domingo, 21 de dezembro de 2008

Natal Tempo Alto – Tempo de ser Presépio

Feliz Natal e um Ano Novo mais humano

António Justo
No Natal não há que estafar a razão contra o coração. Quem bem vive da “razão” tem razões para desprezar o “coração”. Porém já Pascal dizia que o coração tem razões que a razão não conhece.

Natal é o tempo alto dos pequenos e em que todos nós, mesmo adultos, temos uma criança a descobrir em nós. Natal é também o tempo da florescência do amor no estábulo da nossa vida.

Natal já era outrora o desejo dos pagãos. As pessoas de boa-vontade procuraram levar o Natal aos pequenos, numa tentativa de humanizar a humanidade; levaram a divindade humana, a dignidade do ser humano a nascer num curral. Tudo parece ter sido em vão!... Na praça pública continua a não haver lugar para os pequeninos, para os pobres. Para o Deus-menino, para o carente, não há lugar na hospedaria. Nas hospedarias da democracia e dos outros regimes também não. Tudo tem dono e cada vez há menos currais onde a esperança possa nascer. Os ocupantes da vida, do pensamento e do povo chegam sempre antes. Eles são mais rápidos e deitam a mão a tudo. Não se contentam já com as coisas materiais, querem, também a razão, só para eles!

Os depredadores da dignidade humana desdenham do coração e do sentimento. Esquecem que no coração é que se encontra o espírito. Natal é a vida a protestar! É um protesto do amor contra a morte, uma reclamação do serviço contra a violência. Natal é o amor em botão, o amor a brotar da natureza, o amor a surgir em cada coração. Natal é salvação a querer vingar em todo o ser!

O Espírito fez-se carne e habitou entre nós
Agora compete aos Homens de boa-vontade, transformar a carne em espírito, a tristeza em alegria; tornarmo-nos também no Emanuel do próximo.
Do oriente, vêem os emigrantes, os refugiados, os desempregados, os doentes, os infelizes, na fuga de situações e de sistemas injustos. É a procissão dos que passam ao lado do sistema na procura das luzes, das músicas e dos aromas do bem-viver. Não há lugar à mesa, nos hospitais nem na burocracia, para o transeunte que procura, para o menino.

Natal, és tu sou eu. Na procura do renascer juntamo-nos todos no estábulo de Belém na qualidade de: vaca, burro, camelo, Maria, José, anjinhos, pastores, ovelhas, reis, prendas. É a ânsia inata de nos tornarmos o Menino. De facto nele se realizam, a vaca, o burro, o camelo, a Maria, o José, os anjinhos, os pastores, as ovelhas, os reis, as prendas. Cada um de nós tem um bocado destes participantes a descobrir e a integrar em si mesmo.

Quando temos um contacto mais estreito com animais, por exemplo com o cão, chega-se a ter a impressão que a parte mais humana do homem se encontra no cão.

A nossa vida é presépio, é natal da humanidade, é ponto de encontro de todas as vertentes e dimensões naturais e espirituais. Aí, no curral, no altar da vida se transubstancia tudo para ganhar um novo rosto. Em cada um de nós, o mundo continua a nascer, a ter uma nova oportunidade. Quando deixarão, os farsantes da praça pública, os ocupantes do presépio humano, lugar para os interlocutores de Belém? Talvez enquanto contarem com a fraqueza do coração…
Natal é tempo alto na missão de transformarmos o mundo no processo de encarnação e espiritualização. Natal é resistência contra a entropia, é fogo contra a frieza, é desobediência.

António da Cunha Duarte Justo
antoniocunhajusto@googlemail.com

quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

N A T A L 2 0 0 8

E tu, que gostavas de ter como prenda de natal?
António Justo
“Que gostavas de ter como prenda de natal?” – pergunta a mãe viúva ao filho triste que aperta nas mãos uma moldura com o retrato do pai. “ Gostava que meu pai arrombasse a moldura para me acarinhar” – responde o filho, sem hesitar.

“Que gostavas de ter como prenda de natal?” – pergunta o professor na escola. “Gostava de ter um professor que derrubasse os muros da escola para poder estar comigo” – responde o aluno no seu anonimato.

“Que gostavas de ter como prenda de natal” – pergunta o patrão. “Gostava que os muros da fábrica caíssem para a fábrica se tornar num lugar onde se ganha o pão com honra” – responde o empregado.

“Que gostavas de ter como prenda de natal” – pergunta o político ao cidadão. “Gostava de ter políticos que rebentassem as grades do partido e formassem um governo que não faça da nação uma prisão.”

“E tu, que gostavas de ter como prenda de natal?”
Eu gostava de ter uma família, uma escola, uma igreja, uma política, um patrão, um amigo que estivesse cá para mim. Tenho um desejo insaciável de alguém que me acolha e me acompanhe. Tenho saudade de alguém que saia fora do quadro, que estoire a moldura da rotina e as armações das estruturas, que deixe cair a máscara para se encontrar comigo em Belém.

“Que gostavas de ser então?” – pergunta-nos Jesus. “Gostava de tornar-me Jesus Cristo ao serviço dos irmãos” – respondes tu e eu.

Tu e eu somos Natal a acontecer!

António da Cunha Duarte Justo
antoniocunhajusto@googlemail.com

quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

DIREITOS HUMANOS – DIREITOS INDIVIDUAIS EM PERIGO

António Justo
No princípio a natureza dominava sobre o Homem. Mais tarde domina a instituição também. Por fim dá-se a inter-relação equilibrada entre indivíduo e instituição ou cultura.

Depois da segunda guerra mundial, perante a deslegitimação moral das instituições, surge a necessidade dum compromisso internacional para a defesa dos cidadãos. Os direitos humanos declarados em 1948 pela ONU tornam-se, assim, um bem individual adquirido, no processo de emancipação, contra as estruturas dominantes. O Estado compromete-se a proteger, como direito natural: a dignidade humana, o direito à vida e a integridade corporal, a igualdade perante a lei, a liberdade de fé e de consciência e o direito a resistir a quem queira eliminar estes direitos.

Consignados, pelo menos no papel, tornam-se fundamento e pressuposto para uma vida humana em comum. Culturas fechadas e estruturas autoritárias continuam a impedir a aplicação dos direitos humanos.

Já o Mestre da Judeia lutou pela libertação da pessoa humana do domínio das estruturas culturais, religiosas e estatais. A natureza divina do homem, por ele defendida e nele personificada, torna-o incompatível com qualquer sujeição a uma instituição que não respeite a humanidade e divindade de cada pessoa humana; aquilo a que se chama dignidade humana. O preço que Ele pagou pela sua desobediência à instituição foi a sua condenação e morte em nome do Governo e do Sinédrio (símbolos de todos os Estados e de todas as Religiões e hierarquias). O indivíduo surge da comunidade que deve continuar mãe, para que ele se torne garante de futuro!... Resistência é a atitude do homem digno!

No Ocidente, à medida que os Estados se vão formando e estabilizando a consciência dos direitos individuais aumentam também. A dignidade humana e especialmente a consciência dela evolui com o evoluir cultural. A Magna Carta inglesa de 1215 limita os poderes do Rei em favor dos direitos dos súbditos, ainda não cidadãos…

Um grande passo no desenvolvimento da consciência individual, em relação à consciência de grupo ou cultural, foi a carta da independência americana de 1776 que consignou como direitos inalienáveis: a vida, a liberdade e a aspiração à felicidade.

A prática prova que nos encontramos muito longe da aplicação dos direitos professados. Principalmente em países árabes, China e na África a declaração tem grande dificuldade em adquirir validade. Os poderes estabelecidos vivem bem da opressão. Ainda se continua a apedrejar mulheres pelo facto de terem uma relação com um outro homem; cortam-se os membros a adultos e a crianças que cometeram actos de furto, etc. Há direitos culturais que ainda se colocam sobre os direitos individuais da mulher e da criança.

Também na Europa se assiste a um crescente desrespeito de direitos individuais, fazendo-se valer direitos do homem sobre a mulher, a mulheres que vêm de países de cultura muçulmana. Um retrocesso imperdoável contra a tradição ocidental.

Cada vez há mais ameaça aos direitos humanos devido ao terrorismo e a medidas de estados ocidentais contra os cidadãos. Em nome da segurança o Estado toma medidas de controlo do cidadão, por vezes, incompatíveis com os direitos individuais. O Estado toma, muitas vezes, o terrorismo como pretexto para controlar o cidadão. A relação entre os direitos individuais e grupais não é pacífica.

A natureza expressa-se como variada e livre problematizando as ortodoxias estáticas. Ela afirma-se na diferenciação.

Torna-se, porém, difícil aceitar a diferença, sobretudo quando o direito à diferença é defendido por minorias radicais que lutam pela hegemonia cultural também contra os direitos humanos.

A época em que vivemos exige grande atenção e capacidade de resistências às superstruturas cada vez mais autoritárias.

António da Cunha Duarte Justo
antoniocunhajusto@googlemail.com

segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

MAOMÉ – APENAS UM AREAL DE PROJECÇÃO?

O Impasse Cultural
António Justo
Muhammed Sven Kalisc, o primeiro Professor universitário para teologia islâmica em Münster, Alemanha, duvida da existência histórica do profeta Maomé. Diz que não se pode provar a existência nem a não existência mas que ele tende para a não existência. “Maomé foi sempre uma área de projecção. Na realidade não se trata duma verdade histórica, mas duma ficção teológica” refere o professor em “DIE ZEIT”. Argumenta que uma teologia ensinada numa universidade moderna tem que se submeter aos métodos do esclarecimento (iluminismo) tal como aconteceu com o Judaísmo e com o Cristianismo.

Não será exigir demais querer aplicar a grelha modernista, também ela míope, a uma cultura ainda encerrada em plena Idade Média?

Com as suas afirmações o professor é contestado pelas organizações muçulmanas na Alemanha e desiludirá a conveniência da política alemã condicionada a dar graxa e interessada em integrar os muçulmanos no intuito de transformar os grémios muçulmanos em organizações semelhantes às cristãs. Para o professor Kalisc o problema está no facto dos grémios islâmicos titulares do ensino da religião “excluírem a investigação crítica histórica na universidade”, por estarem mais aferidos ao poder e apenas interessados em estruturas autoritárias. Kalisc justifica-se referindo-se à fidelidade à Constituição da RFA (na defesa dos direitos fundamentais do cidadão) a que também as agremiações muçulmanas se deverão submeter.

A sua missão de Professor compromete-o a tomar posição em favor da liberdade científica. Ele questiona-se pelo facto de no tempo de origem do Islão não haver fontes históricas de referência fora dele além da grande diferença entre os testemunhos arqueológicos das fontes muçulmanas e os das fontes não islâmicas. Não se encontram fontes originais escritas islâmicas nos dois primeiros séculos do islão e “onde as há põe-se a questão da autenticidade”.

À pergunta do problema da explicação da existência duma religião sem fundador, Muhammed Kalic responde “que uma nova religião pode originar-se a partir da cisão duma religião mais velha” e que vê como possível que “ o Corão, pelo menos em parte, é um texto cristão primitivo” e que no século VII, cristãos Árabes se terão separado do Irão e de Bizâncio podendo ter havido razões políticas para a variante do cristianismo para apoio do novo reino.

Para ele, o Islão seria uma forma de vida religiosa e uma tradição espiritual. Cada pessoa deve com a sua razão decidir o que deseja assumir da tradição. E continua: “A ideia de um islão uno é uma ficção cultivada tanto pelos fundamentalistas religiosos como pelos inimigos do islão.”

O Professor Kalic compreende-se como um muçulmano que apoia muçulmanos liberais.
Um islão que não coloque nada em questão e que se não deixe pôr em questão correrá sempre atrás do desenvolvimento da História entorpecendo em si mesmo. Por outro lado ao reduzir o estar do Homem à condição religiosa regulamentando-o em todos os sectores da vida criará muita frustração que se expressa depois na violência e numa sexualidade em estado de emergência. Isto conduz a uma atitude de hipocrisia que vive à custa do mais fraco. Por outro lado, o sentimento de impotência conduz à incapacidade de conseguir compreender o mundo e de o enfrentar de frente. A violência passa a ser um elemento integrante do próprio sistema, sempre à caça do mal fora dos próprios muros.

Esta crítica académica não será compreensível no meio islâmico habitualmente fechado em si mesmo e contribuirá para reacções ouriço-cacheiro e também para uma reflexão crítica por parte de muçulmanos liberais.

