quinta-feira, 15 de setembro de 2011

Mística – O Futuro da Religião e da Sociedade


A religiosidade cada vez se autonomiza mais numa necessidade de diferenciação mais individualizada. O mesmo se dá na política. Esta, como a religião, está demasiado preocupada consigo mesma para poder notar as verdadeiras necessidades do povo. O que neste artigo refiro a respeito da religião pode-se aplicar às instituições políticas.

Na Alemanha a percentagem de pessoas que se declaram religiosas corresponde à percentagem de votantes nas eleições para o parlamento; isto não quer dizer que as pessoas que votam são as mesmas que se declaram religiosas. Seria interessante uma investigação nesse sentido.

À secularização segue-se a individualização.
As pessoas manifestam diversas necessidades de salvação a que correspondem diferentes necessidades espirituais implicando diferentes espiritualidades e diferentes práticas..

O acesso ao religioso pode dar-se de forma cognitiva ou experimental. Nas espiritualidades mais que o acto cognitivo religioso predomina o dado experimental, a experiência religiosa, com carácter específico pessoal. No mundo católico conhecem-se várias espiritualidades: salesiana, jesuíta, dominicana, franciscana, beneditina e outras. Estas porém andam ligadas geralmente a ordens e congregações com um público reduzido. As paróquias, duma maneira geral, não estão preparadas para responder a muitas das necessidades espirituais mais individualizadas das pessoas. Limitam-se a oferecer serviços litúrgicos indiferenciados para a generalidade. As instituições estão mais preocupadas com a ocupação de lugares e funções à margem dos destinatários.

De momento observa-se na sociedade uma grande procura de espiritualidades, novas formas de ser e de estar, emancipadas das instituições que até agora possuíam o monopólio da organização e da responsabilidade. A consciência humana pretende dar um passo em frente no seu desenvolvimento. As instituições terão de se humanizar não chegando continuar a justificar-se pelo seu fim em si. Doutro modo carregarão sobre si mesmas a responsabilidade de se tornarem elas mesmas em impedimento do desenvolvimento individual! O anonimato económico, social e estrutural tornou-se de tal modo insuportável que, se as instituições estabelecidas não se preocuparem em dar verdadeiras respostas ao homem todo, no respeito efectivo pela sua dignidade, provocará comportamentos insuportáveis.

Ao non sens da nossa vida civil corresponde maior procura de valores perenes e o surgir de novos indicadores de religiosidade. Não é suficiente o aspecto cognitivo da religião -a abordagem racional, o aspecto da experiência - o aspecto vivencial, manifesta exigências duma religiosidade mais diversificada. Esta expressa-se nuns como um “sentimento da presença de Deus”, noutros como o”sentir um poder sagrado na natureza”, noutros como “o sentimento de que defuntos estão presentes”, noutros ainda como a “vivência da unidade” ou como “uma relação pessoal com Deus”, etc.

Por todo o lado se assiste a uma privatização da religião acompanhada da sua desinstitucionalização. O mesmo processo se dá na política. O teólogo Karl Rahner afirma mesmo:”O devoto de amanhã será um místico.”. A religião é cada vez menos transmitida, menos experimentada directamente e por isso menos presente. A complexidade quer da religião cristã quer da política cada vez se distanciam mais do povo devido à sua incapacidade de ser povo, de ser eu-tu-nós e ao facto do povo não ter hipótese de compreender fenómenos complexos e de cada vez estar mais condicionado pela TV que fomenta a opinião sem noção, uma atitude infantil contra o saber, um subjectivismo analfabeto. Se no século passado terá dominado em alguns meios o aspecto folclórico de Fátima, futebol e fado hoje torna-se cada vez mais digno de salão o espírito plebeu duma Televisão cada vez mais mata tempo e distraccão vulgar.

A vivência religiosa através da experiência é diferente do sentimento religioso através da reflexão cognitiva. No futuro será mais importante a experiência da religiosidade. Aqui está mais presente a experiência do que o acto cognitivo. Naturalmente que na experiência religiosa não faltará o elemento objectivador da reflexão. Este porém não se pode identificar com a experiência mística. A reflexão manca sempre atrás da experiência mística. O aspecto cognitivo a que a pessoa religiosa se encosta, o tipo de espiritualidade, pode constituir uma espécie de crivo. No âmbito cristão diria mesmo que aí a experiência mística ganha um chão possibilitador da individualidade e do nós, tal como na fórmula trinitária cristã.

Neste sentido, as congregações e ordens religiosas terão de fazer um esforço por tornar mais transparente e imediata uma espiritualidade que, através da sua forma de vida conventual conduz lentamente à experiência mística. Hoje essas jóias escondidas nas ordens terão que ser manufacturadas de tal forma a serem apreciadas por um tipo de ser humano apressado e que não suporta muito tempo de preparação, de ascética ou catarsis, dado querer chegar logo ao essencial, à vivência fundamental. Naturalmente que os iniciados no religioso e no numinoso não poderão correr o perigo de, para democratizar tudo, arranjarem atalhos que poderiam levar a identificar uma experiência sentimental com a experiência mística. Esta implica que a pessoa passe pelo cadinho do grande deserto místico e não seja confundida com uma espécie de orgasmos duma mera experiência sentimental, ou dum acto cognitivo. Diria que a experiência mística se realiza para lá de todos os limites, tal como o númeno que o espírito concebe para lá do fenómeno, não o podendo expressar nem através do entendimento nem através da experiência.

Também a vivência mística é inexprimível, fica na evidência da própria experiência. O busílis da questão para os mais responsáveis estará em ter uma antena para as diferentes necessidades e consequentes espiritualidades e em criar ambientes na paróquia onde as diferentes necessidades se possam formar e tomar expressão em diferentes espiritualidades. A tarefa não será fácil dado que muitas pessoas conseguem compreender o religioso cognitivamente mas não o relacionam com uma experiência religiosa e vice-versa.

