tendenciosa, pessoas e correntes movidas apenas pelo imediato do fenomenológico atribuem a crise ao sistema romano procurando a solução apenas na remodelação do único sistema que se afirma como eixo e paradigma universal. A questão é fundamentalmente um problema de fé e de falta de identidade. No encontro ecuménico, em Erfurt, Bento XVI advertiu: “O pensamento de Lutero, a sua espiritualidade inteira era totalmente cristocêntrica. Para Lutero, o critério hermenêutico decisivo na interpretação da Sagrada Escritura era «aquilo que promove Cristo». Mas isto pressupõe que Cristo seja o centro da nossa espiritualidade e que o amor por Ele, o viver juntamente com Ele, oriente a nossa vida.” “Esta constitui uma tarefa ecuménica central. Nisto deveríamos ajudar-nos mutuamente: a crer de modo mais profundo e vivo.“ A secularização tem feito de muitos pastores e teólogos meros assistentes sociais, ou até triviais bombeiros reparadores duma sociedade de incendiários que vão da economia até à ciência e à cultura. O ecumenismo não se pode limitar à discussão sobre reformas estruturais, o problema de hoje é um problema de identidade e de vivência. De resto, já o Mestre de Nazaré dizia: “Na minha casa há muitas mansões”. O Pontífice mostra-se preocupado: “Não serão as tácticas a salvar-nos, a salvar o cristianismo, mas uma fé repensada e vivida de modo novo, através da qual Cristo, e com Ele o Deus vivo, entre neste nosso mundo… A unidade fundamental consiste no facto de acreditarmos em Deus, Pai omnipotente, Criador do céu e da terra; de O confessarmos como Deus trinitário – Pai, Filho e Espírito Santo. A unidade suprema não é solidão duma mónada, mas unidade através do amor. Acreditamos em Deus, no Deus concreto. Acreditamos no facto que Deus nos falou e Se fez um de nós. Dar testemunho deste Deus vivo é a nossa tarefa comum no momento actual.” “Mas a fé dos cristãos não se baseia numa ponderação das nossas vantagens e desvantagens”. “Uma fé construída por nós próprios não tem valor. A fé não é algo que nós esquadrinhamos ou concordamos. É o fundamento sobre o qual vivemos. A unidade não cresce através da ponderação de vantagens e desvantagens, mas só graças a uma penetração cada vez mais profunda na fé mediante o pensamento e a vida”. “Porventura não está o mundo a ser devastado pela corrupção dos grandes, mas também dos pequenos, que pensam apenas na própria vantagem?Realça a importância de se acentuar no ecumenismo aquilo que une na fé os católicos e os evangélicos. “A coisa mais necessária para o ecumenismo é primariamente que, sob a pressão da secularização, não percamos, quase sem dar por isso, as grandes coisas que temos em comum, que por si mesmas nos tornam cristãos e que nos ficaram como dom e tarefa. O erro do período confessional foi ter visto, na maior parte das coisas, apenas aquilo que separa, e não ter percebido de modo existencial o que temos em comum nas grandes directrizes da Sagrada Escritura e nas profissões de fé do cristianismo antigo.“ “ Porventura será preciso ceder à pressão da secularização, tornar-se moderno através duma mitigação da fé? Naturalmente, a fé deve ser repensada e sobretudo vivida hoje de um modo novo, para se tornar uma realidade que pertença ao presente. Para isso ajuda não a mitigação da fé, mas somente o vivê-la integralmente no nosso hoje. Esta constitui uma tarefa ecuménica central.