sábado, 31 de maio de 2008

O Problema da Democracia é o Problema de Deus


Secularização e Religião, duas Faces da mesma Moeda

O sistema democrático bem como a sociedade liberal não crê, quer apenas administrar as crenças. Falta-lhe um tecto metafísico.

Tal como o capitalismo dos países nórdicos precisou dum protestantismo que lhe desse conexão e projecção, assim a nova sociedade democrática precisará dum cristianismo místico, capaz de dar resposta às novas exigências no respeito dos diferentes biótopos, de que se torne o tecto. Um povo sem transcendência perde a sua consistência e a perspectiva do futuro. Enquanto a democracia não recriar Deus verá aumentar os seus problemas sociais e humanos. Não chega um sistema económico ou cultural para lhe dar estabilidade e perspectiva. Também não chega fundamentar a ética no pragmatismo oportuno do dia a dia. Para darmos perspectiva à sociedade e seus sistemas terá de se operar uma colaboração interdisciplinar, infraestrutural a nível de toda a sociedade à semelhança do que acontece no reino vegetal e biológica, numa solidariedade orgânica. O leme do futuro para todos os sectores da realidade e da sociedade será: cooperação em vez de confrontação, num processo de transformação aberta mas coerente.

A crise metafísica da sociedade ocidental é semelhante à crise dos deuses da sociedade romana, que com Constantino, num acto de inteligência previdente, conseguiu adiar dando a liberdade ao cristianismo, condicionando-o embora. Naturalmente que o problema estará em saber que Deus poderá dar resposta satisfatória às necessidades individuais, sociais e globais dos problemas humanos e da sociedade. O problema do politeísmo democrático poderá ser solucionado, no mundo ocidental de carácter global, com a redescoberta do monoteísmo trinitário. Aqui terão que se empenhar teólogos e outros intelectuais para revitalizarem o carácter místico do cristianismo (anterior à reforma constantiniana). O cristianismo, na devida altura, deu forma a uma sociedade europeia em expansão baseando-se numa teologia petrina (dialéctica) e numa estratégia paulina de comunicação. Agora, que o Ocidente deixa o seu carácter expansivo para entrar na fase da consolidação e globalização, a sociedade já se encontra mais madura para poder compreender a necessidade de implementação da teologia joanina (mística) numa pragmática da realidade trinitária. Uma visão perspectiva (dualista) da realidade terá que ir dando lugar a uma visão e a uma estratégia aperspectiva (integral) de acesso e interpretação da existência.

Só na distância se reconhece o horizonte do lirismo e da metafísica, o significado da vida individual e colectiva. A sombra da omnipotência dá à realidade o brilho do seu significado. Para uma vida social significativa e com sentido não chega a luz da razão; também o coração conhece razões que a razão não conhece, recordava-nos Pascal. O espírito é silencioso, não dá nas vistas, mas é a essência da vida. Já se ouviu alguma árvore a crescer? A configuração da banalidade factual limita-se demasiado ao ouvir e ao ver! Se quisermos salvar a democracia temos de descobrir uma nova metafísica, ou melhor, temos de a desenterrar das catacumbas da religião. A política e a religião (cultura), para dar resposta aos grandes problemas do futuro terão de se preocupar com o problema metafísico a nível de Estados, de povos e de pessoas…Não chega a expansão oportunista dum capitalismo globalizado com os governos como acólitos. A física mecanicista e a filosofia materialista já foram ultrapassadas, teoricamente, nos fins do século XIX e princípios do séc. XX. Urge aferir o ideário.

A democracia para evitar o problema da “verdade absoluta” e o Deus concorrente, espalha o relativismo moral e o pragmatismo como doutrina oficial reduzindo para isso o papel da filosofia ao cepticismo. Na sua prática é politeísta. O politeísmo porém não consegue ser global nem dar consistência a um sistema orgânico global. A ausência de parâmetros e de fundamento estável questiona, assim, a legitimação de todos os sistemas, também do democrático. A vida dum povo e duma pessoa não pode ser reduzida a uma filosofia que se fundada apenas no banal factual ou em necessidades imediatas. Tal como o universo tem um fio condutor teleológico, também ao desenvolvimento dos povos e da pessoa está inerente uma força teleológica. Tudo se subordina à lei da ressonância e da harmonia.