É verdade que a religião não pode ser submetida apenas à matriz racionalista. O agir da religião e daqueles que se reportam a ela deve ser, porém, submetido à razão. Uma pergunta à qual não escapam muçulmanos e não muçulmanos é o facto de o terrorismo a que se assiste no palco internacional ser quase de exclusiva responsabilidade muçulmana. Outra questão é o facto da exigência muçulmana de afirmar a sua religião nas sociedades para onde emigram e aceitarem, sem se pronunciarem contra, a perseguição dos cristãos em todos os estados de cultura muçulmana. Onde fundamentam a sua posição contra direitos humanos individuais bem como a discriminação da mulher. Até que ponto o Corão permite o diálogo e possibilita activamente a paz? Kalic luta, à sua maneira, pela abertura duma sociedade fechada e atolada na estagnação! Também o Cristianismo teve de dar a cara ao renascimento na passagem da Idade média para a Época moderna. Se é verdade que a filosofia renascentista se podia fundamentar biblicamente também é verdade que o Islão, se permitir o instrumentário duma teologia, não reduzida a mera jurisprudência, encontrará oportunidade de crescer na continuidade.

Quem aprisiona Deus faz do Homem verdugo do Homem
Os muçulmanos de cunho europeu poderão reformar o islão e abrir-lhe perspectivas para o futuro. Doutro modo este perpetuará a frustração e a inveja envergonhada no próprio povo e tornar-se-á um grande problema também para as sociedades para onde emigra. O potencial de conflito já presente nos guetos das grandes metrópoles, oportunistamente ignorado por políticos e intelectuais, no futuro, tornar-se-á fatal para a relação entre muçulmanos e não muçulmanos na Europa.

É irresponsável continuar a haver crianças turcas (da terceira geração) que nascidas na Alemanha chegam à escola sem saber alemão. Fechadas na sua sociedade não estão preparadas para responder aos desafios da sociedade maioritária. Sem perspectivas reais resta-lhes a frustração, o horizonte da Mesquita ou o ressentimento contra uma sociedade que os não soube defender e promover, ou ainda a revolta inconsciente contra os pais que os mantiveram prisioneiros no hermetismo da própria cultura.

Nenhuma cultura, nenhuma religião tem o direito de aprisionar Deus para depois, em nome dele, aprisionar o Homem. O mesmo se diga em relação à política – Estado e Povo. Deus não quer súbditos nem a nação precisa de escravos. Também, nenhum pai ou ideologia deve arrogar-se o direito de acorrentar o filho, o membro à própria mundivisão, tolhendo-lhe um caminho e um horizonte próprio. Toda a religião tem muita riqueza a transmitir. Perde porém a razão quando se torna um estorvo à emancipação e não se deixa questionar criticamente por conhecimentos novos. Ela terá de manter a balance da relação indivíduo-comunidade, apostando prevalentemente na pessoa para que esta se descubra comunidade.

A religião corre o perigo de se tornar anacrónico quando se tem de argumentar com a Constituição para defender o cidadão de arbitrariedades da religião, como acontece na questão da discriminação da mulher e da privação de direitos humanos. O islão é intrinsecamente contra a laicidade, não admitindo a liberdade de pensamento e de consciência, nem outra referência ética e religiosa que não seja Maomé e Corão no sentido duma hegemonia teocrática. O Islão terá que ter lugar para a sociedade civil com espaço para o cidadão.Tal como ocidente foi a religião que deu orige

António da Cunha Duarte Justo
antoniocunhajusto@googlemail.com

quarta-feira, 1 de outubro de 2008

Islão – Um Desafio às Democracias

INTEGRAÇÃO BILATERAL – UM EMPREENDIMENTO IRREALISTA?
António Justo
Nos anos da reconstrução da Europa, depois da Guerra, as indústrias nacionais europeias absorviam grandes contingentes de trabalhadores, necessitando por isso de recorrer também à mão-de-obra estrangeira. A política recorre, então, à angariação indiferenciada de trabalhadores. Contava apenas com trabalhadores mas vieram pessoas.

No princípio a sociedade maioritária divertia-se com o folclore e com o exotismo dos imigrantes e refugiados. Na sua escassez individual eram dignos da simpatia da sociedade acolhedora. Os representantes do Estado e da Economia sentiam-se benfeitores de uns e de outros. O povo operário das nações industriais sentia-se bem porque abaixo dele ainda havia outros, o proletariado estrangeiro. Hoje, época em que as indústrias é que emigram, e a política europeia se orienta para a criação duma camada social alargada carenciada em todas as nações, os conflitos sociais aumentam. A concorrência nos lugares de trabalho é já tão desumana que obriga não só a camada dos carenciados a uma luta desesperada pelo posto de trabalho disponível, como torna também instável a camada social média que constituía o suporte da sociedade pré-global. O sistema económico não aferido às necessidades humanas da pessoa vai dando hipótese a alguns e provocando o devaste dos biótopos naturais e humanos.

Hoje os políticos de então reconhecem o falhanço da política de imigração. Uma população de cultura árabe consciente e activa mete medo a uma sociedade acomodada. A vitalidade daqueles talvez seja a maior razão dum medo inconsciente desta. Com os imigrantes vieram também as estruturas culturais das suas nações e religiões. Antes que os recém-chegados se individualizassem e tivessem tempo de se distanciarem das suas culturas de originem e de se adaptarem criticamente à nova, as estruturas religiosas e políticas de origem instalaram-se servindo-se da sua necessidade, mantendo-os prisioneiros das antigas amarras, em nome do serviço e do perigo dos outros. Entre assimilação e gueto é roubada ao emigrante / imigrante a capacidade de descobrir uma terceira via, o seu caminho. Este, vítima de estruturas injustas que o obrigaram a abandonar a sua pátria, continua a ser areia nas engrenagens das estruturas.

Pouco a pouco vão levantando a sua voz dissidente. Essa voz porém é a do grupo, não a sua. Assim, assistimos a grupos contra grupos, à custa da despersonalização de uns e de outros, contra a construção duma realidade maior: o mundo, o universo.

Os crentes da democracia e da Constituição receiam ter de retroceder dos direitos adquiridos e terem de aceitar hábitos já ultrapassados há centenas de anos na Europa. Agarram-se então a um punhado de direitos, à Democracia e à Constituição, como se estes fossem imutáveis e inegociáveis. No seu catecismo pensam resolver tudo com a separação entre Estado e Religião como se o Estado fosse eunuco e a religião não fosse prostituta. Assim se vai vivendo da disputa das ideologias; com o tempo, porém, o povo é quem mais ordena! Ele é a valia que permanece embora adiando sempre a sua personalização, o seu estado adulto.

Nos países de imigração o abdómen social já rumoreja. O tema da integração polariza os grupos; esquerda e direita esquartejam a realidade para, da refrega, poderem receber alguns créditos. Assim se perpetua a luta de grupos estabelecidos à custa e à margem do povo. Por enquanto ainda não se ganham eleições agitando o povo contra os estrangeiros; a manifestação é ainda em surdina e envergonhada, mas a continuar assim lá chegaremos. A História ensina-nos que o que conta são as superstruturas e não a pessoa individual. Não resta grande coisa para o desenvolvimento da pessoa.

É verdade que a integração é diálogo (melhor seria triálogo) e não pode ser uma auto-estrada de sentido único. De “fora” vêm pessoas com as suas tradições, o tradicional refúgio da precariedade. Se lhe tiram a religião com que é que ficam? No sentido contrário não há trânsito nem parques de estacionamento para guetos compensatórios.

Resignadas, as forças políticas dos países de acolhimento afirmam-se na contradição, à custa dos imigrados e da própria cultura; à custa dos imigrados e dos cidadãos. Por enquanto a esquerda ainda ganha com os votos dos estrangeiros. Mais tarde virá a hora da direita, dado esta corresponder mais à mundivisão daqueles e se preocupar por uma ordem dos costumes menos permissiva.

Políticos já começam a exigir que os imigrados aprendam a língua do país; até agora não se tinham dado conta dos guetos e de muitas crianças que não falavam a língua da escola. Apesar disso muitos defensores dos direitos humanos não estão de acordo com tal obrigação. Seria como que querer obrigar a raça cigana, de hábitos mercantis a ter de se dedicar à agricultura.

Para muitos só se avistam problemas a todo o alcance do olhar. De facto, a estrutura social ordenada maioritária estava habituada a oprimir o próprio povo por tradição e hábito; agora as minorias em nome da sua liberdade religiosa e cultural vêm questionar toda a legitimação do poder estrutural. A sociedade passa a ter dois problemas: o dos novos que chegam e o dos autóctones dormentes que passam a ser acordados por aqueles. Quem não tem nada a perder só é tolo se não arrisca, solidarizando-se!

Os estados europeus, que apostam tudo na estrutura, não estão preparados para dialogar com os grupos do Islão que, baseados mais numa organização de tradição tribal, não conhecem uma organização cúpula, uma representação única, escapando assim ao controlo central e à centralização administrativa. Para os organizadores do ensino da religião islâmica nas escolas, esta situação torna-se complicadíssima atendendo ás diferentes proveniências e legitimações.

Alguns cidadãos resignam-se aceitando que a cultura maioritária terá de oferecer descontos aos muçulmanos? Será que estes terão de viver sempre como hóspedes até que alcancem a maioria e possam determinar eles o regimento? Também há muçulmanos renitentes que não aceitam as aulas de ginástica de meninos e meninas em comum, famílias que obrigam o porte do lenço às filhas, que as obrigam ao casamento arranjado, sendo tabu maioritário o casamento com autóctones, salvo se estes se converterem.

A religião e a cultura tornam-se em impedimento do encontro de uns e de outros a nível humano. Na prática do quotidiano, os grupos islâmicos escapam à forma de Estado tradicional europeu. Para complicar mais, estes ordenam-se em organizações jurídicas laicas. Estas organizações são porém associações religiosas atendendo a que o islão não conhece a divisão da pessoa em religiosa e laica. Quem vai à associação é religioso. Não conhecem o estado secular, só conhecem o Estado muçulmano. Na antropologia das tribos do deserto não há lugar para filosofias personalistas. O indivíduo só se safa no grupo, antes tribal agora religioso. Desconhecem a forma anfíbia do homo occidentalis. Assim colidem diferentes antropologias sem ninguém que os ajude a perceber que o problema não é humano mas de superstruturas entre elas.

Um outro obstáculo com que deparam é o laicismo – um específico dos países de tradição cristã, um resultado de diferenciação de superstruturas. Cria-se também uma outra dificuldade para aqueles muçulmanos liberais ou ateus nas relações de estado, sociedade e religião, pois, muitas vezes, são englobados no mesmo grupo e representados por dirigentes religiosos com quem não concordam.

Fiéis muçulmanos que vêm de países onde a poligamia é possível não encontram legitimação numa cultura monogâmica. Sentem-se discriminados perante uma lei que se diz liberal permitindo o casamento de homossexuais mas proibindo a sua poligamia. Também o sistema de assistência e providência social não está preparado para dar resposta às práticas poligâmicas nem ao casamento islâmico. Recorde-se um facto publicado em jornais franceses: um homem poligâmico passa pelas diferentes casas sociais onde vivem as suas mulheres. Será que vai receber o óvulo? Não será que também o nosso sistema social beneficia economicamente o homem, reduzindo a mulher à carência económica e psíquica?

Os políticos podem alegar que a Lei Fundamental do Estado europeu se baseia na tradição monogâmica judaico-cristã. Apesar disso, não dá aqui uma discriminação da sociedade poligâmica? Eles também são povo e a Constituição deve ser o resultado da vontade do povo. Ou será que se terá de ligar a Constituição ao território perdendo ela assim o seu carácter orgânico? Será que é legítima a declaração da vigência dos direitos humanos individuais, quando indivíduos apelam para a prevalência de direitos culturais sobre os individuais? Esta é a hora da dança dos representantes dos direitos culturais. Quem define competências e em nome de quem? Para um muçulmano crente a sua Constituição é o Corão e o Hadid; mais que o país, o que conta é a sua civilização.

O conflito de obediências entre Islão e Constituição permanece constante. Muitos encontram assim nichos em relação ao casamento. Na sua cultura encontram-se pessoas já casadas valendo na sociedade civil europeia como solteiras. (Casados ricos pelo islão, pelo facto de o não serem civilmente na sociedade de acolhimento, continuam com direito a apoios sociais etc. enquanto que os autóctones que vêem regulados juridicamente os seus costumes perdem automaticamente esse direito embora vivam em situação igual). Nesta confusão toda certos simplicistas laicistas gritam, acabe-se com a religião. A questão não se resolve pela negativa porque seria pior a emenda que o soneto e à margem da realidade humana.

O argumento de que os muçulmanos da Turquia têm aqui mais direitos que na Turquia e de que o Turquia é um estado que conhece a separação de religião e estado, desde Atatürk, não minimiza o problema dos muçulmanos que vêm doutros estados. O radicalismo muçulmano turco tem mais hipótese de se afirmar na sociedade liberal do que na Turquia. A sociedade civil é lá garantida por uma oligarquia militar que impede que a Turquia se torne num estado islâmico sem separação orgânica de estado e religião.