“ Sim, doutro modo o catolicismo para ser moderno teria que andar sempre a correr atrás do protestantismo e este sentir-se-ia sempre na dianteira com a exigência de que o catolicismo se mude na sua direcção. “Se o olhar se fixa nas realidades negativas, então nunca mais se desvenda o grande e profundo mistério da Igreja”. Alude também à perplexidade de confissões históricas perante novas formas de cristianismo, muito dinâmicas mas “ por vezes preocupantes nas suas formas” tratando-se frequentemente de “um cristianismo de escassa densidade institucional, com pouca bagagem racional, sendo ainda menor a bagagem dogmática, e também com pouca estabilidade. Este fenómeno mundial põe-nos a todos perante esta questão: Que tem a dizer-nos de positivo e de negativo esta nova forma de cristianismo? “ “Em certo sentido, a história vem em ajuda da Igreja com as diversas épocas de secularização, que contribuíram de modo essencial para a sua purificação e reforma interior. De facto, as secularizações (expropriação de bens da Igreja, cancelamento de privilégios, etc.) – sempre significaram uma profunda libertação da Igreja de formas de mundanidade: despojava-se, por assim dizer, da sua riqueza terrena e voltava a abraçar plenamente a sua pobreza terrena”. Falando da Igreja, o Pontífice recorda: «Eu sou a videira verdadeira»: isto na realidade, porém, significa: «Eu sou vós, e vós sois Eu» - uma identificação inaudita do Senhor connosco, a sua Igreja….” É consolador ler-se esta frase dum pontífice que é não só o grande intelectual/teólogo da época moderna mas também um místico. Nestas palavras por ele ditas pode sentir-se o surgir duma nova teologia que consegue passar do diálogo grego para o triálogo cristão. Nas liturgias que celebrou na Alemanha ele mostrou que é possível juntar intelecto e devoção a ponto de transformar eventos de muitos milhares de pessoas numa missa ou numa para-liturgia em momentos de alta devoção, de espírito recolhido e meditativo. Foi impressionante ver como milhares de pessoas se mantinham durante minutos em silêncio meditando nas palavras das suas homilias. O Papa aponta para a vida cristã solicitando uma visão lúcida da mesma. Sim, não tem sentido esforçar artificialmente uma união dos cristãos quando a diversidade também é uma oportunidade de satisfazer diferentes rescritos de personalidade e de salvação. Os cristãos das diferentes mansões são irmãos e devem-se respeitar uns aos outros complementando-se. Quem critica por criticar ou julga com ressentimento/fanatismo não percebeu nada de cristianismo e menos ainda de fé cristã. ” Sei que muito se faz, da parte dos alemães e da Alemanha, para tornar possível a toda a humanidade uma vida digna do homem, e por isso quero aqui exprimir uma palavra de viva gratidão.” O Santo Padre admitiu que a Igreja da sua terra natal “está optimamente organizada”, mas criticou nela “um excedente das estruturas em relação ao Espírito”. Talvez pelo facto dela se encontrar demasiadamente preocupada com os protestantes e demasiadamente preocupada com teologia e menos com espiritualidade. Já há muito tempo o Vaticano vê com relutância o facto de nas zonas cristãs de língua alemã se exigir um imposto dos cristãos para a igreja. Também por isso, Bento XVI incita a Igreja alemã a comunicar do espírito alegre doutras regiões católicas. “A Igreja na Alemanha continuará a ser uma bênção para a comunidade católica mundial, se permanecer fielmente unida aos Sucessores de São Pedro e dos Apóstolos, se tiver a peito de variados modos a cooperação com os países de missão e se nisto se deixar «contagiar» pela alegria na fé das jovens Igrejas.” O serviço da Igreja além duma componente de competência objectiva e profissional “exige-se algo mais, ou seja, o coração aberto, que se deixa tocar pelo amor de Cristo, e deste modo é prestado ao próximo, que precisa de nós, mais do que um serviço técnico: o amor, no qual se torna visível no outro o Deus que ama, Cristo.” Admoesta os bispos e quem tem cargos a servir na humildade dizendo: «Jesus, que era de condição divina, não quis ter a exigência de ser posto ao nível de Deus. Antes, a Si próprio Se despojou, tomando a condição de escravo…» (Flp 2, 6-8). A