Hoje já não é a igreja a única transmissora de valores e de auxílio para a vida. Os meios de comunicação social assumem cada vez mais esta função. Dado que a nossa sociedade é dominada pela mentalidade utilitarista não é de esperar para ela muitos impulsos da Igreja ao contrário do que acontecia no passado. Hoje a sociedade deixa-se distrair com a excitação cíclica que os Media oferecem, assumindo eles ao mesmo tempo a função de cano de escape. O resultado será a escuta e a nova criatividade que se pressuporá para o novo tipo de instituição.

Da ordem dialéctica para a ordem mística
A Igreja terá de se preocupar mais com a sociedade e menos consigo mesma. Doutra forma cada vez dará menos impulsos à sociedade perdendo assim a sua relevância. A pessoa terá de deixar de ser considerada objecto para se tornar sujeito. O cristianismo iniciou a era do sujeito mas informando-a na ordem dialética platónico-aristotélica. Esta foi por assim dizer a era de Jesus. A nova era do cristianismo, o novo Natal, será menos religiosa mas mais cristã, nela se iniciará a ordem mística, a era do Cristo. Aqui o ser religioso realizará o encontro do Cristo no Jesus, o encontro do divino no humano. Os tempos já estão maduros para tal. Doutro modo a Igreja continuará a ocupar-se mais com a pedagogia do que com a Verdade, mais com o cognitivo do que com a experiência à semelhança dos professores que de tão preocupados com a pedagogia se esquecem dos conteúdos a transmitir. Ao persistirem em continuarem assim, transmitem a impressão aos externos de que religião é algo importante até um certo grau do desenvolvimento.


Hoje é visível e latente uma nova religiosidade que terá de ter resposta com novas iniciativas. Estas devem ser dirigidas especialmente à mulher. De facto a mulher está mais perto do integral, do global e por isso mesmo da mística. Como penso que neste novo século a mística ganhará maior espaço social, nele será muitíssimo importante a integração da feminidade. De facto, no século XXI a mulher porá o pé na porta da história não podendo esta fazer-se sem ela. Naturalmente que o novo espírito, já não dialético não se realizará na afirmação dos contrários, isto é a afirmacao do homem não pode acontecer à custa da mulher nem vice-versa. Já é tempo da Igreja Católica alargar a ordem do diaconato à mulher e o sacerdócio a pessoas casadas. Não se trata aqui de seguir o espírito do tempo mas de reconhecer os sinais dos tempos através dos quais o espírito fala..

Lentamente nota-se a necessidade de se reconhecer a dialéctica apenas como processo de abordar a realidade e não como a realidade em si. Trata-se de integrar a lei positiva e a lei natural. Já vai sendo tempo de se transcender a mentalidade polar, masculina não para o outro extremo polar da feminidade mas para a sua síntese num novo processo histórico e humano de realização e afirmação que seria o processo místico integral.

A reespiritualização da sociedade embora com um cunho feminino terá de ser na bipolaridade integrada, tornando-se mais feminina (consciente da sua bipolaridade masculina e feminina equilibradas) no que ela tem de intuição mística.

Os administradores externos do religioso em certos lugares já se esfregam as mãos ao verificarem que hoje as necessidades religiosas se tornam mais visíveis na sociedade, mesmo através de expressões laicas das mesmas. Isto é porém a reacção ao processo erosivo e mesmo ao descarrilamento em que se encontra a sociedade ocidental. A religião embora apática e desajustadamente reage contra a entropia.

A sociedade, tal como as instituições, continua a viver dos rendimentos, na inércia. A procura de religiosidade manifesta por muita gente é uma reacção de pessoas mais sensíveis aos sinais dos tempos que não pode ser mal-interpretada; ela é também contestação do status quo, é a afirmação da necessidade de metanóia das instituições e do processo de pensar. A nostalgia pela tradição, pelo testemunho são uma reacção, são primeiramente uma contestação ao mundo fútil, que humilha o ser humano reduzido-o a material utilizável.

De facto a consciência humana não aceita viver muito tempo na contingência do acaso. Este exagero provoca uma procura instintiva de Deus atendendo a que a essência da pessoa está condicionada à procura do sentido. O eterno problema: de donde vimos e para onde vamos? A marca indelével da chamada à presenciacao do espírito acompanha sempre a pessoa na propulsão do espírito contra o niilismo redutor. As paróquias não poderão esperar uma revitalização da religiosidade popular. O aspecto folclórico é importante, mas a nova consciência humana latente na ciência e na religião exigem um salto qualitativo nas mentalidades e no comportamento e actuações das instituições; é urgente uma nova mentalidade. Esta não suportará a criação dum tipo de padres caixeiros viajantes a correr de paróquia para paróquia. Não se pode permitir que padres se reduzam a bombeiros. Nesse activismo despersonalizar-se-iam e despersonalizariam as comunidades reduzindo-as a entidades formais e não viveiros de vida. O ser humano do novo século, do novo milénio merece mais. Precisam-se menos funcionários – coveiros. Há falta é de parteiras.

A nova exigência corresponde a uma nova espiritualidade, a uma espiritualidade cristã, mais mística e menos grega. O espírito grego, assumido com a igreja de Constantino já chegou ao extremo na sua polaridade. Agora espera-se o advento da igreja mística. Deus não se encontra só na bíblia ou na religião; ele manifesta-se em tudo e em todos.
António Justo
"Pegadas do Tempo"
2006-12-29
António da Cunha Duarte Justo

Curar é Santificar

O Poder da Ideia e do Espírito

António Justo

Em alemão a palavra curar tem a mesma raiz que a palavra santificar. Pressupõe uma relação dialógica íntima entre corpo e espírito. Ambos se encontram integrados numa realidade mais abrangente: a harmonia com as leis materiais e espirituais no confluir do finito como infinito. Para descobrir a causa do meu estado físico ou psíquico terei de descer ao meu interior porque lá se encontra a origem dos meus sofrimentos. Do mais íntimo de mim mesmo jorram as energias da vida. A impedi-las estão os nós provocados pelas intempéries da vida, pelo medo e pelas excitações.