A questão da democracia e do Estado de Direito está em correlação com o estado de desenvolvimento da consciência individual do cidadão. Para já o cidadão é coisa rara, o que há mais são ovelhas arrebanhadas. Ainda se aposta ‘inocentemente’ na tradição da anti-discriminação embora a discriminação continue não só em relação aos indivíduos indefesos como às minorias desorganizadas. Quando os grupos muçulmanos se tornarem mais conscientes e exigirem os seus direitos então o Estado terá que ceder. É a hora dos grupos que não a da pessoa.

A democracia recebe a sua legitimação da vontade do povo organizado. A democracia, no seu mais íntimo é auto-destrutiva vivendo das periferias da sociedade e da sua inconsciência. Um dia que estas acordem a democracia terá de dizer adeus! A não ser que se desenvolva uma outra consciência humana, que não a actual alimentada das sobras do que falta à minoria.

Como podem forças políticas exigir humanismo aos próprios cidadãos se não salvaguardam os seus interesses compensando apenas o défice de credibilidade com a defesa das minorias estrangeiras? Enquanto dominar a filosofia dos grupos uns contra os outros não resta hipótese ao recém-chegado senão organizar-se e fechar-se em grupos.

Pressuposto para uns e outros no sentido de garantir um futuro pacífico em harmonia seria que uns e outros reduzissem as armaduras culturais a um mínimo, e ousassem individualmente ser pessoa sem aquelas tradicionais ‘canadianas’ que os torna súbditos. O fato cultural que cada um traz vestido para poder passar o Inverno sazonal existencial torna-se então numa couraça que nos agrilhoa à própria cultura impedindo-nos de ver mais longe e de nos descobrirmos a nós como pessoas. Não fomos iniciados na construção duma identidade participada como preveria uma antropologia pressuposta na Trindade (identidade pessoal mas comum). Para isso seria necessária a implementação dum modo de ser e de estar que visse a cultura e a instituição como transitórias e o ser humano como permanente. Então as entidades desaguariam umas nas outras, no desenvolvimento do Homem novo que se encontra a definhar debaixo das ruínas da própria existência e da própria cultura. Então tornar-se-iam supérfluos os critérios fixos de identificação homem/mulher, nacionalidade, raça, cultura ou religião. A construção duma identidade comum no trabalho pelo bem comum deixaria de emperrar na arrogância desumana das instituições que em nome da defesa humana degrada o Homem.

Padrões culturais deveriam servir apenas como os braços duma mãe que se estendem para o filho a fim deste aprender a andar e depois se desenvolver e assim a poder abandonar e tornar-se ele próprio.

As culturas têm muito de comum, que aprenderam umas das outras, num processo de desenvolvimento difícil e moroso. Importa descobrir a sua razão de ser para as submeter à humanidade.

Somos cidadãos do universo, não podemos continuar fechados no casulo da nossa nacionalidade, da nossa cultura, da nossa religião. Sofremos de aziúme a mais da nação, da economia, da religião, da ideologia e do partido. As diversas estruturas para serem congruentes deveriam procurar realizar o cidadão do universo em vez de apostarem tanto na desconfiança, na estratégia do medo e do perigo para o instrumentalizarem em seu serviço.

Entretanto, o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos terá muito que fazer, não só na defesa do direito à poligamia e de outros costumes muçulmanos como em relação à discriminação dos cidadãos pelo Estado. Até lá vai-se vivendo do não desenvolvimento da consciência civil e da sua desorganização.

Vamo-nos acalentando na esperança do melhor e vivendo das migalhas de direito caídas das mesas dos seus detentores.

António da Cunha Duarte Justo

segunda-feira, 15 de setembro de 2008

COMO TRATAR O CANCRO

Um Médico consegue armar-se contra o Cancro
António Justo
Dado contactar no meu dia a dia com pessoas com cancro acrescento aqui algumas ideias sobre o assunto, recomendando a leitura de David Servan-Schreiber.

David Servan-Schreiber neurólogo e psiquiatra, depois de ter visto curado o seu tumor maligno no cérebro, passados sete anos, teve uma recaída aparecendo-lhe um segundo tumor maligno. A partir daqui não se abandonou nas mãos dos médicos, questionando-se sobre o que deveria fazer ele mesmo para interferir no processo de cura. Neste sentido procurou acompanhar a chemoterapia também com meios alternativos.

Constatou que o fortalecimento dos mecanismos de defesa do corpo era essencial para impedir o crescimento do tumor. Nas suas experiências verificou que o gene não é decisivo para o aparecimento do cancro. Mais determinante parece ser o solo alimentício que as células cancerígenas encontram no corpo. Uma vez que o cancro tenha aparecido, a alimentação não o pode dominar sozinha. O sistema imune, sozinho, é uma arma demasiado fraca contra o cancro. Mas uma vez que se tenha dominado o cancro através dos métodos convencionais, então é preciso fortalecer-se o sistema imune através duma alimentação natural adequada e dum estilo de vida equilibrado para que o cancro não tenha tantas chances. Com a idade o sistema imune enfraquece!...

O autor, baseado na sua experiência, escreveu em 2007 o livro: “Anticancer. Prevenir et lutter grâce à nos défenses naturelles”, agora traduzido para Alemão com o título „Das Anti-Krebsbuch“. Encontra-se traduzido em português com o título: ”Anticâncer : Previnir e Vencer Usando Nossas Defesas Humanas”. O autor procura apresentar o cancro também sob a perspectiva do paciente. Para ele os nossos mecanismos de defesa naturais têm um papel decisivo na cura. No Ocidente dão-se de 7 a 70 vezes mais casos de cancro do que na Ásia embora aqui as pessoas tenham a mesma quantidade de microtomores. Mais que o gene parece ser o modo de vida que determina o aparecimento do cancro.

Como proceder contra as condições fomentadoras do cancro? Entre outras temos o ambiente, alimentação, feridas da alma e a fraqueza do sistema imune (processos de inflamação).
Cancro torna patente a transitoriedade e a fragilidade da vida.Na prevenção é importante prestar-se atenção ao estilo de vida e às causas ambientais. A sua mudança pode tornar-se num factor impedidor do desenvolvimento dos microtumores. Isto porém não anula as formas tradicionais de tratamento.

As células cancerígenas são caóticas, não obedecem a regras e colocam o corpo em estado de sítio. O seu inimigo é o sistema imune. O sistema imune reage bem a alimentação sem venenos, ao movimento, às emoções positivas. Ele pode ser activado através de “culinária mediterrânea, indiana e asiática, através de sentimentos vividos, de calma e serenidade, do apoio através de amigos e família; do aceitar-se como se é, com os seus valores e a própria história e através de movimentação regular”.

Quanto mais leguminosas, feijão, ervilhas e lentilhas se consome num país, menos cancro se regista. O consumo de azeite ou de óleo de linhaça, em vez doutros óleos, é bom contra o cancro. A proximidade, a autenticidade, alegria de viver, são muito importantes. Em 1940 em cada 100.000 mulheres havia cerca de 50 com cancro de peito. No ano 2000 em 100.000 havia 140 casos. Nota-se uma relação entre o desenvolvimento da agricultura e a alimentação. O aumento do açúcar refinado, da farinha branca e óleos de planta, todos sem proteínas, sem vitaminas nem minerais tem aumentado desproporcionalmente favorecendo o rebentar do cancro. O cancro alimenta-se de açúcar. O açúcar amarelo não é tão prejudicial.

Um dos perigos é também os charlatães! Estes notam-se pelos tratamentos alternativos caros que apresentam; ou quando fazem depender o efeito do tratamento do desejo autêntico do paciente; ou quando o terapeuta não quer colaborar com o médico e aconselha o paciente a renunciar aos métodos de tratamentos convencionais. Há muita gente interessada no negócio com os doentes!... O efeito placebo também pode ser um elemento não desprezível.

Rituais e tratamentos através de “pessoas espirituais” ou de meditação e oração são métodos de fortalecimento da força vital do paciente e da libertação das forças negativas que o ameaçam (tais como medos e culpas). O paciente deve recuperar a sua integralidade reencontrando a sua paz interior. Ao ser ajudado recupera energias perdidas no seu sentimento de impotência, de abandono e de medo e da carga do passado. Desejos insaciados, esperanças desiludidas, frustração, falta de sentido fomentam o stress e a entropia.

A coerência de corpo e alma e a ressonância de pensamento e coração pode ser alcançada também através da meditação. Um bom meio é a concentração na respiração. Ao centrar-me na respiração torno-me automaticamente consciente do meu corpo, movendo em sua ajuda outras forças emocionais e espirituais. O nosso lema central deveria ser: viver mais conscientemente para podermos ajudar a mudar o nosso comportamento e o das nossas células.

Há casos tão extremos em que só resta já a oração. Na oração não se trata de pedir o milagre mas de se mover no mundo do milagre. Trata-se de mobilizar as reservas latentes na consciência individual e comunitária. Não estamos sós. Deus está em nós e connosco. Ele não quer o nosso mal nem a doença. A doença faz parte do mistério e o desbloqueamento dela não está completamente nas nossas mãos. Há pessoas que se curam outras não e não se sabe porquê. Há pessoas com uma vida espiritual e alimentícia muito cuidada que morrem de cancro enquanto que outras sem esses cuidados são mais resistentes. Para muitas coisas não há explicações e, por vezes, o refúgio no mundo das ideias impede-nos de entrarmos em nós mesmos.

O nosso pensamento não pode ser ditado pela doença, nem pela opinião de quem quer que seja. Às vezes temos que “fazer das tripas coração”! Apesar de tudo só nos resta ver a vida como projecto e orientar o fluxo da energia para um objectivo surgido do interior e aquecido no sentimento e na confiança. Sentido e decisão conduzem à harmonia interior.

Para um desenvolvimento sadio é importante a interpretação da doença, numa reacção positiva, para assim melhor possibilitar o desenvolvimento das próprias capacidades. O sentimento de impotência também pode tornar-se em oportunidade para um redobrar de forças no sentido dum novo começo na descoberta da vida como projecto...

“Levai os fardos uns dos outros… (Gal 6,2). A dor no mundo é incompreensível e não tem resposta. Não temos o mundo na mão nem tão-pouco a nossa vida. Ao lado da perspectiva da cruz só fica a escuridão. O pregado na cruz é, entretanto, ao mesmo tempo o humilhado, vítima da dor e o exaltado.

António da Cunha Duarte Justo

domingo, 14 de setembro de 2008

MEDITAÇÃO MARIANA

A Ciência confirma Efeitos curativos das Rezas
António Justo
As áreas científicas da medicina, da teologia, da sociologia e da psicologia cada vez se complementam e interferem mais. A ciência através de investigações feitas na universidade de Pádua, pelo cientista Luciano Bernardi, descobriu experimentalmente que a forma meditativa e rítmica da reza do Terço alternada sintoniza os ritmos biológicos do corpo, cria harmonia e estabiliza a saúde da pessoa. A recitação da Ave-Maria assim como de jaculatórias meditativas (mantras) e de ladainhas provoca fisiologicamente o retardamento da frequência respiratória fortalecendo assim o coração e os pulmões. Os fôlegos (inspiração – expiração) do adulto têm uma frequência de 12 a 20 por minuto. Verificou-se que durante a reza alternada da Ave-maria a frequência respiratória chega a baixar a seis fôlegos por minuto. A baixa frequência respiratória conduz-nos à sintonia orgânica do corpo através da influência da frequência cardíaca da regulação da tensão arterial e da ressonância com o universo na participação do espírito.

É de registar que em diferentes culturas as palavras, respiração, atmosfera, ambiente, se encontram etimologicamente interrelacionadas.

O medo, a ansiedade, a depressão, o stress, a excitação aceleram o ritmo da respiração e com ela perturba-se o ritmo cardíaco e a tensão. A interferência na actividade respiratória provoca a regulação do metabolismo da ligação do oxigénio e dióxido carbónico no sangue, mudando-se assim, com ela, a química do sangue.

A técnica da respiração, usada também na reza do terço, une a parte superior do coração – razão com o abdómen, criando assim uma frequência de vibração dos órgãos, na sintonia e interacção da matéria e do espírito. No recolhimento, o medo e o sentimento de impotência dão lugar à mudança surgindo o sentimento de satisfação e realização.


Meditação da Reza do Terço
A Reza do Terço em grupo e em privado desvia-nos do ritmo do dia a dia introduzindo a pessoa numa frequência ritmada que possibilita, através da respiração abdominal e da concentração, o acesso à vida interior e ao equilíbrio psicossomático. Para o efeito entram em sintonia: coração, cérebro, pulmões e consequentemente o espírito. Através da respiração consciente, no abdómen, no peito, nos ombros sentem a tensão e distensão do inspirar e expirar unido ao coração e ao sentimento espontâneo. Aqui se interfere a acção do corpo e do espírito em colaboração e interferência mútua. Assim se contribui para o equilíbrio da vida. Se alguma parte do nosso corpo está dolorosa podemos, através do pensamento dirigir para lá a respiração para que também esta parte seja, de forma dirigida, incluída no jorro da vida, no amor.