Auto-realização é uma consequência duma tarefa e vivência e nunca um fim em si mesma. “Não é a auto-realização que opera o verdadeiro desenvolvimento da pessoa – um dado que hoje é proposto como modelo da vida moderna, mas que pode facilmente mudar-se numa forma de refinado egoísmo. Bento XVI já antes dizia: “faz-se uma espécie de terapia ocupacional; procura-se para cada qual um grémio ou pelo menos alguma actividade na Igreja… Não precisamos duma igreja mais humana, mas sim duma mais divina, então ela também será verdadeiramente humana.” O papa, afirma com os padres da Igreja: ”Deus fez-se Homem para que o Homem seja divinizado”. „Não são as palavras que contam, mas o agir, os actos de conversão e de fé…. Agnósticos que, por causa da questão de Deus, não encontram paz e pessoas que sofrem por causa dos seus pecados e sentem desejo dum coração puro estão mais perto do Reino de Deus de quanto o estejam os fiéis rotineiros, que na Igreja já só conseguem ver o aparato sem que o seu coração seja tocado por isto: pela fé.” Expressou também o sofrimento dos cristãos que são hoje os mais perseguidos e intolerados no mundo: “Às vezes sentimo-nos como que sob uma prensa, à semelhança dos cachos de uva que são completamente esmagados. Mas sabemos que, unidos a Cristo, nos tornamos vinho generoso”. Uma sociedade extremamente masculina que impôs a masculinidade também à mulher revela-se especialmente agressiva contra uma igreja onde a feminidade é guardada a nível de fé. O momento histórico que momentaneamente se atravessa não é o mais propício a reformas profundas. O Papa aposta primeiro na reforma das mentalidades, na vivência da fé e critica os dignitários que não se guiam pelo espírito de serviço e amor. Se a terra precisa do seu húmus também a comunidade precisa do seu húmus e este é a humildade. Bento XVI explica: “a humildade é uma virtude que no mundo de hoje e, de modo geral, de todos os tempos, não goza de grande estima. Mas os discípulos do Senhor sabem que esta virtude é, por assim dizer, o óleo que torna fecundos os processos de diálogo, possível a colaboração e cordial a unidade. Humilitas, a palavra latina donde deriva «humildade», tem a ver com humus, isto é, com a aderência à terra, à realidade. As pessoas humildes vivem com ambos os pés na terra; mas sobretudo escutam Cristo, a Palavra de Deus, que ininterruptamente renova a Igreja e cada um dos seus membros.” Apesar de todas as tempestades da história, a barca de Pedro tem-se mantido firme sobre as ondas do tempo e revela-se como a garante da continuidade desde os primórdios do cristianismo até á actualidade. Há que ser optimista e viver a alegria! António da Cunha Duarte Justo Teólogo e Pedagogo antoniocunhajusto@googlemail.com www.antonio-justo.eu (1) É verdade que o Papa funciona como uma espécie de constituição ou como o tribunal constitucional da Igreja. A sua preocupação não é muitas vezes a do padre que trabalha in loco. Aqui dá-se o encontro do pastor com a consciência individual pressupondo-se compromissos (casuística) que a nível de constituição não estão previstos (comunhão a separados, preservativo, não podendo tratar todos os divorciados da mesma maneira. Há muitos que sofrem sob o amor quebrado). A misericórdia é um característico cristão que abre muitas perspectivas pastorais. (2) Apenas um reparo sobre a hipocrisia do mundo: os pares querem fidelidade sexual e acham mal que o papa a exija. Críticos acusam o Papa de ser monarca ao escolher os seus ministros e aceitam como natural em democracia que o primeiro-ministro escolha os seus ministros. O discurso público não conhece a sabedoria cristã, apenas a sua moral ou os seus aspectos folclóricos. Para mais a sexualidade é um pequeno ponto entre muitos outros. As pessoas perdem-se nas proibições.