Porque correr tanto à procura de fontanários, na tentativa de apagar a sede, de se curar, se a verdadeira fonte se encontra no nosso interior? Já Agostinho dizia: “Deus é-te mais íntimo do que tu mesmo”, e dele jorra a vida de que fazemos parte. Aí no encontro do divino com o humano surge a relação vital, o amor que tudo inebria. Daí jorra a santidade, o espírito que tudo vivifica e cura. O odor dos frutos, as cores das flores, o sorriso das pessoas são expressão do mesmo amor. Saúde é a harmonia da alma e do corpo mergulhados no meio divino: o oceano da ressonância do todo na vibração do nós. Neste estado mesmo os factores fomentadores de desarmonia podem ser reintegrados e purificados. Ao encontrarmos a nossa ipseidade, Deus, a vida, então tornamo-nos a sua chama, formando um todo: o eu e o tu tornam-se num nós. “Quando dois ou três se encontram em meu nome lá estou eu no meio deles”. A perspectiva da parte ao reconhecer-se na perspectiva do todo supera em si as barreiras da parte.

Doença é desarmonia, é desconhecimento, separação, é falta de vibração e de relação, é a vela sem chama. As doenças são gritos da alma à espera dum eco, dum fósforo que a acenda e crie a união. Este fósforo também pode ser uma esperança, uma oração, uma pessoa, um acontecimento, que provoque em mim um processo de abertura a mim mesmo e ao outro. Então a emoção, o sentimento de alegria produzirá no meu corpo os mesmos efeitos que o Sol provoca na natureza. A excitação exagerada pode provocar um sentimento de alívio momentâneo tal como a trovoada ou o furacão que passa; o problema são os estragos que deixa.

Se a alma sofre o corpo entra em compaixão com ela tornando fisiologicamente visíveis os sofrimentos interiores e as suas causas. Quando o sofrimento é grande precisamos dos outros, da comunidade para nos restabelecermos. Em cada um de nós se encontram mananciais de vida pura profunda à espera de serem mobilizados em nosso favor e em favor dos outros. Para isso é preciso olhar e ver também para dentro. A mente predispõe e a fé espiritual mobiliza o espírito. O pensamento e a fé são forças que nos transformam. Um pensamento aprofundado na meditação ou na oração espiritualiza-se.

Muitas moradas abertas e Xamanes esgotam-se ao tentar mobilizar as próprias forças da mente e do espírito para as transmitirem ao doente. A força curativa porém já está presente. A própria pessoa deve colocar-se em segundo plano procurando a harmonia do espírito e abrir-se à ressonância universal possibilitadora da transmissão da onda curativa. Não somos nós que curamos, é Deus que em nós cura e salva. Ao entrarmos numa relação íntima com a criação e com o criador aurimos então da profundeza do espírito comum, do nós, da força harmonizadora que nos dá acesso à fonte da santidade que possibilita a cura. A confiança no médico, no padre, no acompanhante e a atmosfera espiritual preparam o espírito do paciente para o circundar da energia curativa. Também a sugestão pode mobilizar as energias mais salutares desde que o paciente colabore e assim possibilite uma continuidade no processo de cura. “Não peques mais” e não deixes os outros pecar em ti! A esperança acompanhada dum espírito desanuviado é o melhor desinfectante, o melhor purgativo para o corpo e para a alma. Quem crê não está só!

Na ordem física o gelo exposto ao calor modifica-se. Também na ordem espiritual o contacto com o brilho do sol, escondido no nosso mais íntimo, possibilita a mudança de nós mesmos e o desatar dos nós que impedem o fluxo harmónico da energia vital universal. Tudo isto acontece sem esforço, para lá das nossas verdades, estereótipos e do nosso querer. Lá onde o eu descobre o nós trinitário, onde o nosso ser reza “tu e eu somos um”. Aí se estabelece o processo de cura e de salvação e se reconhece no Sol a força que dá energia a todo o ser e se vê, na sombra e na dor, apenas a ausência da luz.

O esvair do sol da tarde traz consigo o frio e a escuridão que nos impede de ver. O Sol da razão, por vezes é tão forte que nos impede de ver aquilo que mais de imediato nos rodeia. Também o sentimento chega a ser tão forte que impede de ver as coisas mais claras. A toupeira, que não sabe nada da luz, apenas sente o frio ou a escuridão da terra!... O ser aberto é guiado pelo coração iluminado, pela intuição. A cura pressupõe entrar no processo trinitário imbuindo o espírito e o corpo.

Também o sacramento dos enfermos terá que ter em conta as duas componentes, tal como era praxe nos primeiros cristãos. Para isso será necessária a força da ilusão e das ideias para entrar na força do espírito, para lá do espaço e do tempo. A verdade é que cura. Não há explicações físicas da medicina para o placebo, além dos problemas de explicação para o efeito da homeopatia além dos problemas da dor criada e da dor querida. A fé, imbuída numa atitude de esperança, influencia o processo da cura. Luc 18, 42:”A tua fé te salvou”. O efeito “nocebo” também produz o contrário da cura, uma fé negativa, ou a desesperança.

Naturalmente que seria perigoso tentar explicar o mal, ou a doença duma forma mono-causal ou com uma solução simplicista. Cada um acarreta não só com a responsabilidade própria mas também com a da espécie. É importante fortalecer-se o espírito para que o infecto não se alije na mente. A fé não pode ser tomada apenas como medicamento. Trata-se de não se deixar subjugar pelas ideias negativas (ideias micróbios), pela inércia, pela mediação nem pelo medo. O cérebro domina o corpo e condiciona o espírito. A cura depende duma observação exacta do estado e consciência da pessoa englobando as suas circunstâncias corporais, mentais, espirituais e sociais. A irradiação do curandeiro pode ajudar a acordar a fé curativa, a mover as energias positivas. A cura depende duma observação exacta do estado e consciência da pessoa, onde se encontra a doença e os sintomas. O mediador terá de estar preparado para corresponder à consciência e deixar-se conduzir pelo espírito que intuitivamente agirá.