O saber religioso de que a respiração unida à palavra conduz à unidade no sentido original da religião: re-ligar, é um património de toda a humanidade. A consequente paz interior é um efeito acessório. A reza do terço, no sentido católico, não se deixa reduzir a um método de higiene corporal e mental. As diferentes técnicas das diversas culturas, porém, sem o espírito de entrega, e sem a diferenciação dos espíritos, poderiam ficar apenas por uma experiência sentimentalista equívoca (1 Cor 19).

Curioso é o facto da recitação do terço, na igreja católica, ser conduzida, por todo o lado, por dois grupos, de maneira alternada, correspondentes à inspiração e à expiração. Enquanto o padre, o dirigente ou um grupo recita, dum folgo, “Ave-maria, cheia de graça, o Senhor é convosco, bendita sois vós entre as mulheres e bendito é o fruto do vosso ventre, Jesus”, o grupo responde “Santa Maria, Mãe de Deus, rogai por nós pecadores, agora e na hora da nossa morte. Ámen.“ Também, na reza individual, a primeira parte corresponde à expiração e a segunda à inspiração.

A reza sintoniza as forças através da respiração ritmada que une o exterior ao interior e fomenta o ritmo cardíaco natural e a concentração da inteligência, resultando daí o bem-estar que predispõe a pessoa para a recepção de mensagens religiosas, para a percepção intuitiva, para a entrada em contemplação.

Na devoção popular, além da recitação do Terço são métodos comuns de acesso à contemplação o uso da repetição de palavras, frases em voz alta, em voz baixa ou simplesmente em pensamento. Cada pessoa, segundo o seu estado e mentalidade, encontra inconscientemente a palavra, jaculatória que melhor lhe corresponde. Na pastoral juvenil usa-se também o canto no passeio, a observação do pôr / nascer do sol, da natureza, juntando-lhe o elevar das mãos como formas de acesso ao mistério.

Em oração inspiro o sol da vida e expiro o descanso da noite. Então o mundo respira em mim e eu respiro o mundo. Nesta atmosfera fomenta-se o acontecer da harmonia da “mens sana in corpore sano.”

No cristianismo há diferentes espiritualidades, geralmente ligadas a tradições monásticas ou a congregações religiosas, praticando-se aí as mais diversas formas de meditação, geralmente também aferidas ao meditante / orador. Nos ortodoxos está muito generalizada a prática da concentração no coração e de na inspiração dizerem “senhor Jesus Cristo” e na expiração “tem compaixão de nós”. No cristianismo, em geral, além de jaculatórias mais ou menos individualizadas é frequente o uso da palavra “Jesus” na inspiração e da palavra “Cristo” na expiração. Cada circunstancia pode solicitar uma palavra comum característica, tal como podemos verificar a alegria da época pascal na expressão: “Oh, Aleluia” Na escolha das palavras predilectas, geralmente usa-se a palavra ou parte mais curta na inspiração e a mais longa na expiração.

Outras formas de meditação praticadas nos conventos são: a meditação através do andar, dos gestos, do canto monótono, do silêncio, de ladainhas e de outras palavras surgidas do coração ou da tradição religiosa, ligadas à respiração.

Uma forma concreta e eficiente de iniciar a oração ou meditação pode ser: concentração na respiração abdominal, para na percepção do corpo se passar depois à palavra. Posso começar pela jaculatória, ou mantra “Oh tu (ao inspirar), Maria (ao expirar) ” para assim entrar na sintonia psicossomática e espiritual. Aqui se unem corpo e espírito a caminho do meu centro. Passo a ensimesmar-me de modo a sentir o jorro da energia universal, o amor, em mim e assim tornar-me parte vibrante dum todo em relação mútua.

Uma outra jaculatória pode ser “Respira em mim, tu Espírito Santo”. Com o tempo podemos nós passar a respirar nele. Uma pessoa não religiosa poderá usar, entre outras, a fórmula “Respira em mim, tu elan vital”.

A repetição individual, como a reza alternada em grupo, com o correspondente eco monótono criam o ambiente propício à dissolução das ideias e emoções do dia a dia. A ligação da palavra à respiração abdominal e ocasionalmente à cantilena daí resultante amplificam a possibilidade de viver o momento presente. Aí deixo de ser estrangeiro para fazer parte do Ser todo. O mesmo se diga da oração privada.

A Deus, à ipseidade pode chegar-se também através do vibrar do som (“No princípio era a palavra”). O ritmo da palavra e da respiração libertam-nos do pensamento, possibilitando-nos o acesso a outras esferas da realidade, mesmo à contemplação. Naturalmente que estes métodos não podem ser fins em si mesmos, doutra maneira não passariam duma forma sofisticada de atingir experiências semelhantes às da droga.

Trata-se de encontrar a alteridade em relação com a ipseidade, a divindade em nós e entrar assim na ressonância divina. O Mestre Eckehart testemunhava esse processo com as seguintes palavras: “ Deus está em nós, mas nós estamos fora de nós. Deus está em casa em nós, mas nós estamos no estrangeiro.”

A oração ou meditação poderão constituir um momento gratificante no processo criação, incarnação e ressurreição em que estamos envolvidos. A verdade última é a realidade trinitária.

António da Cunha Duarte Justo
“Pegadas do Espírito”, Quinta Outeiro da Luz, 2008

sábado, 13 de setembro de 2008

Meditação e Respiração

Respiração na Tradição Ocidental
António Justo
„No princípio Deus criou os céus e a terra… e o Espírito de Deus movia-se sobre o semblante das águas” (gen 1,1). O respirar de Deus, a força da vida ( a “ruach”= vento, tempestade, o respirar da vida) penetra então todo o ser. A Ruach é o oxigénio espiritual que a tudo dá ânimo. A criação processa-se, desenvolve-se respirando o Espírito Santo.

A cadeia dos metabolismos da respiração interfere na regulação do ritmo pulmonar, cardíaco, tensão arterial, estado psico-somático até ao limiar do Espírito. O ritmo da inspiração e expiração ao provocar movimento abdominal e torácico num movimento de contracção e extensão concentra-nos no corpo e provoca uma abertura geral. Tudo se move, tudo se relaciona. Todo o universo macroscópico e microscópico, material e espiritual, participam do mesmo respirar, da força divina (Ruach).

A vida de Adão começou com o sopro, o hálito de Deus nas suas narinas. Se nos concentrarmos, sentimos segredar do seu sopro no respirar do nosso ser, no marejar do mar, no ciciar da brisa do céu.

A frequência rítmica reduzida de pulmões, coração e cérebro, ajuda-nos a entrar na ressonância universal, na frequência da Ruach (Espírito, sopro). O universo tal como a nossa corporeidade segue o seu ritmo mesmo a nível inconsciente tal como acontece com a respiração na sua qualidade de parte do sistema vegetativo nervoso. Neste processo experimentamos a satisfação de embarcarmos com ele e assim possibilitarmos uma mudança no nosso corpo e na nossa alma. Pela meditação procura-se tornar consciente e presente estes diferentes impulsos.

Pela respiração o dentro e o fora, a vida toda, encontram-se em equilíbrio. Também a respiração abdominal é mais saudável para o corpo e alma. Ela une a parte superior à parte inferior, o cérebro – coração ao abdómen. Na inspiração poderemos ver o acto do pensamento e na expiração o acto do sentimento. Um e outro formam uma unidade perfeita, tornando a matéria e o Espírito compatíveis. Se, em relaxe, nos concentramos na inspiração e expiração seguindo apenas o seu ritmo, sem em nada pensar, então, passado algum tempo, o mundo todo passa a respirar em nós, movido pelo mesmo espírito, que pode ser sentido como amor corrente. Na respiração sentimos corporalmente o efeito do ar e talvez espiritualmente o efeito da acção do Espírito Santo.

Se num lugar calmo nos concentrarmos na respiração facilmente tomamos uma percepção agradável do nosso corpo e com o tempo experimentamos a paz do Espírito em nós. O Espírito, a força criadora divina, revitaliza-nos até aos poros mais íntimos do nosso corpo e da nossa alma. Leva-nos a sintonizar com o universo, com o espírito, tornando-nos parte do todo.
“O meu povo jamais será confundido… acontecerá que derramarei o meu Espírito sobre toda a carne: os vossos filhos e as vossas filhas profetizarão; os vossos anciãos terão sonhos, e os vossos jovens terão visões, derramarei o meu espírito sobre os escravos e as escravas”(Jo 3,1-2). A força do espírito é de tal ordem que inebria de energia libertadora todo o homem e toda a mulher acabando com as aquisições e valorizações da carne, para a espiritualizar.

Irrompe o Pentecostes, o tempo da verdadeira comunidade. No momento da dificuldade o Espírito do Senhor desce sobre nós possibilitando o amanhecer do Pentecostes em nós. Neste momento indivíduo e comunidade tornam-se num só coração, criador e criação tornam-se solidários. Aqui acontece o Reino de Deus, a democracia espiritual. “Quem não nascer da água e do espírito não poderá entrar no Reino de Deus… O vento sopra onde quer; ouves a sua voz, mas não sabes onde vem, nem para onde vai. Assim é todo o que nasceu do Espírito”(Jo 3, 5 s). O homem velho que vivia na sombra do mal descobre a luz que ao inebriá-lo o torna novo, e então a faúlha do amor torna-o novo, tal como o fogo que enrubescedor do carvão e do ferro mais negros na forja..

A água lava-nos e o Espírito transforma-nos porque vem de Deus. Cheios do espírito estamos preparados para dar à luz e repetir o acto de Maria no presépio. O espírito mãe em nós desperta a fertilidade e provoca o novo nascimento. Dele surge uma mentalidade nova, um espírito de compreensão diferente do mundano. “O consolador, o Espírito Santo que o Pai enviará em meu nome, Esse ensinar-vos-á todas as coisas e vos recordará tudo o que vos tenho dito”(Jo 14, 26). O espírito novo, o amor leva a superar a incompreensão das diferentes línguas e culturas. Agora surge o tempo da inspiração que ajuda a superar as fórmulas rígidas das culturas permitindo ver o que as sustém. O espírito jorra em nós, já não somos escravos mas senhores, de estirpe divina. Em nós há muitos dons do espírito escondidos. O barulho da vida e a voz das leis e dos senhores do mundo é tão alto que não deixa perceber mais nada. Se queremos sair do turbilhão no labirinto da vida teremos de parar e aprender, de novo, a ser. “Eu sou o caminho a verdade e a vida.”

Já na Idade Média havia a tendência para mediante técnicas de respiração se facilitar o alcance do estado da profecia. O conhecimento de Deus não se pode alcançar através da especulação mas através do “coração” (lugar da vida divina, entre coração e cérebro), à sombra das ideias, ajudado pelas técnicas religiosas – místicas em ligação com a fala e a respiração. Na sabedoria asiática e na mística cristã a acção do espírito acontece no confluir e jorrar comum de emoção e razão, no confluir da matéria e do espírito, do Jesus e do Cristo.

O canto gregoriano dos conventos, e das igrejas, os encontros de Taizé onde se cantam cânones repetidos e vocalizados, unidos à respiração conduzem à ressonância corporal e espiritual, à vibração universal, ao limiar do espírito e da matéria.

Na palavra aleluia ou no vocativo “oh Aleluia”, encontram-se propriamente todas as vogais que constituem os mais diversos acordes do nosso ser e os sons do universo. A vibração surge do nosso centro para se espalhar em todas as direcções. Os diferentes tons, cantados no ritmo da respiração, provocam a abertura global. O espírito de Deus sopra vibrando na palavra. Do fundo do coração ressoa a essência da nossa alma na vibração do “tudo em todos” de que falam João e Paulo. Os pólos do corpo e da alma, do espírito e da matéria, do céu e do universo unem-se para deixar lugar apenas à ressonância amorosa.

O nosso coração torna-se no centro do universo, passa a existir só a relação, a relação trinitária no substrato do amor. “Já não sou eu que vivo, é Cristo que vive em mim”. Agora tornado na natureza Jesus Cristo, o Céu e a Terra abraçam-se, como o esposo e a esposa na consciência duma nova realidade, a realidade trinitária do um em três, do eu no nós. A linha horizontal e a linha vertical tocam-se tal como o espaço e o tempo.

O nosso corpo na forma de cruz abraça toda a humanidade, todo universo. Se na inspiração o universo, Deus, nos abraça, na expiração abraçamos nós Deus, o universo. No amor ágape fraterno universal, sentimo-nos como um invólucro (1 Cor 3,16), uma taça, um sino no qual o ressoar se torna toda a presença.