O contrário conduz à cedência ao pragmatismo que implica uma entropia da sociedade que leva o Estado a colaborar com estruturas meramente dualistas de domínio não integradas no conjunto. A afirmação da dissonância em vigor faz lembrar as pragas do Egipto. Os grandes expropriam os pequenos não só das suas riquezas materiais como até dos bens espirituais. A radicalidade de uns condiciona a dos outros e o que é pior ainda parece dar razão àqueles que dividem o mundo entre os dominadores da cultura e os dominadores da economia. Parece que poder religioso e poder económico se necessitam como concorrentes num equilíbrio de forças. Enquanto as religiões se não preocuparem seriamente com a espiritualização dos fiéis, a luta duns pelo domínio dos bens espirituais e dos outros pelos bens materiais continuará nos moldes conhecidos polarizando e produzindo uma maioria vítima inconsciente. Os vencedores encontram-se do lado do poder, o resto continua massa.

O equilíbrio na conexão da realidade da vida social e individual, material e espiritual parece estar numa relação de necessidade tal como a relação dos corpos celestes que se encontram numa correspondência de equilíbrio de massa e forças. A nível superficial, se não fosse a interligação da massa e as forças centrífugas e centrípetas que mantêm os corpos, estes desconjugar-se-iam. A sociedade moderna e post-moderna não se preocuparam com o factor teleológico. Vergou-se ao predomínio social e político de elites irreflectidas que possibilitando embora um desenvolvimento epidérmico abdicaram do seu papel condutor para cederem à mediocridade instalada nas instituições sociais e do Estado. Os intelectuais, a universidade, a escola, a igreja, os políticos, os jornalistas e a economia abdicam do seu papel num Estado cada vez mais anónimo e repressivo que fomenta a destruição da classe média e deste modo a consciência cívica.

Um materialismo e um espiritualismo excessivos criam problemas em vez de soluções. São modelos dualistas que se excluem mutuamente. Também no universo religioso se encontram respostas mais ou menos problemáticas porque imbuídas do espírito dualista que reduz tudo à exclusividade. Se o Islão apresenta uma resposta cultural fechada, o cristianismo, que já satisfez a sua missão dos dois primeiros milénios, terá de se esforçar por encontrar uma resposta civilizacional universal aberta para este e para os restantes milénios. Se o islao implica a construção duma identidade fechada o cristianismo implica, na sua essência, uma identidade aberta. Para isso será necessária uma nova reflexão do religioso, aberta à mística em que secularistas e as várias religiões colaborem no encontro de respostas integrais. O Ocidente terá que redescobrir o cristianismo e purificá-lo de cargas culturais históricas para que a nova sociedade se torne compatível, à luz da fórmula trinitária, possibilitadora da interferência dialogal de materialismo e espiritualismo, tal como se realizou em Jesus Cristo. A alma do Ocidente, quer queiramos quer não é o Cristianismo. Esta alma purificada do domínio e da lei é a alma do mundo! A sociedade aberta será a consequência da verdadeira sociedade cristã, chamada a implantar e construir a relação nobre e nobilitante. Na fórmula trinitária não há discriminação nem a afirmação pela negação. Domina a relação da ressonância e da harmonia. A matéria Jesus não se rebela contra o espírito Cristo.

Toda a sociedade, toda a nação que reduza o religioso a um mero assunto privado desconhece a realidade e a complexidade da pessoa humana, não podendo estar à altura de lhe dar resposta aferida. A religião por seu lado precisa duma força secular que a impeça da tendência do abuso do poder ou da tentação hegemónica. A instituição religiosa é necessária também como correctivo do poder político que tende, por natureza, a instrumentalizar o cidadão. O problema tanto do chefe político como do orientador religioso é ambos cheirarem a próximo passando a política e a religião pela sua fraqueza individual e epocal.

Trata-se portanto de impedir fundamentalismos quer de carácter secular quer de tipo religioso e redescobrir, através dum esforço comum empenhado, os tesouros cristãos que se encontram entulhados debaixo da nossa civilização e que são património de toda a humanidade.
António da Cunha Duarte Justo
"Pegadas do Tempo"
2008-05-20
António da Cunha Duarte Justo

FUNDAMENTALISMO SECULAR E RELIGIOSO

Problemas de Legitimação da Democracia

Todo o fanatismo esconde o seu rosto por detrás do véu duma crença. Mas toda a nação precisa do espírito tal como a vela, para o ser, precisa da luz. Um povo sem perspectiva metafísica definha e morre, tal como acontece com a planta sem sol.

A derrocada dos sistemas ideológicos e a ferocidade dum liberalismo, que nada respeita, criam na sociedade uma forma de vida desesperada. Para complicar a situação, Estados sem uma filosofia humana coesa que os sustente, deixam-se levar por um pragmatismo relativista na base duma sociedade mercantil desenraizada. A preocupação do Estado reduz-se na cobrança dos impostos e em fazer cumprir leis. O Estado liberal não conhece a comunidade, a pessoa, Deus; para ele tudo é relativo e o único absoluto, o único abstracto é o dinheiro. Daqui provém a gravidade da crise.