Os sistemas encobrem a verdade materializando-a. A verdade é como a luz do amanhecer que vai arrumando a treva, a escuridão. Esta vê-se na dor, na falsidade, no sofrimento, na miséria.

Na oração o orador procura a verdade viva numa tentativa de afastar da realidade o manto da ausência de Deus, manto esse que, por vezes, encobre as coisas.

No processo da cura é fundamental a criação dum estado de espírito aberto ao espiritual, latente em tudo e em todos. Não se tratará de usar dum poder duma pessoa ou instituição mas de se descobrir na comunhão e em comunidade a força do carinho que nos envolve. Uns falam da força da fé, outros dum magnetismo ou fluido que no fundo tem tudo a ver com a influenciação recíproca de corpo e espírito.

A excitação da faculdade imaginativa, bem como os ritos podem criar uma predisposição para mover a força do espírito, para a entrega nele. Não se trata de curar através duma crença mas de se tornar Emanuel. Então entraremos numa consciência de tudo abençoar, de tudo perdoar. Aí o fluxo da energia divina, o fluxo do amor envolve-nos, inebria-nos e o processo curativo e santificador inicia-se. Neste estado, a causa da doença desaparece. Pressuposto para a cura do corpo é a saúde do espírito.

As nossas ideias e sentimentos têm a sua quota-parte tanto no envenenamento do corpo e a alma como na sua purificação. As nossas ideias são as sombras do espírito pelo que no exercício da cura teremos que procurar transformá-las para entrar na ressonância com o espírito. O texto, a letra matam, revelando apenas a sombra da ideia, do espírito.

Numa linguagem um pouco estática poderíamos dizer que a matéria é a sombra do espírito ou a sua ausência, numa vivência dinâmica diríamos que o espírito é a outro lado da matéria. Há uma unidade essencial entre espírito e matéria já reconhecida no mistério da Trindade. Deus é vida, amor, verdade, corpo, alma e espírito. Na incarnação o Homem enche-se de Deus.

A moral consciente, o amor ao próximo, a humanidade, a esperança envolvida são os luzeiros a alumiar o caminho da alma. No falar se manifestam metáforas do espírito, da realidade. O espírito pentecostal transforma a palavra em Jesus Cristo. Verdade é acontecimento. Tal como o sol é o centro no qual se orientam e descansam todos os seus planetas, também no ser humano o seu centro estabilizador é a alma, o espírito. Assim se conseguirá ultrapassar os limites do parecer da matéria e entrar na harmonia do ser, na ressonância do espírito. Neste sentido terá de ser feito um esforço por integrar a ciência espiritual com a ciência material, para que a fé material não destrua a fé espiritual nem vice-versa. Assim como antes da acção está a ideia, antes do físico está o espírito.

Ao magnetismo do amor que tudo vivifica corresponde o magnetismo da coesão das coisas que num equilíbrio de força centrípeta e centrífuga dá coesão às coisas. Só o amor, o espírito subsiste por si e resplandece energia; o resto é sombra. Com efeito, o espírito alonga a vista e o horizonte sem negar a matéria, tornando-a apenas transparente. Entrar na harmonia divina significa actualizar a força, a natureza de Cristo e nessa tenção curar com o amor divino na procura do verdadeiro ser. O caminho, a órbita da vida é amor. “Ide por todo o mundo e anunciai a Boa Nova, curai os doentes e amai o vosso próximo como a vós mesmos”, dizia o Mestre de Nazaré. Trata-se de clarear o espírito para que este transforme a natureza.

Precisa-se duma cultura sã imbuída do amor que, como o fogo, transforma mesmo o ferro mais duro. Onde não há amor domina a violência ou a entropia. Até a hormona amígdala premeia o hábito mesmo que este seja doloroso. Toda a fixação é contra a vida: o físico quer satisfação e a alma aspira a perfeição. Habituados ao ser da noite apreendida como sendo a realidade, já não notamos a ausência da luz. A noite é apenas a ausência de luz. O espírito terá de prevalecer sobre o corpo porque pelo espírito é que tomamos parte na eternidade. “Já não sou eu que vivo é Deus que vive em mim”, constatava Paulo.

António da Cunha Duarte Justo

INTOLERÂNCIA NA TURQUIA


Resultado dum Estudo sobre a Sociedade Turca

Turquia quer entrar na União Europeia mas não tolera Cristãos no País

António Justo
Os resultados duma investigação apoiada pela EU e feita por um instituto turco sobre a tolerância na Turquia são assustadores. Segundo este estudo representativo, agora publicado, 35% dos cidadãos turcos não aceitam ter na vizinhança cristãos; 42% recusam um judeu como vizinho, 20% não querem estrangeiros como vizinhos e 57% não aceitam ateus como vizinhos.

Muitos turcos não suportam membros de minorias no aparelho do estado. De facto para se impedir o acesso a tais postos a lei já prevê para os cristãos um número código que os identifica como tais no próprio Bilhete de Identidade*. Até médicos não muçulmanos provocam suspeita.

Prática hegemónica – Uma Estratégia gratificante

A filosofia da indivisibilidade do Islão é aplicada, na Turquia, ao Estado. Pluralismo é visto como algo ameaçador da unidade. O Islão ortodoxo considera o que não é islâmico, como “terra do inimigo” e consequentemente está muito atento ao “inimigo de dentro”. Nacionalismo e religião muçulmana são as duas faces da mesma moeda. Assim se pode compreender que duma Turquia de 25% de cristãos no princípio do século XX, se passasse a uma Turquia onde os cristãos se encontram reduzidos a uma insignificância quantificável já não em termos de por cento mas de por mil. Isto numa região de raízes judaico-cristãs. Esta praxis hegemónica revela-se como a melhor estratégia de colonização interna e externa do século XX e XXI.