O movimento da respiração pode então também ser dançado e expresso nos mais diferentes gestos. Fora e dentro, espírito e matéria estão em relação vital como sombra da realidade trinitária. O amor passa a ser o ar que se respira; o espírito que tudo une leva-nos ao mais profundo do nosso ser, do ser universal, da divindade em nós (Rom 5,5). Também no respirar podemos sentir o eco da voz de Deus. Na intimidade desta oração se unem poetas, músicos e religiosos, crentes e não crentes na vibração comum do amor, do Espírito Santo. A nossa humanidade depende do fluxo do amor em nós presente.

A técnica da meditação predispõe-nos para o actuar e agir do Espírito em nós. Ajuda-nos a encontrar outros acessos à Realidade para lá do acesso racional teológico mas sem o excluir. A ânsia da relação, e a procura do sentido manifesta-se na palavra tipicamente portuguesa “saudade” que exprime o profundo espírito poético e religioso da solidariedade existencial e mística. Ela é o lugar da casa paterna, da realização. No inspirar está o movimento para a vida, no expirar o movimento para a morte.

Na respiração unida ao próximo acontecem massagens de reanimação. O amor expresso na Ruach é presencializado (Jo 14,15-21) pelo nosso respirar no amor (Jo 15, 9-17). Deus está-nos mais próximo que o nosso próprio respirar, dizia também Agostinho.

A natureza está sempre presente nos momentos mais significativos da presença de Deus: no Arco-Iris, na trovoada, na volta de Jesus como faísca ou raio (Lc10,18; 17,24), na abertura do céu no baptismo (Mc 1,10), no tremer da terra na sua morte (Mt 27,51).

As metáforas dos sentidos apontam para uma realidade mais profunda. Na solidariedade cristã universal aí se experimenta o mundo como o “meio divino” como tão bem soube formular Teilhard de Chardin. Em Cristo tornamo-nos tudo em todos como tudo se transforma em Jesus Cristo, reconciliando-se nele a Matéria e o Espírito. Nele, o aqui e agora, têm sentido, sendo assim o optimismo um característico do espírito cristão.

António da Cunha Duarte Justo
“Pegadas do Espírito”, Quinta Outeiro da Luz, 2008

quarta-feira, 10 de setembro de 2008

Saúde é Harmonia

António Justo
Saúde resulta da harmonia entre espírito e corpo. A fé e a ciência complementam-se na sua tarefa de mobilizar a energia curativa da natureza. Se a ciência procura o sentido e as leis do mundo exterior, a fé procura sondar o sentido do interior do mesmo mundo e a relação entre eles. São duas perspectivas complementares da mesma Realidade. Há uma coerência entre os mundos, físico, moral, psicológico, fisiológico e espiritual. Criador e criado formam uma relação de destino comum. O criador é a força actuante da criação em relação íntima. Tudo se encontra em comum e a caminho.

Na descoberta da fonte divina no nosso mais íntimo, as fronteiras de nós mesmos passam a transcender o espaço e o tempo. Deixamos de ser o espectador à beira-mar, para, do sentir do seu marulhar, passarmos a ser a própria água, a essência. O que resta é ritmo e ressonância. Na minha respiração reconheço então o ritmo do vaivém das ondas e das marés…

Desta perspectiva o espírito passa a ter o domínio sobre os elementos, transfigurando-os mesmo. Ao reconhecer-me mar, o murmúrio das ondas já não me mete medo nem a sua infinidade me angustia. O que fica é a essência da água. Assim descubro a minha energia, o espírito divino que tudo enche e que reconheço também na neblina matinal, nas nuvens mais leves ou mais carregadas. Então a energia-vital assoma ao meu corpo tornando-se todo o universo numa orquestra cuja melodia ressoa em todo o meu ser, tal como o marulhar do mar. Aí, mesmo os acordes desafinados se tornam parte integrante da melodia universal.

A energia positiva tal como a negativa é contagiosa. Se nos ficamos apenas pelo âmbito dos fenómenos, a realidade continuará a parecer contraditória: dum lado a terra do outro o mar, dum lado a matéria, do outro o espírito. O problema geralmente está na nossa cabeça, no mundo da ideia. Esta pode ser o princípio do problema ou o princípio da sua solução. Se não fosse a ideia do bem quem suportaria a vida? Aquela predispõe-nos para uma compreensão participativa das leis que nos governam e regem o universo. Tudo é energia em relação, tudo é espírito, tudo se reduz à realidade trinitária! Trata-se de superar o diálogo para entrarmos no triálogo…

Tudo se influencia num relacionamento mais ou menos materializado semelhante às forças que regulam os astros. A Lua na sua inocência distante influencia as marés e mesmo o sucesso das sementeiras, tal como a donzela atrai o jovem na sua graciosidade, tudo gerando à volta do Sol, do Espírito, na força do amor.

Assim como uma ventania arrasta o negrume das nuvens que encobre o Sol assim os problemas podem encobrir o brilho do nosso espírito a ponto da nossa alma ficar só na escuridão. O que se dá no macrocosmo acontece no microcosmo. O que se dá no espírito reflecte-se no corpo e vice-versa. A experiência revela-nos que um espírito bom, um simples abraço, uma palavra, um olhar, um sorriso podem provocar alterações fisiológicas positivas inconcebíveis em cada um de nós.

A própria imaginação da saúde já é suficiente para movimentar em nós as energias curativas jacentes. A abertura ao divino, à ipseidade desbloqueia as forças do espírito. Ao reconhecer que Deus me é mais íntimo que eu mesmo entrarei na sua unidade, reconhecendo-me como espírito. “Eu e o Pai somos um”. Do âmago do meu ser jorra então o espírito por todos os poros do meu ser: o alvorecer do espírito em mim alumia e vivifica toda a paisagem do meu corpo e os meus horizontes.

Deus não pôde impedir a doença mas pode dar-nos novas capacidades, dar-nos força para a aguentar ou mesmo sarar ou mudar estilo de vida. Mesmo quando todas as luzes cá fora se apagam, no meu íntimo resta a minha luz, a luz divina que tudo iluminará. A força do amor é a força que nos alimenta e nos alumia o caminho. O deus demiurgo só cria, o nosso Deus também ama. Este amor foi-nos transmitido para podermos interferir no processo da criação.
Não se trata de merecer ou de ser ouvido nem de se fixar na ideia duma oração mas de estar predisposto e aberto. De facto não se sabe porque é que uns se curam e outros não. Importante é abrir-nos para possibilitar em nós as potencialidades que a natureza traz em si mesma. Para isso procuremos mobilizar a nossa intuição e a nossa razão no sentido de alcançar a saúde. A união com Deus tornar-nos-á fortes activando a força da vontade para agirmos no sentido da cura. O sentido da meditação ou oração é possibilitar o contacto com a natureza e com o próximo.

Então recolho-me no silêncio do meu quarto, entro dentro de mim mesmo para dar lugar à harmonia, num exercício de eutonia, ouvindo música, o silêncio, ou o respirar do universo. O processo de alívio e cura realiza-se na harmonia do meu expirar e inspirar. A paz invade-me ao sentir a plenitude do ser. Ao poder do espírito nada resiste. Neste ambiente é-me mais fácil reconhecer as causas da minha doença. Ao centrar o espírito sobre a minha sombra, sobre a parte dolorosa, a sombra e a dor, esvai-se donde se tinha aninhado. O espírito divino manifesta-se como a brisa primaveril que dá vida às flores do campo e estimula o chilreio dos passarinhos. O mesmo acontece na relva do meu ser então agraciado com o sol do Espírito. Então acordo rejuvenescido na consciência de que a vida precisa de mim. Reconheço que as plantas ao sol vivem mais, são mais saudáveis. O sol dá-lhes saúde e motiva o sentido. O sol do meu espírito inebria-me de tal modo que em toda a minha paisagem reconheço o Sol que me vivifica. Então um sentimento de segurança surge na minha alma e a impressão de ser necessário prolonga a minha vida na consciência do seu sentido.

As condições da nossa vida, as intempéries corporais ou psicológicas têm a sua causa no nosso espírito e no seu modo de se relacionar com as coisas. Do olhar e da nossa atitude de alma dependerá o tempo, o clima da paisagem, a nossa maneira de ser e de estar. Se o meu olhar é puro, a paisagem humana à minha volta não perturbará o meu humor. De facto, quando estou mal-humorado vejo o mundo turvo e transmito a minha agressão ao outro que inconscientemente se encontra com ela e não comigo mesmo, e vice-versa. Geralmente vivemos no desencontro de nós mesmos, no desencontro com os outros e com o mundo. Em vez de nos encontrarmos com o outro, encontramo-nos com a sua sombra. O problema não está na aranha mas no medo que se tem dela, na própria projecção! Lamentamos o sombrio rosto do vizinho, sem notarmos que ele se encontra sob a nossa sombra.

O medo e a insatisfação são como um íman que atrai as coisas mobilizando as forças negativas. Em vez do medo é preciso dar espaço à coragem, à confiança, à energia positiva que oportunamente se mobilizará. De facto o medo, o olhar desconfiado predispõe e paralisa. O medo e a excitação desviam-nos da Realidade e roubam-nos energias impedindo o fluxo da vida. Para que as ideias se tornem forças positivas pressupõe-se a iniciativa da vontade. Se procurarmos o bem, encontraremos o bem, se procurarmos o mal encontraremos o mal. Não podemos transformar-nos em caixote do lixo dos nossos queixumes nem tão-pouco no caixote do lixo dos outros. Trata-se de abrir as cortinas do nosso espaço e do espaço dos outros para que o sol entre. Então surgirá a brisa da inocência, da bondade e do amor que tudo quer abordar e inebriar. Então o vento das preocupações e dos desejos amainarão. “Olhem os passarinhos do campo…”. Eles seguem a ordem das coisas sem as complicarem com pensamentos ou emoções. Senão vejamo-nos ao espelho ou olhemos para a pessoa amada. O amor e a paz tornam-nos mais belos! O mesmo se verifica na harmonia do rosto das crianças ou no seu olhar, no trato do dia a dia ou quando lhes damos o “bom dia” inesperado ao passar por elas. Quando o nosso amigo nos fala das suas mazelas porque as fortalecemos acrescentando-lhes as nossas? Se um Cristo abandonado me encontra, talvez eu possa ser nesse momento a sua oportunidade, a sua outra parte, o Cristo ressuscitado. Se me conheço na totalidade, e se conheço o mundo só me resta perdoar e abençoar no amor…

Antes de nós está a ideia. Ela vem do espírito que é o fundamento de tudo. A ideia é com um magnete que conduz à acção. Se mantivermos a mente jovem o corpo manter-se-á jovem. Quem trabalha com crianças facilmente notará que estas se entusiasmam pelo educador independentemente da idade ou da aparência física deste. Condição é manter-se um espírito alegre, puro e aberto. Num ambiente despretensioso, dá-se então uma osmose, uma troca de vitalidade entre corpo e alma, entre as pessoas em relação.

A companhia de pessoas soalheiras, incomplicadas e optimistas favorecerá a fluência da energia positiva nas nossas veias e nos nossos nervos. Principalmente nos momentos em que nos sentimos mais fracos. As plantas não gostam da sombra; na sombra não se desenvolve a alma nem o espírito. Para tratarmos o corpo temos que começar pelo espírito. Na descoberta do sentido seremos o médico preventivo de nós mesmos. Então o nosso biótopo será mais harmonioso e nele raiará o sol e os passarinhos virão beber e espraiar-se na nossa fonte.

As más ideias, a fixação na doença ou na morte é como um vírus contagioso que infecta o corpo e a alma. A nível psicológico, no relacionamento com pessoas, certamente que cada um de nós já fez a experiência pela positiva e pela negativa. Se a pessoa é negativa e só fala de problemas, de doenças, da maldade dos vizinhos, o nosso espírito turva-se e vamos carregados e sombrios para casa. Pelo contrário se estávamos tristes e tivemos a dita de encontrar uma pessoa positiva, vamos mais aliviados para casa. O mesmo acontece na relação corpo espírito. Se o nosso espírito é pessimista e negativo, o nosso corpo inibe-se favorecendo o aparecimento dum sintoma corporal ou espiritual correspondente.

Naturalmente que também há males corporais que influenciam o espírito e acabrunham a nossa alma. No caso de doenças hereditárias a questão complica-se, mas também aí o espírito pode vir a dominar o corpo, ou pelo menos a activar os mecanismos de defesa fortalecendo o sistema imune. Não é empresa fácil a reparação de defeitos na malha das células e dos cromossomas. Aí precisa-se de muita força e também da ajuda exterior para se não tropeçar e não se tornar vítima. O espírito está por detrás de toda a mutação. O próprio tubérculo no recanto mais escuro dirige o seu embrião na procura do sol. A mais frágil semente chega a romper a dureza do alcatrão para avistar a luz do sol. Nós, pelas mais crustas da doença ou da desgraça que tenhamos em nós, conseguiremos descobrir o sentido da vida, o sentido do espírito, se nos abrirmos a ele.