O espírito pessoal e a consciência de povo não aguentam ser reduzidos, a longo prazo, à soma das necessidades fundamentais materiais. Toda a ideologia sem metafísica se desqualifica como forma de vida satisfatória. A prova constata-se no surto do religioso que se observa na Rússia, na China e nos países mais desenvolvidos. Vive-se na contradição de exigência e realidade. Por todo o lado se observa uma fuga generalizada em metafísicas do mais variado género. O povo não admite que se lhe roube o seu único trunfo de subsistência, aquilo que nenhum Estado lhe deve roubar. O mundo islâmico constata que o avanço do Ocidente, sem um tecto metafísico que o una, conduz à decadência. Em contraposição aquele afirma-se apostando na lei natural, na metafísica e na procriação. Um fenómeno semelhante ao dos primeiros séculos do cristianismo no império romano. A sua fé revela-se mais forte do que o poder do nosso dinheiro, da nossa economia e tecnologia; têm porém um grande contra que é a sua falta de disciplina e a incapacidade de dar felicidade às pessoas já na terra.

O fundamentalismo é a consequência lógica da nossa sociedade, é um sintoma duma doença profunda da alma humana e da sociedade que a integra. Na Idade Média a religião informava toda a realidade social; então Deus ocupava todo o espaço humano. Hoje no mundo ocidental, a ideologia relativista/pragmatista passou a ocupar todo o espaço humano. Isto provoca reacções exacerbadas.

O fundamentalismo árabe dá-se conta disto declarando-se anti-modernista e reage contra um racionalismo, um pragmatismo e liberalismo que não deixa lugar para a pessoa humana, para o espírito. Está consciente da ideologia ocidental como caótica reconhecendo-a como extremamente perigosa para estruturas de poder estabelecidas. Por isso vê no secularismo ocidental o Diabo em pessoa.

É o medo de ser invadido por uma ideologia secularista sem lugar para a emoção profunda e para a religiosidade. De facto assiste-se a um absolutismo ideológico dum lado e a um absolutismo religioso do outro. As respostas duns são incompatíveis com as práticas dos outros. O mundo ocidental intelectual, numa fase já post-ideológica, reage com compreensão para este fenómeno, que com o tempo encontrará maior correspondência no seu meio, se não diagnosticarmos a tempo a nossa doença e não iniciarmos já uma terapia integral. Cada vez se reconhece mais que a realidade factual impossibilita um crer integrado para melhor se afirmar através da superstição, do preconceito. A política não é capaz de integrar os deserdados da terra nem as aspirações transcendentais destes. O capitalismo permanece porque consegue ajustar as necessidades do homem em contínua adaptação cultural. A imagem de Deus, como a imagem do homem é diferente de cultura para cultura e de época para época. Este facto leva muitos democratas a tirarem uma conclusão errada: fomentação duma democracia politeísta.

Se as pessoas, política e religiosamente, se tornassem mais espirituais e menos supersticiosas o fundamentalismo diminuiria. Se a espiritualidade aumentasse os problemas abrandariam e os políticos e chefes tornar-se-iam verdadeiros servidores (ministros) do povo. A pessoa espiritual é criativa reconhecendo o espírito que une todas as coisas. Para isso é necessária uma metanóia na nossa mentalidade a nível individual, político e eclesiástico. Não chega qualquer espiritualidade, é preciso um tecto metafísico que tudo cubra sem asfixiar ninguém. (Continua no próximo artigo com o título: “O problema da democracia é o problema de Deus”)

António da Cunha Duarte Justo
"Pegadas do Tempo"
2008-05-19
António da Cunha Duarte Justo

Simbologia e significado das velas de cera


A vela é o símbolo da luz e da fé, é o símbolo por excelência da alma individual. É uma parábola da vida e do ser. Ela expressa de maneira especial a relação íntima de espírito e matéria. A vela acesa és tu, sou eu, somos nós, a mecha do mundo a arder.
Na chama se expressa a força extraordinária do bem e o poder destrutivo. A torcida a arder leva a cera a derreter-se participando assim a cera no fogo que simboliza espírito e matéria, a união de Deus e alma, de corpo e matéria.

A vela é conhecida desde a antiguidade no culto dos templos. No culto cristão, as velas, as abluções (lavagens), incenso, a música e as procissões têm um sentido e um valor que lhes advém do contexto litúrgico. Tem um valor simbólico de união entre o céu e a terra e que a finalidade de tudo é o espírito. A vela na campa dum morto recorda a chama como símbolo da claridade do paraíso. Na noite pascal é o símbolo de Cristo, a luz do mundo, e da ressurreição. Na Idade Média havia o costume de se dar como penitência normal estar de pé à porta da igreja vestido com uma camisa e uma bela acesa.