Cidadãos não muçulmanos não são de confiar, apenas 15% dos inquiridos reconhecem cristãos e judeus como cidadãos leais.

Três de quatro turcos inquiridos dizem que não sabem nada sobre cristãos e judeus. Também a ignorância fomenta o preconceito!

A Turquia pressiona a Europa para entrar nela. De facto já consegui muito potencial de pressão através das suas comunidades gueto na Europa. A hegemonia interna turca revela-se nas comunidades turcas que se reagrupam no estrangeiro em comunidades gueto em torno da mesquita.

Fora prega-se a harmonia das culturas e dentro pratica-se a intolerância. Fora exigem tolerância e abertura mas fecham-se hermeticamente. Esta estratégia é premiada por uma política Europeia que usa dois pesos e duas medidas. A nível interno de cidadãos fomenta a descoesão religiosa e cultural e no seio dos seus imigrados fomenta a formação de guetos. A falta duma política da tolerância inter-cultural internacional, acompanhada da formação de guetos religiosos muçulmanos acordará, com o tempo, sentimentos de xenofobismo latentes em cada pessoa e em cada grupo.

As conversações de adesão da Turquia à União Europeia deveriam ser adiadas até ao momento em que tendências hegemónicas deixem de ser prática sub-reptícia. O Tratado de Lisboa da EU daria à Turquia um lugar preponderante na Europa atendendo a que seria o país com maior número populacional do grupo.

Há que transformar a todos os níveis, em todos os grupos e em todas as nações, a dificuldade das diferencas numa riqueza. Doutro modo a era das guerras de crenças políticas e religiosas não se poderá considerada ultrapassada.

Se é verdade que com vinagre não se apanham moscas, também é certo que com ele se temperam boas saladas!...

António da Cunha Duarte Justo
antoniocunhajusto@googlemail.com


*Naturalmente que as pessoas crentes, seja qual for a sua cor, são boas e inocentes; o problema põe-se a nível de sistemas que as orientam!

A Idade Média árabe é incompatível com revoluções

Oriente contra Ocidente António Justo As revoluções estão, historicamente, condenadas ao fracasso ou a serem ultrapassadas. A religião permanece. Por isso os revolucionários secularistas/marxistas unem-se agora ao islamismo na sua luta contra o capitalismo e contra o Ocidente. A melhor maneira de prolongar o sistema comunista é torná-lo religioso. Por isso muita gente da esquerda se vira para Meca. Muitos niilistas verificando que Deus não morreu procuram servir-se agora de Alá. O problema não está tanto no facto das esquerdas se tornarem devotas; o problema está na Nato que de intervenção em intervenção está sempre condenada a ser derrotada pelo islão, continuando, mesmo assim, a servi-lo. O grande equívoco ocidental está no facto de preparar o caminho no Norte de África para os seus mais figadais inimigos: o fundamentalismo islâmico. Mas mais problemático que isto é o fomento dum imperialismo nascente antieuropeu e anticristão que implicará o atraso da Europa e da África. Que a América intervenha de ânimo leve com o cheiro no petróleo não é de admirar, que a Europa o faça só demonstra a contradição e a decadência ideológica em que vive. A primavera árabe passou e a revolução não começou nem começará. Deixou oposições na oposição e a oportunidade para o extremismo religioso se fortificar. O Norte de África encontra-se na Idade Média por isso só possibilita rebeliões, não revoluções. Além disso a pressão exterior (Nato) não permite a formação de forças críticas dentro do Islão tal como aconteceu com o Irão do Xá, com o Iraque de Saddam Hussein e como acontece com a Líbia de Kadhafi. As intervenções do ocidente têm impedido, nos países muçulmanos, a formação de forças laicas, que embora tirânicas, fomentariam um desenvolvimento social diferenciado. A sede do petróleo e a prepotência política ocidental age, a longo prazo contra os próprios interesses e contra os seus ideais de democracia e de direitos humanos. Com o seu comportamento obriga os muçulmanos a manterem-se todos apenas no tapete duma religião indiferenciada base dum império já não só de carácter pessoal mas também territorial. Em muitos dos média europeus celebravam-se euforicamente os acontecimentos no Norte de África como se tratasse duma revolução semelhante à que provocou a queda do muro de Berlim. Esqueceram-se da revolução de Khomeini. A lógica da queda do Bloco de Leste não se pode transpor para o mundo árabe. Enquanto o bloco comunista era mantido pela ideologia o árabe é mantido pela religião. Enquanto o primeiro é uma miragem (fruto de projecções) o segundo é uma paisagem real (com base nos sentidos). A liberdade aspirada não é a mesma. Aquela era contra a religião e esta acontece dentro da religião; esta não produz revolução mas apenas rebeldias e terrorismo. A revolução do Leste encontrava-se na sequência dum crescimento surgido dentro da própria cultura: a revolução industrial e a revolução francesa (séc. XVIII e XIX) acompanhadas por reminiscências de cristianismo. O fenómeno do norte de África é um levantamento medieval e o sistema medieval não produz revoluções, apenas gera rebeliões. Aqui assiste-se a uma revolta contra a opressão, contra a heteronomia e contra o feudalismo. Se desejarmos uma revolução, no meio da sociedade muçulmana, semelhante à revolução europeia do século XIX, o caminho será investir na produção industrial local, na formação (o analfabetismo não produz revoluções) e na emancipação do Corão (geografia desértica). Este deu origem a uma sociedade monolítica e extremamente monoteísta que não permite uma comunidade destino de cumplicidade entre Deus e Homem. Só conhece o dentro (oásis), a totalidade do espaço sacral, e o fora que reconhece como deserto perigoso sem vida nem direito a ela. Direitos humanos, dignidade humana são o resultado dum processo social e histórico catalisado nas zonas de influência judaico/cristã. Formam uma supra-estrutura desenraizada, uma produção intelectual duma forma de vida que tinha como suporte a religião. Por isso, a luta em curso contra o cristianismo (simbolizado no Catolicismo ou noutras confissões), por muitos defeitos que este tenha, é uma luta contra si mesmo, um combate autodestrutivo preparador da decadência da cultura ocidental. A grande hipótese do islamismo vem-lhe da queda do muro de Berlim. O comunismo ideológico vê no islão o companheiro (Islão e Comunismo são extremamente “monoteístas”, só reconhece povo mas não pessoas). Actualmente o Islão alia-se aos multiplicadores marxistas e aos niilistas europeus na luta contra o Cristianismo. Isto numa fase de transição até que não precise deles para se impor. O que está em curso no norte de África é um processo para imposição do islão radical tal como aconteceu no Irão. Aqui os comunistas iranianos uniram-se ao extremismo religioso de Khomeini contra o “capitalismo”. Agora a esquerda desiludida aposta no caos virando-se para o Islão. Mas o islão não permite o secularismo no seu seio. Muitos intelectuais europeus de esquerda e secularistas, com a sua aversão ao catolicismo e a sua simpatia para com o islamismo, fomentam o imperialismo islâmico e a autodestruição da europa. O niilismo só ajuda os inimigos do Ocidente. O modelo cristão do “dai a César o que é de César…” fomenta a coexistência do religioso e do secular, um ao lado do outro sem prepotências. O mesmo não comporta o islão. A cultura ocidental tem uma grande missão no mundo e precisa de teístas e de ateístas reconciliados para a tarefa humanista a realizar; doutro modo correrem o risco de servirem novas aspirações hegemónicas. A coexistência do sagrado e do profano (próximo) são essenciais para a sustentabilidade da civilização cristã, e correspondentes subculturas. O processo de emancipação do Homem não se pode processar na luta secular contra a religião nem na luta da religião contra o secular. Trata-se de promover correntes seculares e religiosas e de abdicar da estratégia de afirmação pela contradição, para se optar pela convivência numa relação do não só… mas também... O Homem é um animal religioso e político que precisa de ar (espírito) para respirar e de solo onde pôr os pés, mas sem se deixar amarrar por um nem pelo outro. A verdade é complementar não se deixando reduzir à mera oposição entre conteúdo e contentor. A negação dum implica a negação do outro, não deixando lugar para a afirmação. Muitos vêm no terrorismo um sinal de fraqueza daquela cultura. Esta visão pode induzir em erro. Em termos de cultura muçulmana, ele sempre fez parte dela em tempos de crise, actuando tanto para o interior da sociedade islâmica (como elemento moderador de tendências extremas a nível de poder terreno e religioso) como para com o exterior, defendendo-a. António da Cunha Duarte Justo antoniocunhajusto@googlemail.com www.antonio-justo.eu