É importante fortalecer o sistema imune interior. Se quero ver o Sol deixo de olhar para a sombra. Esta apenas pode ser um momento curto que me dá a oportunidade de descobrir a direcção do sol, que se encontra na direcção contrária. O mal, o ódio, a vingança, a doença, os maus pensamentos, o pessimismo, o desânimo, a inveja são zonas húmidas e sombrias propensas a todas as doenças parasitas do espírito e da vida.

Muitas vezes andamos encandeados pela vida sendo puxados por ela como um cão pelo seu dono. A necessidade, uma desgraça, tem, por vezes, o sentido de nos acordar para nós mesmos e de nos predispor para mudarmos o estilo de vida. Com as coisas que trazemos na cabeça e com a rotina perdemos a vida. Ninguém é culpado disto ou daquilo.

Tanto tu como eu, temos uma natureza comum, somos filhos da divindade! Participamos activamente da divindade do Pai e do Filho através do Espírito em nós presente. O Espírito, o Sol está em nós mesmos. Cada acto de esperança e de confiança é uma abertura ao raio de sol a passar pelo ramalhal da tristeza e do desânimo. As virtudes maiores são a ‘fé’, a ‘esperança’ e a caridade: a harmonia no amor; aquelas preparam esta. A melhor medicina é o espírito que nos conduz ao amor. “Em Deus tudo é possível”. A doença pode ser uma ponte para nós mesmos, para os outros, para Deus em tudo e em todos.

António da Cunha Duarte Justo
“Pegadas do Espírito”, Kassel, 2008

segunda-feira, 1 de setembro de 2008

Curar é Santificar

O Poder da Ideia e do Espírito
António Justo
Em alemão a palavra curar tem a mesma raiz que a palavra santificar. Pressupõe uma relação dialógica íntima entre corpo e espírito. Ambos se encontram integrados numa realidade mais abrangente: a harmonia com as leis materiais e espirituais no confluir do finito como infinito. Para descobrir a causa do meu estado físico ou psíquico terei de descer ao meu interior porque lá se encontra a origem dos meus sofrimentos. Do mais íntimo de mim mesmo jorram as energias da vida. A impedi-las estão os nós provocados pelas intempéries da vida, pelo medo e pelas excitações.

Porque correr tanto à procura de fontanários, na tentativa de apagar a sede, de se curar, se a verdadeira fonte se encontra no nosso interior? Já Agostinho dizia: “Deus é-te mais íntimo do que tu mesmo”, e dele jorra a vida de que fazemos parte. Aí no encontro do divino com o humano surge a relação vital, o amor que tudo inebria. Daí jorra a santidade, o espírito que tudo vivifica e cura. O odor dos frutos, as cores das flores, o sorriso das pessoas são expressão do mesmo amor. Saúde é a harmonia da alma e do corpo mergulhados no meio divino: o oceano da ressonância do todo na vibração do nós. Neste estado mesmo os factores fomentadores de desarmonia podem ser reintegrados e purificados. Ao encontrarmos a nossa ipseidade, Deus, a vida, então tornamo-nos a sua chama, formando um todo: o eu e o tu tornam-se num nós. “Quando dois ou três se encontram em meu nome lá estou eu no meio deles”. A perspectiva da parte ao reconhecer-se na perspectiva do todo supera em si as barreiras da parte.

Doença é desarmonia, é desconhecimento, separação, é falta de vibração e de relação, é a vela sem chama. As doenças são gritos da alma à espera dum eco, dum fósforo que a acenda e crie a união. Este fósforo também pode ser uma esperança, uma oração, uma pessoa, um acontecimento, que provoque em mim um processo de abertura a mim mesmo e ao outro. Então a emoção, o sentimento de alegria produzirá no meu corpo os mesmos efeitos que o Sol provoca na natureza. A excitação exagerada pode provocar um sentimento de alívio momentâneo tal como a trovoada ou o furacão que passa; o problema são os estragos que deixa.

Se a alma sofre o corpo entra em compaixão com ela tornando fisiologicamente visíveis os sofrimentos interiores e as suas causas. Quando o sofrimento é grande precisamos dos outros, da comunidade para nos restabelecermos. Em cada um de nós se encontram mananciais de vida pura profunda à espera de serem mobilizados em nosso favor e em favor dos outros. Para isso é preciso olhar e ver também para dentro. A mente predispõe e a fé espiritual mobiliza o espírito. O pensamento e a fé são forças que nos transformam. Um pensamento aprofundado na meditação ou na oração espiritualiza-se.

Muitas moradas abertas e Xamanes esgotam-se ao tentar mobilizar as próprias forças da mente e do espírito para as transmitirem ao doente. A força curativa porém já está presente. A própria pessoa deve colocar-se em segundo plano procurando a harmonia do espírito e abrir-se à ressonância universal possibilitadora da transmissão da onda curativa. Não somos nós que curamos, é Deus que em nós cura e salva. Ao entrarmos numa relação íntima com a criação e com o criador aurimos então da profundeza do espírito comum, do nós, da força harmonizadora que nos dá acesso à fonte da santidade que possibilita a cura. A confiança no médico, no padre, no acompanhante e a atmosfera espiritual preparam o espírito do paciente para o circundar da energia curativa. Também a sugestão pode mobilizar as energias mais salutares desde que o paciente colabore e assim possibilite uma continuidade no processo de cura. “Não peques mais” e não deixes os outros pecar em ti! A esperança acompanhada dum espírito desanuviado é o melhor desinfectante, o melhor purgativo para o corpo e para a alma. Quem crê não está só!

Na ordem física o gelo exposto ao calor modifica-se. Também na ordem espiritual o contacto com o brilho do sol, escondido no nosso mais íntimo, possibilita a mudança de nós mesmos e o desatar dos nós que impedem o fluxo harmónico da energia vital universal. Tudo isto acontece sem esforço, para lá das nossas verdades, estereótipos e do nosso querer. Lá onde o eu descobre o nós trinitário, onde o nosso ser reza “tu e eu somos um”. Aí se estabelece o processo de cura e de salvação e se reconhece no Sol a força que dá energia a todo o ser e se vê, na sombra e na dor, apenas a ausência da luz.

O esvair do sol da tarde traz consigo o frio e a escuridão que nos impede de ver. O Sol da razão, por vezes é tão forte que nos impede de ver aquilo que mais de imediato nos rodeia. Também o sentimento chega a ser tão forte que impede de ver as coisas mais claras. A toupeira, que não sabe nada da luz, apenas sente o frio ou a escuridão da terra!... O ser aberto é guiado pelo coração iluminado, pela intuição. A cura pressupõe entrar no processo trinitário imbuindo o espírito e o corpo.

Também o sacramento dos enfermos terá que ter em conta as duas componentes, tal como era praxe nos primeiros cristãos. Para isso será necessária a força da ilusão e das ideias para entrar na força do espírito, para lá do espaço e do tempo. A verdade é que cura. Não há explicações físicas da medicina para o placebo, além dos problemas de explicação para o efeito da homeopatia além dos problemas da dor criada e da dor querida. A fé, imbuída numa atitude de esperança, influencia o processo da cura. Luc 18, 42:”A tua fé te salvou”. O efeito “nocebo” também produz o contrário da cura, uma fé negativa, ou a desesperança.

Naturalmente que seria perigoso tentar explicar o mal, ou a doença duma forma mono-causal ou com uma solução simplicista. Cada um acarreta não só com a responsabilidade própria mas também com a da espécie. É importante fortalecer-se o espírito para que o infecto não se alije na mente. A fé não pode ser tomada apenas como medicamento. Trata-se de não se deixar subjugar pelas ideias negativas (ideias micróbios), pela inércia, pela mediação nem pelo medo. O cérebro domina o corpo e condiciona o espírito. A cura depende duma observação exacta do estado e consciência da pessoa englobando as suas circunstâncias corporais, mentais, espirituais e sociais. A irradiação do curandeiro pode ajudar a acordar a fé curativa, a mover as energias positivas. A cura depende duma observação exacta do estado e consciência da pessoa, onde se encontra a doença e os sintomas. O mediador terá de estar preparado para corresponder à consciência e deixar-se conduzir pelo espírito que intuitivamente agirá.

Os sistemas encobrem a verdade materializando-a. A verdade é como a luz do amanhecer que vai arrumando a treva, a escuridão. Esta vê-se na dor, na falsidade, no sofrimento, na miséria.

Na oração o orador procura a verdade viva numa tentativa de afastar da realidade o manto da ausência de Deus, manto esse que, por vezes, encobre as coisas.

No processo da cura é fundamental a criação dum estado de espírito aberto ao espiritual, latente em tudo e em todos. Não se tratará de usar dum poder duma pessoa ou instituição mas de se descobrir na comunhão e em comunidade a força do carinho que nos envolve. Uns falam da força da fé, outros dum magnetismo ou fluido que no fundo tem tudo a ver com a influenciação recíproca de corpo e espírito.

A excitação da faculdade imaginativa, bem como os ritos podem criar uma predisposição para mover a força do espírito, para a entrega nele. Não se trata de curar através duma crença mas de se tornar Emanuel. Então entraremos numa consciência de tudo abençoar, de tudo perdoar. Aí o fluxo da energia divina, o fluxo do amor envolve-nos, inebria-nos e o processo curativo e santificador inicia-se. Neste estado, a causa da doença desaparece. Pressuposto para a cura do corpo é a saúde do espírito.

As nossas ideias e sentimentos têm a sua quota-parte tanto no envenenamento do corpo e a alma como na sua purificação. As nossas ideias são as sombras do espírito pelo que no exercício da cura teremos que procurar transformá-las para entrar na ressonância com o espírito. O texto, a letra matam, revelando apenas a sombra da ideia, do espírito.

Numa linguagem um pouco estática poderíamos dizer que a matéria é a sombra do espírito ou a sua ausência, numa vivência dinâmica diríamos que o espírito é a outro lado da matéria. Há uma unidade essencial entre espírito e matéria já reconhecida no mistério da Trindade. Deus é vida, amor, verdade, corpo, alma e espírito. Na incarnação o Homem enche-se de Deus.


A moral consciente, o amor ao próximo, a humanidade, a esperança envolvida são os luzeiros a alumiar o caminho da alma. No falar se manifestam metáforas do espírito, da realidade. O espírito pentecostal transforma a palavra em Jesus Cristo. Verdade é acontecimento. Tal como o sol é o centro no qual se orientam e descansam todos os seus planetas, também no ser humano o seu centro estabilizador é a alma, o espírito. Assim se conseguirá ultrapassar os limites do parecer da matéria e entrar na harmonia do ser, na ressonância do espírito. Neste sentido terá de ser feito um esforço por integrar a ciência espiritual com a ciência material, para que a fé material não destrua a fé espiritual nem vice-versa. Assim como antes da acção está a ideia, antes do físico está o espírito.

Ao magnetismo do amor que tudo vivifica corresponde o magnetismo da coesão das coisas que num equilíbrio de força centrípeta e centrífuga dá coesão às coisas. Só o amor, o espírito subsiste por si e resplandece energia; o resto é sombra. Com efeito, o espírito alonga a vista e o horizonte sem negar a matéria, tornando-a apenas transparente. Entrar na harmonia divina significa actualizar a força, a natureza de Cristo e nessa tenção curar com o amor divino na procura do verdadeiro ser. O caminho, a órbita da vida é amor. “Ide por todo o mundo e anunciai a Boa Nova, curai os doentes e amai o vosso próximo como a vós mesmos”, dizia o Mestre de Nazaré. Trata-se de clarear o espírito para que este transforme a natureza.

Precisa-se duma cultura sã imbuída do amor que, como o fogo, transforma mesmo o ferro mais duro. Onde não há amor domina a violência ou a entropia. Até a hormona amígdala premeia o hábito mesmo que este seja doloroso. Toda a fixação é contra a vida: o físico quer satisfação e a alma aspira a perfeição. Habituados ao ser da noite apreendida como sendo a realidade, já não notamos a ausência da luz. A noite é apenas a ausência de luz. O espírito terá de prevalecer sobre o corpo porque pelo espírito é que tomamos parte na eternidade. “Já não sou eu que vivo é Deus que vive em mim”, constatava Paulo.

António da Cunha Duarte Justo

sábado, 9 de agosto de 2008

O Avanço do Islão dá Razão à sua Estratégia de Islamização do Mundo


A Turquia já é muçulmana. As últimas ilhas cristãs no mundo dominado pelos muçulmanos parecem ser o Líbano e a Etiópia que se terão de render também eles à sua pressão.