sexta-feira, 9 de setembro de 2011

A Minha Razão e a Razão dos outros – Duas complementaridades


Não chega a sabedoria vadia nem a lógica rimada
António Justo

“Duas coisas preenchem a mente com admiração sempre nova e crescente… o céu estrelado sobre nós e a lei moral em mim”, dizia Immanuel Kant. A mim duas coisas me assombram: a aerosfera sobre a terra e o tecto cultural de cada civilização; a atmosfera que cobre os diferentes biótopos da natureza e o sistema de pensamento que cobre os biótopos individuais e sociais. As mesmas leis meteorológicas que regem a natureza lá fora parecem soprar no nosso espírito cá dentro e nas culturas (ad intra et ad extra).

A natureza, a sociedade e a psiché humana atravessam uma fase de altas pressões. O desequilíbrio entre altas e baixas pressões é tal que os tsunamis parecem sacudir os fundamentos da sociedade e da moral. O nevoeiro generalizado chega a impedir de ver as estrelas e a diluir os contornos éticos, pondo em questão a sustentabilidade da humanidade e da terra.

Aqui fora, na minha terra, a atmosfera torna-se cada vez mais fria e rude; a tempestade, que nela grassa, varre jardins e telhados. Da borrasca ficam paisagens humanas devastadas e sentem-se os ecos de brados de gaivotas no ar. Uma natureza humilhada chora nas plantas e nos animais por o saber humano não respeitar o saber da natureza. Por todo o lado se observam ventanias e razias no meio ambiental e no meio cultural. O mesmo se diga no foro social e individual. Natureza e cultura ao desafia, o Homem contra o Homem.

A crise de identidade, com as crises dela resultantes, abala a pessoa e as instituições. Os ventos que correm na razão e no coração são stressantes. Na sociedade muitos afirmam-se pela negação do outro, outros pela acomodação. Por isso cada vez surgem mais árias para embalar o sentimento e para adormecer a razão. Tudo é belo, as sereias cantam e encantam. Cada um puxa ao rubro as cordas da razão ou do sentimento para fazer ouvir a sua composição.

Com esta minha composição não quero embalar mas tentar acordar para a mensagem de Ulisses ao passar pela ilha das sereias. Como na composição as desafinações têm o seu sentido também o desacordo compreensivo tem o seu lugar! A dissonância torna possível a harmonia. Não poderíamos falar do dia se não conhecêssemos a noite. A realidade ultrapassa porém a visão que advém do contraste.

Na praça pública, encontram-se demasiados textos feitos de frases soltas em bemol e de sabedoria vadia com lógica rimada ao sabor do anónimo dirigente ou textos beligerantes que só conhecem a própria razão. Dum lado o grupo dos afinados acomodados e do outros o grupo dos desafinados que tomam o semelhante como adversário. Neste grupo cada um quer, à margem da orquestra, tocar o seu instrumento sem diapasão, sem conferir a afinação. Cada um afirma-se naquilo que parece opor-se a ele. As desafinações são salutares se nos levarem a reconhecer o valor da harmonia, uma harmonia que comporta desafinações na afinação. Mal da sociedade quando cada um quer assumir o papel de diapasão. No mercado das ideologias e das opiniões assiste-se a uma grande desafinação. Cada um quer ter razão à custa da razão do outro.