Numa perspectiva muçulmana a sua estratégia revela-se eficiente e vitoriosa. Na realidade quem vence conquista geralmente a razão e torna-se também o dono da verdade. Facto é que as regiões onde o islão entra tornando-se maioritário, essas zonas vão sendo pouco a pouco purificadas de todas as outras religiões, sejam elas o animismo ou mesmo o Cristianismo. Nas regiões onde entram instalam-se em guetos e daí organizam a sua influência. Têm com eles a paciência e o orgulho de saberem que vencem porque têm o deus Alá do seu lado.

O islão afirmou-se no Médio Oriente, que era o berço do Cristianismo, através da sua convicção e da identificação da identidade civil com a identidade religiosa: a sua Nação é o Islão, o resto é constructo decadente. No mundo islâmico o conceito Nação foi fomentado pelos cristãos em minoria, o que os tornou suspeitos como cidadãos nos regimes muçulmanos. No tempo em que os portugueses ainda se lembravam dos árabes, foram também eles eficientes nos seus descobrimentos!... Agora é a hora do islão!... O Mamon petróleo pode muito e também a nação está à disposição dado cidadãos serem incómodos pelo que há pressa em fazer deles proletários carentes.

No tempo das conquistas os soberanos muçulmanos subjugavam os seus súbditos cristãos com um imposto especial (Sura 9,29) sendo apoiados pela pressão social muçulmana duma maioria consciente que se sabia na posse duma verdade superior à dos cristãos. A medida islâmica de determinar que é muçulmano quem tem um pai muçulmano e de proibir aos cristãos o casamento com mulheres muçulmanas ou de quem deixar de ser muçulmano arriscar a própria vida parece dar-lhes razão. De facto, ainda hoje há muitas mulheres de outras religiões que ao casarem com um parceiro de religião diferente, abandonam a sua para adoptarem a religião do marido.

Muitos cristãos, para fugirem à repressão e discriminação tornam-se muçulmanos ou emigram. É o que nos tempos modernos acontece na Turquia, no Iraque e noutros países africanos de influência árabe. Assim, dos países pré-islâmicos, antigamente cristãos, ainda se encontram alguns redutos de arménios, Coptas, Sírios, Arameus, Etíopes, Eritreus, e Caldeus.

A estratégia muçulmana é fomentada por uma elite política europeia que apenas acredita no comércio e desacredita a própria cultura e a sua alma cristã. A religião e a política querem-se como o sal na comida! Os muçulmanos com o seu monoteísmo absolutista ganham razão perante outras civilizações em que o relativismo cultural já mostra a sua fraqueza latente. Há que aprender não só dos relativistas mas também dos absolutistas. Estes, da sua perspectiva têm razão em considerarem-nos decadentes.

Naturalmente que somos mais avançados com o nosso secularismo, mas, de facto os romanos também o eram e como nós preocupavam-se apenas com o “cum quibus” e desprezavam os seus deuses. Os bárbaros mostraram-lhes então como se faz História!...

O progresso tem o seu preço. Pena seria que os nossos progressistas na sua unilateralidade, em nome do modernismo e do socialismo, preparassem o retrocesso e a lógica hegemónica do poder e duma moral vulgar fácil. Então talvez seja possível a homossexualidade masculina mas coitadas das lésbicas e dos mais fracos.

Com o êxodo dos cristãos do Iraque e do médio oriente a monocultura islâmica ganha; porém com ela perde o mundo aberto à diferença.

O islão não permitirá uma pluralidade religiosa enquanto se afirmar através da jurisprudência e não aceitar uma ciência teológica.

Ele afirma-se sem contrapartidas para a outra parte. Será que estamos a preparar a Era do absolutismo ideológico e económico? Então será tudo mais fácil: Teremos a paz dos que mandam e a dos que obedecem; teremos a área masculina e a área feminina; o nosso Céu e o Inferno dos outros.

Perseguição aos Cristãos no Iraque

Cerca de 150.000 – 200.000 cristãos iraquianos vivem no exílio. São obrigados a sair da terra que já os acolhia antes do islão ter chegado. Os muçulmanos iraquianos arranjam todos os motivos para atacarem os cristãos. Argumentos para justificar a discriminação não faltam: proibição do exercício duma profissão em que cristãos tocam em muçulmanos ( médicos, cableireiros…). Argumentam que o Corão não o permite visto os cristãos serem considerados impuros; para o não serem devem converter-se. A identificação dos cristãos com os americanos vem mesmo a calhar!

Nas casas abandonadas pelos cristãos vivem agora os seus perseguidores. Alguns que voltaram foram assassinados. O assassínio dum padre e o rapto do Arcebispo Paulos Faraj Rahho, que morreu nas mãos dos raptores, querem sinalizar que os cristãos iraquianos têm que abandonar o Iraque.

É escandalosa a atitude dos políticos que não dizem uma palavra de apoio moral aos cristãos perseguidos. Em vez disso, como se nada fosse e para alardearem o seu multiculturalismo, organizam conferencias inter-religiosas para darem mais direitos religiosos aos muçulmanos sem qualquer contrapartida. A tolerância deve fomentar-se dos dois lados. Os minaretes que, pela Europa fora, se vão erguendo são lanças contra o povo ortodoxo e outros exilados cristãos que vivem em países cristãos devido ao contraste do trato. Os muçulmanos podem contar com a cobardia do Ocidente em nome duma tolerância irresponsável. Naturalmente que individualmente e como pessoas não deve ser distinguido entre eles e nós; todos devem participar dos mesmos direitos e dos mesmos deveres; direitos culturais deveriam ser vistos na reciprocidade. A dignidade humana não pode ser condicionada à religião ou credo.

António da Cunha Duarte Justo

2 comentários:

Jorge da Paz disse...

Prezado Prof. António Justo:

Gostei da sua coragem ao escrever este artigo que, infelizmente, não vai ter a divulgação que devia.

Porém, o meu ilustre amigo pouco realçou uma das causas que têm como consequência o que aponta: a sobranceria dos cristãos e mais concretamente a de inúmeros Papas que, ao longo da história não cuidaram de divulgar a principal mensagem cristâ: o amor entre os homens, entendido numa visão de fraternidade universal e de um Deus UNO, comum quer a cristãos, quer a muçulmanos, quer a judeus, quer até a muitas religiões orientais.

Repare que logo D. Afonso Henriques foi o primeiro a ser excomungado por não "obedecer" servilmente ao Papa e só no fim da vida a bula "Manifestum probatum", de um novo Papa, o reconheceu como rei cristão.

Depois foi D. Dinis que, por saber que era aos Templários que Portugal devia a sua existência (ele próprio, com a reconhecida sabedoria que tinha, teria sido um Cavaleiro Templário), não os prendeu nem matou e conseguiu ao fim de 10 anos de laboriosas negociações com o Papa, que só mudasse a designação para Ordem de Cristo e se não fossem eles não teria havido descobrimentos anos depois...

E D. João II e D. Manuel I travaram longas disputas com os Papas...

E muito depois nem o grande Padre António Vieira escapou à "cegueira" da Inquisição, sempre acirrada pelos Papas...

Tudo isto para apenas apontar como Portugal e por conseguinte a expansão da Fé Cristã foi prejudicada pela arrogância da Igreja Católica, que ainda hoje pensa que tem o "monopólio" de Deus.

E assim se dividiram os cristãos e se fortaleceu o islamismo.

Faça-se, porém, justiça, ao caminho do diálogo encetado por João Paulo II e que tudo aponta está a ser prosseguido por Bento XVI.

Em resumo: se o Islão está mais forte e arrogante, a responsabilidade é em primeira linha dos Cristãos (todos), a começar pela Igreja católica.

Não quero alongar-me mais, mas não podia deixar de pôr o dedo nesta "ferida"... para a qual eu também tenho culpa.

Um abraço,
Jorge da Paz

António da Cunha Duarte Justo disse...

Prezado amigo Dr. Jorge da Paz,
Obrigado pela tomada de posição.

Ao fim e ao cabo ela vem justificar a força muçulmana que por sua vez dá razão à atitude não cristã tida por muitos responsáveis da igreja católica e de políticos que se preocuparam demais pela defesa do institucional.

A crítica e a razão cristãs porém continuam presentes, também devido a uma instituição por vezes infiel. O que torna o adversário forte é a nossa consciência de culpa estática e talvez um desejo inconsciente deslocado de ver na mãe uma prostituta. Sei que não é o caso do amigo!

É verdade que a sobranceria de papas, da Democracia e do Liberalismo sobre outras culturas não constitui exemplo entusiasta. Esta é a nossa história que temos de melhorar numa relação crítica e adulta entre os interesses individuais e institucionais.

O Deus Uno sê-lo-á a nível metafísico; o problema complica-se a nível ontológico e cultural. Até porque as imagens de Deus estão condicionadas ao meio cultural que as expressa e este é muitas vezes contraditório, pensando muito boa gente equivocadamente que o Deus dos cristãos é o mesmo que o muçulmano ou mesmo o tal Deus Uno racional.
A visão cultural é sempre perspectivista condicionasda e utilitária.

Afonso Henriques agiu cristãmente na sua desobediência. A própria consciência é norma, a nível cristão, mesmo que se rebele contra o dogma ou contra a autoridade.

Que as instituições, sejam elas políticas religiosas, ideológicas, jurídicas ou económicas, façam o seu negócio sendo solidariamente entre si, é um dado factual da história.

D. Dinis seguidor da espiritualidade cristã templária foi o grande pilar da nacao, atendendo à sua experiência cristã e estratégia templária.

Que o poder institucional procure reduzir a vida filosófica cristã a moralismo entende-se pela própria natureza das instituições, que vivem do que retiram do indivíduo.

A Ordem de Cristo foi o resultado da inteligência e do ideário português, então profético e que com a acção da Ordem de Cristo alcançará a sua realização nos Descobrimentos.

É verdade que a Igreja se comporta muitas vezes como prostituta. Se o não fosse também, também o Ocidente não seria o que é hoje, com os seus avanços civilizacionais e a sua exploração. Naturalmente seria mais Oriental…

Cada instituição tem o seu tempo e correspondência a uma realidade social histórica.

Um dos factores que ajudou a Civilização Ocidental a um certo “progresso” em relacao a outras culturas, foi precisamente o seu pecado, o desvio dos princípios cristãos.

A realidade é que vivemos ainda na Era dialéctica e dos contraditórios, uma Era perspectivista. Valerá a pena apontar para uma realidade aperspectiva, a que eu chamaria de trinitária.

Os cristãos, orientados pelo Mestre de Israel, com uma ideia dum Deus pessoal trinitário, fomentadora do personalismo e da individualização naturalmente que trabalham contra a forca institucional hegemónica na construção duma comunidade de pessoas adultas e responsáveis.

A ideia tardia da globalização é o passo incluído e primeiramente exercitado pela Igreja no sentido de construção duma Europa Unida.

A agitação islâmica, devido a um complexo de inferioridade e a certas experiências históricas, atribui a culpa sempre ao Ocidente.

Facto é que, apesar de todos os erros e cobardias da igreja, a grandeza e a fraqueza do “Ocidente” tem por raiz a Igreja Católica.

Que as instituições rivais da Igreja, como certos movimentos socialistas e racionalistas, só conheçam a retrete da Igreja Católica é compreensível. O que não é compreensível é que queiram ser, ao mesmo tempo, defensores da civilização ocidental no que ela significa de universalismo, humanismo, democracia e solidariedade. Nisto é que importa apostar e não no refrescar dos próprios defeitos (que é preciso corrigir) que são os trunfos de ideologias que não se interessam com o humanismo.

Amigo Dr. Paz, sei que apenas queria apontar um outro aspecto da realidade. Como conheço um pouco porém as mentalidades correctas das nossas elites, não resisti a escrever estas duas linhas.

Trata-se de praticar o bem e de descamuflar o mal.

Um abraço amigo
António da Cunha Duarte Justo.

quarta-feira, 25 de junho de 2008

A REVOLUÇÃO FEMININA ESTÁ POR FAZER

HUMANIZAR – FEMINIZAR O MUNDO

António Justo

A revolução está por fazer. Até ao presente a história tem dado oportunidade à afirmação das forças da vertente masculina da pessoa humana numa reacção em cadeia. A história é o testemunho das revoluções masculinas. A revolução feminina está por fazer. Para mais facilmente notarmos a dicotomia do nosso mundo basta observarmos a dicotomia da realidade do mundo árabe, que é a nossa, embora um pouco mais acentuada.

A identificação, individual e institucional, tem-se afirmado na concorrência e manifesta-se numa constante assimetria nas relações homem-mulher, senhor-súbdito, razão e intuição.

A divisão de tarefas com a autoafirmação consequente com base a elas provoca a divisão em vez duma missão conjunta. Assim se faz a divisão artificial de espírito e matéria contrariando-os em vez de os coordenar e unir.

O espírito, o esperma, o homem tem-se afirmado contra a natureza, contra a terra geradora, contra a mulher, dando lugar apenas à dimensão vertical (cima - baixo, bem - mal) sem ter em conta a horizontal.