Aqui a natureza pode vir em ajuda da cultura. A Natureza tem as mais variadas sementes, cada qual, com uma expressão de vida característica. A semente é formada pela casca tendo dentro dela o tecido de nutrição e o embrião. Também a sociedade/ cultura tem as mais diferentes sementes: filosofia, religião, ciência, arte, economia, política, ideologia, opinião. Cada uma destas tem a sua correspondente casca constituída por leis, dogmas, concepções. Estas (cascas) encerram dentro delas uma determinada vida (embrião). O mais importante não é a casca mas a vida que estas encerram. Enquanto na natureza (botânica) as cascas que envolvem o embrião (a vida), se amaciam e abrem para darem oportunidade à vida do embrião grelar e dar oportunidade à vida, na sociedade as sementes fixadas na casca lutam umas contra as outras. As pessoas (ideologias ou concepções) fixam-se naquilo que as delimita, a casca; naquilo que circunscreve o objecto do seu discurso/combate à casca; não fazendo sequer ideia do que esta encobre, comportam-se como se só elas tivessem direito à razão, à vida. Assim, para os que apenas têm a consciência do seu ser casca, só resta a estratégia da auto-afirmação pela negação dos outros. Então levantam-se os dogmáticos da religião (os fixos na casca da religião mas que não percebem nada de religião) contra os dogmáticos da ciência (os fixados na casca da ciência mas não percebem nada da essência da ciência), e vice-versa; o mesmo se dá nas diferentes nominações com as respectivas lutas entre grupos/casca. A casca da opinião talvez seja a mais dura delas todas porque muitas vezes não passa de uma casca formada doutras cascas, à margem da própria vida (identidade) e da mesma vida que flui ao mesmo tempo dentro da própria casca e dentro das cascas dos outros.

Olhai as sementes das plantas na natureza. Umas têm a casca mais dura que as outras, umas são maiores, outras mais pequenas. Em todas elas corre a seiva da vida sem se negarem umas às outras. Seguem um chamamento comum pressentido por todas; crescem em direcção ao Sol, apoiadas pela vontade. O ser humano, pelo contrário, encrusta a verdade/vida na delimitação (casca) da sua subcultura/opinião. Em vez de reconhecer a vida que se encontra dentro da demarcação (casca) afirma a sua casca contra a do outro e vice-versa. O ser humano ao não se tornar consciente da mesma vida que corre nele e nos outros fixa-se na carapaça do pensamento transformando-o em escudo, em casca contra a outra casca.

Ao não ouvir o chamamento da natureza, fixa-se em si mesma, como sendo um absoluto pedra, desprezando o fluxo da vida para se fixar na maior ou menor consistência (fragilidade) das cascas, prescindindo da vida e do espírito que cada casca encobre para assim a poder negar. Na natureza temos as diferentes sementes/plantas (os diferentes biótopos/ecossistemas) que com as suas potencialidades vitais formam a riqueza da cobertura vegetal terrena. Na cultura temos diversos biótopos/ecossistemas culturais científico-filosófico-religiosos, cada qual com as suas configurações (cascas) que formam a cobertura cultural da humanidade. Cada sistema, do mais complexo ao mais simples (da civilização à opinião) tem a sua crusta (casca) que encobre a vida. Geralmente, no reino da opinião e do debate, limitamo-nos a abordar a crusta, refutando-a sem reconhecer a vida que se encontra escondida em cada uma, confundindo a semente com a casca. No fundo a vida que a tua crusta esconde é a mesma que flui debaixo da minha. É verdade que a casca (as concepções, os dogmas, as leis, os programas) tem a função de defender a vida que comportam contra a dissecação e contra energúmenos ou outros microorganismos. As cascas, religiosa, científica, familiar, nacional, ideológica, opiniosa, têm o seu direito e justificação. Encontram-se porém, como organismos, em serviço dum bem maior dentro dum macro organismo. Só o rompimento da casca permite o crescimento do embrião/vida para o exterior. A disseminação dos frutos e das sementes têm a função de preservarem a espécie e de se desenvolverem. A missionação com a sua potencialidade de inculturação e aculturação possibilitam a evolução não só da espécie como de toda a sociedade. A afirmação de uma não pode acontecer à custa da negação da outra, mas no respeito, no respeito da abertura voltada para o Sol. Como na natureza assim na sociedade/cultura: nada há igual, tudo é diferente e da diferenciação surge o desenvolvimento, a evolução. A própria liberdade tem um sentido, o sentido do Sol. Se na natureza se observasse o que se observa especialmente hoje no discurso cultural ainda não teríamos passado da verdade da anémona, da verdade peixe, da verdade hominídea ou da verdade gorila, da verdade emocional, da verdade racional: verdades encrustadas num sistema (verdades casca). Com isto não se relativiza a importância das cascas, sem elas não haveria individuação nem diferenciação, não haveria evolução, desenvolvimento material e espiritual. Importante será descobrir a vida que cada casca encerra e verificar, sem combater nem negar, a vida que se encontra em cada semente, dentro de cada casca com as potencialidades do seu embrião. Umas serão mais carvalho, outras, mais oliveira, mais toupeira ou mais leão.

O verde de todas as plantas, aparentemente mais ou menos relevantes, transporta o oxigénio da atmosfera de que todas se aproveitam. Semelhante deveria dar-se nas culturas (ecossistemas culturais) com os seus diferentes credos (religiosos ou seculares). A esperança vital da humanidade que se encontra sob o firmamento cultural e embrionada nos diversos ecossistemas culturais também não pode ser estancada em nome duma crusta comum.