A terra reflecte naturalmente o brilho do sol, a força da chuva que nela cai numa relação íntima profunda fertilizada na união e missão comum: céu – terra. Um sem o outro não tem sentido nem identidade. Sem a gestação feita pela terra, sem a gravidez da mulher não haveria a fecundidade, o filho, o futuro. Assim não se pode dizer que espírito e matéria são desiguais no valor. Um ser está condicionado ao outro e deve o seu ser ao outro. Incarnação não tem sentido sem ressurreição, nem esta sem aquela; fazem parte dum ciclo trinitário em que o carácter polar da vida se supera.

Nos Estados e formas de governo, nos sistemas económicos e administrativos, nas próprias religiões e no comportamento individual prevalece, exageradamente, o carácter polar, o pólo masculino do estar humano. O actuar individual e institucional, a linguagem usada no discurso público, tudo testemunha a polarização masculina da vida social e suas estruturas. Uma visão dialéctica da vida e correspondentes mecanismos antagónicos de gerir e dominar a vida têm prevalecido contra uma visão mais integral e aperspectiva trinitária. Daí a dissonância do ser individual e social, o governo do partido e não do inteiro.

Sem que o homem deixe de ser masculino nem que a mulher deixe de ser feminina, necessita-se duma nova forma de viver individual e social em que a recíproca influência e interferência do masculino e do feminino estejam mais presentes e equilibradas, se tornem realmente complementares uma da outra. Uma sociedade, mais equilibrada e mais justa, pressupõem mais autoridade e menos poder: uma troca das armas da luta pelas duma moral onde o senhor é o que mais serve.

A luta de emancipação da mulher, embora necessária, tem seguido a estratégia masculina, afirmando, inconscientemente, a masculinidade do mundo. Até Simone de Beauvoir confirmou a perspectiva masculina da vida afirmando a contraposição da transcendência masculina à imanência feminina. Confirma assim a prática dualista grega ignorando a visão aperspectiva mística que supera o dualismo, já na fórmula trinitária da realidade, escondida no ideário cristão também ele reprimido.

O culto individualista da masculinidade tem conduzido a humanidade a um “progresso” cimentado com grandes tragédias. O futuro da humanidade tem sido conseguido à custa da violência, da violação, do masculino contra o feminino, da instituição contra o membro, de povos e culturas uns contra os outros, tal como podemos verificar nas lutas das tribos, das invasões muçulmanas, cruzadas, revolução francesa, guerras mundiais, nas guerras actuais e nas desavenças familiares.

Em nome do progresso dá-se continuidade a um processo perene de guerrilha. A parte afirma-se contra a parte sem considerar o todo. Ao fim e ao cabo, a cultura ainda acentua mais os processos de selecção e adaptação da natureza, em vez de os gerir. Por isso acompanhamos a natureza em vez de a sublimarmos.

Na época moderna, devido ao desenvolvimento tecnológico, a barbaridade ainda aumentou, o que torna muito premente a questão do sentido da humanidade e o sentido da vida. Este problema torna-se também visível na tragédia Fausto de Goethe que termina na utopia duma maternidade da natureza, com o eterno feminino. Facto é que a incarnação só é realidade através da terra, de Maria.

O presente que se manifesta na dualidade dos contrários deixa a dúvida se não será necessário acreditar no Diabo. Entre o bem e o mal se movimenta a esperança, e o medo de desaparecer do presente no redemoinho da polaridade. Na visão trinitária e não dual deixamos de ser prisioneiros do tempo e do factual, da matéria e do espírito. Assim no passado podemos reconhecer o presente e o futuro no jogo das escondidas com o tempo. Para salvarmos o homem em nós, temos de descobrir a mulher em nós. Só ela pode dar à luz o novo. Nela se realiza a criação no sentido da consumação. Seria redutor continuar a egomania do ser que encobre o matar. Já é tempo de mudar. A consciência humana já atingiu, nalguns biótopos, o estádio próprio para a metanóia global.

Atendendo aos resultados até hoje adquiridos, no processo de humanização do mundo, humanizar o Mundo, no futuro presente, significa torná-lo mais feminino, mais equilibrado e menos sexuado. Racionalismo, materialismo e espiritualismo são demasiadamente sexuados (dualistas) para poderem dar resposta à necessidade premente dum salto qualitativo no desenvolvimento humano. Trata-se de viver em parusia. Mandar é servir e servir é mandar.

Para se humanizar o Mundo será necessário um agir neutro e não sexuado: uma consciência mais intuitiva e mística, menos racionalista e materialista, um existir na reconciliação do saber dedutivo e indutivo, da imanência e da transcendência, do gerador e do gerado. A paridade do sexo e o respeito pela lei da simetria original que através de rupturas ganha novas formas terá de ser integrada. Para isso é necessária a “emancipação” interior do homem e da mulher, uma “emancipação” para dentro, no sentido do todo.

Nas sociedades democráticas, seguindo o determinismo dualista, as mulheres encontram-se em processo de aquisição duma emancipação exterior, não sendo tão facilmente manipuláveis como outrora. Continuam porém a estratégia masculina da luta da individuação contra o todo. Foi assim que os homens dominaram o mundo e que criaram a situação que hoje vigora: cultura contra natura! Seria um equívoco, numa fase do desenvolvimento da consciência integral, continuar a apostar na consciência dualista, e entrar agora na luta de dividir equitativamente o ser humano e o mundo entre o homem e a mulher. O que é preciso agora é humanizá-lo e esta missão é eminentemente feminina. Agora o mundo precisa da força e do espírito da mulher para o transformar, não já numa estratégia antagónica mas integrativa, global.

O equívoco da cultura contra a natura

A concepção puramente marxista e capitalista do mundo bem como as formas de governo até hoje praticadas sobrevalorizam a masculinidade e o status quo.

Necessita-se duma nova consciência e de uma prática do respeito pelas diferenças biológicas e psicológicas que integre a contradição, tal com prevêem no cristianismo a fórmula trinitária, e na ciência a teoria da relatividade e a física quântica.

A mundivisão masculina, o mundo da concorrência premeia o ser que produz mais Testerona, dando assim, previamente, a vitória às qualidades masculinas sobre as femininas dado o homem ter mais Testerona. É preciso criar-se uma nova consciência social e uma sociedade em que a quantidade de adrenalina não seja determinante para determinar e formar a sociedade, onde a autorealização integrada constitua prioridade, onde a concorrência determinada por um mercado de trabalho desumano e por expectativas irrealistas e desequilibradas não continuem a ditar o estar humano.

A política tem falhado e continuará a falhar no seu esforço de conseguir a igualdade entre homem e mulher, baseada na mesma atitude de sucesso no mundo do trabalho. Assim impõe à mulher um mercado de trabalho e uma estrutura social baseada no modelo de sociedade machista (masculina). As mulheres têm outras prioridades necessitando dum mundo mais humano e familiar. Elas não arriscam tão gratuitamente a sua vida pois possuem um pensar mais integral e menos selectivo que o homem.

O pior que poderia acontecer à sociedade seria que as mulheres se deixassem utilizar na concorrência desta sociedade anti-feminina, na ilusão de estarem a defender os interesses femininos, quando na realidade se estão a tornar masculinas. Naturalmente que enquanto continuar em vigor o modelo de sociedade masculina, as mulheres conscientes terão de se lançar à conquista na ocupação dos bastiões relevantes da sociedade e da economia, estudando biologia, informática, engenharia, fundando firmas, etc. Em tempo de guerra não se limpam armas… Só depois de destruírem as desigualdades exteriores poderão então permitir-se dar expressão às diferenças. Este foi porém o equívoco da sociedade masculina com o seu imperar até hoje, afirmando-se uns à custa dos outros. O que é preciso é uma nova mentalidade, uma nova maneira de estar. A sociedade masculina é uma sociedade de burgos e de castelos a conquistar, de Don Quixotes e Sancho Panças. Com a inclusão da feminidade, só então as muralhas se poderão tornar em lugares de jogo e transformar-se os campos de batalha em campos de futebol, como centros de higiene social.

Capitalismo e socialismo são masculinos interessados apenas em se apoderar da terra e do povo. É a força do macho no tempo do cio. Não resta tempo para o choco, para a vida. O apoderar-se da terra e do povo corresponde à repetição dos mecanismos da natureza biológica através do princípio (força) selectivo e do princípio da adaptação.

A revolução está por fazer. Foi começada por Cristo mas logo interrompida, porque era demasiado feminina. Não chega continuar o olhar monocolar masculino; a era futura pressupõe dois olhos bem abertos na mesma pessoa: o masculino e o feminino.

António da Cunha Duarte Justo

© “A Fórmula Trinitária do Mundo e da Vida”, Kassel 2008

A MULHER DESPERDIÇA AS SUAS FORÇAS EM FAVOR

DO MUNDO MASCULINO

Equilíbrio das forças da extroversão e da introversão

António Justo

A mulher de hoje corre o perigo de se esgotar ainda mais do que ontem. Corre mesmo o perigo de desperdiçar a sua feminidade para aceder e dar resposta às necessidades dum mundo masculino e masculinizador que, em nome da igualdade e da técnica, se serve do Direito contra a Natureza para a dominar sem a respeitar. Tal como os agricultores se faziam proletários industriais na revolução industrial submetendo-se à disciplina da escola, também a mulher é hoje aquartelada e arregimentada para os campos de batalha, imprescindíveis às conquistas masculinas.

Sem a luta de competição os galos não teriam direito ao poleiro, a um lugar de relevo masculino, no galinheiro. Mobilidade, honra, violência, coragem, espírito de luta, gosto do risco, potência e corporalidade, concorrência, trabalho, auto-controlo, sucesso, pensar dedutivo e linear, são características mais masculinas, enquanto que a mulher tem mais compreensão, criatividade, intuição, realismo, dedicação, sentido de família, espírito protector, abertura, pensar indutivo e global. Se a mulher tem a vantagem de ser mais ligada ao ciclo da lua o homem está mais condicionado ao ciclo do sol. Naturalmente que as qualidades dum pólo condicionam também as do outro.

A mulher vê melhor ao perto do que ao longe e o homem vê melhor ao longe do que ao perto. Ele foi habituado à caça e ela à recolecção e ao cuidado dos filhos. A sociedade moderna exige dela cada vez mais actividades profissionais estranhas ou não adaptadas ao seu ser.

Continuamente interrompida e com milhentas coisas para fazer, a mulher não tem tempo disponível para si. A diversidade de afazeres leva a mãe à desconcentração e dispersão. Os deveres são de tal ordem que não lhe resta tempo para si. Também por isso, na velhice, com uma reforma mínima, tem de continuar a lutar pela sobrevivência. A dispersão de interesses, de obrigações e a quantidade de ocupações não deixam ser a mulher o que ela poderia ser. Ela é um espaço desprotegido com actividades de carácter operário fac totum. A sua força criativa dispersa-se. A sociedade exige dela uma vida distraída, uma vida de entremeio. Interlocutora e agenda de tudo e todos. Um sistema económico esfalfante, exige do empregado a concentração total na profissão e na actividade. Neste mundo masculino a mulher encontra-se muitas vezes dividida entre os dois lugares de trabalho: casa e emprego. O homem ignora, muitas vezes, o trabalho de casa, ou considera-o como esquisitice da mulher, de que se desobriga. Ele, pelo facto de tanto olhar para a floresta, não chega a notar as árvores mais próximas. Trata-se portanto de homem e mulher, para evitarem cair na parcialidade da visão da presbitia ou da miopia, integrarem, em si mesmos, os dois olhares.

Quanto menos necessidades temos, mais livres somos. Por isso o segredo da libertação começa aqui pela redução, nos vestidos, nos trabalhos, nas visitas, nas obrigações. Marta, Marta, Maria escolheu a melhor parte! Quantas vezes nos sacrificamos, para alimentar convenções ou hábitos frustrantes ou para agradar a alguém que também anda no mundo por ver andar os outros. A vida deixará de ser talvez tão cómoda para o homem mas passará a ter maior qualidade para os dois.

O equilíbrio está entre actividade e repouso, entre extroversão e introversão, entre força centrífuga e centrípeta. Alienação é a negação do próprio centro. Para amamentar é preciso primeiro alimentar-se a si mesma, encher os vazios da própria fome. Para isso precisa de criar um espaço em si, dum quarto só para si, dum tempo só para si, duma meditação para, imperturbada, se reencontrar e olhar para dentro de si e para aquilo que a determina à sua volta. Doutro modo a gritaria da vida, dos filhos, do marido, do dever e dos hábitos tornam-se tão fortes que não deixam espaço para a própria pessoa. Uma pessoa é vivida sem viver!

António da Cunha Duarte Justo

© “A Fórmula Trinitária do Mundo e da Vida”, Kassel 2008

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