Os diversos credos, religiosos (feminidade) ou seculares (masculinidade), são imprescindíveis para o tecto metafísico cultural tal como o verde para a atmosfera que respiramos. A verdura transportada pelo conjunto da cobertura vegetal é expressão do esforço comum das diferentes individualidades vegetais. A atmosfera não precisa só do oxigénio mas também do dióxido de carbono, embora este seja mais notório pelas suas qualidades negativas!

”Oh culpa feliz” reconhecia o apóstolo Paulo. A culpa é a casca da semente, a vida encrustada que possibilita, doutro modo, o fluir da vida profunda e activa. Sem o pecado não há relação. Ele separa para possibilitar a religação consciente. A nós compete a missão de desfazer os nós que a motricidade da vida produz com o seu desgaste próprio. Cada um de nós “crente” ou “não crente” contribui com o seu credo, com a sua opinião para o tecto espiritual da cultura. Como na natureza, não há nada igual. Da diferença aparentemente contraditória surge a riqueza individual e cultural que contribui para o concerto universal de natura e cultura. Cada um traz consigo os seus ferimentos e estes fazem a diferença. Porque nos afirmamos uns contra os outros negando ao outro a sua razão em vez de nos reconhecermos como complementares duma Realidade maior? Na realidade andamos todos à procura de nós mesmos (do brilho da nossa divindade), à procura da própria casca para nos podermos agarrar; uns procuram-se no teatro, outros na religião, na arte, na ciência, na política, na palavra, na afirmação, na contradição, esquecendo talvez que tudo isto não são mais que as cascas que encobrem o nosso verdadeiro ser: vida em germinação. Cada um traz em si o espartilho do seu biótopo, estando predestinado a confundi-lo com a natureza toda, com a verdade…

António da Cunha Duarte Justo
antoniocunhajusto@googlemail.com
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quarta-feira, 7 de setembro de 2011

Ecossistema Cultural – Biótopo cultural


Opinião formada no Desvio da Verdade
António Justo

Nos meus escritos emprego a palavra biótopo/ecossistema não só no sentido botânico mas alargo-o à antropologia e à sociologia dum lugar ou região (assim, ecossistemas = unidades de vida de várias espécies em comum abrangendo também o seu habitat humano cultural). Assim também a língua faz parte dum ecossistema cultural, tal como o verde faz parte da cobertura vegetal.

Um ecossistema cultural é um processo de organização da vida resultante do ambiente geográfico/climático e cultural. De facto a mitologia, a filosofia, a religião e a maneira de organizar a vida e o pensamento depende primária e intrinsecamente da geografia/clima e da maneira como o ser humano reage técnica, emocional e intelectualmente ao seu meio.

Os conjuntos dos ecossistemas biológicos e culturais encontram-se numa relação de “diálogo” entre si: numa relação biológica e intercultural. Ao falar de ecossistema/biótopo cultural quero sugerir a interdependência e a coerência vital dentro dele mesmo; interdependência baseada no princípio de colaboração/ selecção interna e de definição em relação ao externo/estranho.

Assim como os biótopos e ecossistemas formam a biosfera também os ecossistemas culturais (civilizações, línguas, culturas) formam a esfera cultural humana global. Habitat geográfico e cultural implica a configuração geográfica e intelectual com diversos biótopos. Assim verifica-se que o homem do deserto desenvolve uma filosofia diferente da do Homem das terras férteis. Daí também as diferentes mitologias. A sobrevivência afirma-se na diversidade.

Geralmente, no diálogo entre disciplinas, culturas, ideologias e as épocas da História, não se tem em conta a coerências dos “ecossistemas”, afinidades e diferenças, nem se respeita a lei fundamental que se verifica a nível biológico e cultural: a lei da complementaridade subjacente ao desenvolvimento. Na discussão pública, geralmente um afirma-se negando ou denegrindo o outro. As cores do arco-íris são reduzidas ao branco ou ao preto, ao verdadeiro ou ao falso desprezando-se a realidade que se encontra nas cambiantes.

A afirmação duma opinião própria dum biótopo afirmada em relação a um outro ou a um outro ecossistema cultural pode tornar-se fatal se não se tem em conta as correlações a eles inerentes. Assim a filosofia cristã só pode ser compreendida em relação a outra se tivermos em conta não só o espaço geográfico que ocupa mas também as suas fontes semitas, gregas, romanas num determinado processo histórico. A religião islâmica não se poderá conhecer sem o seu pano de fundo: o oásis e o deserto.

Também se torna arrojado falar-se e ajuizar dum ecossistema linguístico/cultural medieval em termos de ecossistemas linguísticos/culturais contemporâneos. Ao fazê-lo, geralmente, atraiçoa-se não só a cor local mas corre-se também o risco de instrumentalizar mentalidades para fins menos nobres. Até a transposição de textos ou comportamentos medievais numa linguagem corrente hodierna pode induzir em erro. O mesmo talvez já não fosse tão grave se a tradução fosse feita para árabe, uma cultura que se encontra bastante próxima da medieval e como tal com compreensão aferida à idade média. Geralmente, juízos de valor sobre o passado não passam de desculpa duma mentalidade que sofre do mesmo mal da de ontem, hoje criticada.

Na actualidade temos suficientes áreas propícias à discussão sem precisarmos de recorrer ao passado e perturbar o repouso dos mortos, por muito bons ou maus que tenham sido. Quando os argumentos não valem apela-se à responsabilidade clã. Neste sentido, hoje a Igreja Católica é o bombo da festa.

A opinião resulta dum biótopo geralmente em contraposição a um ecossistema.

Não há raciocínio isento. Isenta poderá ser a procura. Na procura crescemos! Por isso vale a pena procurar e raciocinar. O que fica da verdade é a procura e a esperança de a encontrar.

António da Cunha Duarte Justo

antoniocunhajusto@googlemail.com
www.antonio-justo.eu