A vela foi sempre um símbolo da fé como luz viva que ilumina as trevas. A luz purifica, renova e fecunda. A vela como símbolo da nossa alma manifesta a nossa consciência de ser diferente, a nossa maneira diferente de estar no mundo. O espírito surge do nosso mais íntimo e se manifesta na luz. Tal como na trindade se pode ver na relação da matéria e do espírito o surgir do amor, a luz. A alma é como que a mecha que no corpo da cera se transforma no espírito, sendo assim símbolo da própria vida, revelando como alegoria o próprio ser do crente.

Ao colocar a vela no pedestal situo-me no centro do espaço tornando o meu corpo límpido em luz e calor irradiante. Romano Guardini, referindo-se ao significado da vela, dizia:”Não sentes perante ela algo totalmente nobre a despertar? Olha como ela está em pé, sem vacilar no seu lugar, levantada, pura e nobre. Sente, como tudo nela fala: estou pronta! Nada nela foge, nada nela se afasta. Tudo é clara prontidão. Assim ela se consome na sua determinação, irresistível, em luz e em ardor”. Na vela se expressa a nossa alma, a nossa atitude, o mistério que brilha em nós. Nela derretemos para a luz da verdade e do amor em Deus e no universo. À sua luz, todo o mundo se consome e ganha novo brilho. Deus olha-nos nos olhos e nós olhamos o mundo nos olhos transformando-nos com ele.

A luz da vela transforma o ambiente e mesmo as pessoas. Senão experimenta, sempre que recebes amigos e quando a penumbra desce, acender uma vela ou algumas velas. A sala, a mesa, as pessoas e a própria comida recebem um brilho mais quente, mais humano. Cria-se uma atmosfera de intimidade. O rosto dos comensais adquire um brilho diferente. O nosso corpo, através da luz das velas, reflecte melhor o brilho e o calor da alma. A luz torna-se o centro, tudo penetrando e nós sentimo-nos mais comunidade trespassados pelo mesmo espírito. Este bom hábito das velas cada vez mais espalhado no mundo “profano” abona a favor deste.

António Justo
"Pegadas do Tempo"
António da Cunha Duarte Justo

REVOLUÇÃO PERMANENTE – A CONDIÇÃO PARA O DESENVOLVIMENTO INDIVIDUAL E SOCIAL


S. PAULO – UMA VIDA NA LUTA PELA PESSOA LIVRE

Tarsus, onde nasceu o apóstolo S. Paulo, fica em território que hoje pertence à Turquia, junto à Síria. Lá se encontra ainda a Igreja de S. Paulo. Saulo/Paulo, conhecedor da filosofia grega, estudou também em Jerusalém junto do rabino Gamaliel, tornando-se depois membro do grupo dos fariseus (os fieis à lei). No ano 36, a caminho de Damasco, num encontro místico com Cristo, Saulo, que perseguia os cristãos, converte-se, passando a chamar-se Paulo. Conhecedor da dialéctica grega e da mística judeo-cristã dedica-se à consciencialização da pessoa humana como detentora da natureza de Jesus Cristo em si mesma. Quer que todos se libertem da lei e façam a mesma experiência mística que ele fez: “já não sou eu que vivo, é Deus que vive em mim”. A identidade constrói-se já não a partir do que separa mas a partir do todo que une e dá sentido até ao non sens.

Com o novo sistema moral e da salvação pessoal questionou o mundo moral grego e romano fundamentado no “divide et impera”. Escreveu pelo menos 7 de 13 cartas, sendo a primeira dirigida aos Tessalonicenses no ano 50 depois de Cristo. Percorreu mais de 16 000 km nas suas viagens apostólicas.

Num mundo romano da exploração extrema dos indefesos, ele procura aplainar os caminhos dos escravos e de todos os que sofrem anunciando-lhes a nova consciência. Para Cristo eles são filhos de Deus, não menos dignos do que o “divino” imperador. A sua mensagem transmite uma nova consciência à plebe e aos escravos. Também eles pertencem à casta divina num mundo de irmãos em que não há escravo nem senhor, grego nem romano, homem nem mulher. A definição do homem/mulher vem dele mesmo e não da lei ou poder exterior.

Em Antioquia (Anakya), Turquia, terceira cidade do império romano, viveu desde o ano 36 até 48 d.C. Aqui os seguidores de Cristo receberam pela primeira vez o nome de cristãos.

No ano 48 houve um concílio de Apóstolos e Anciãos em Jerusalém com a presença dos apóstolos Pedro, João, Tiago, irmão de Jesus, Paulo e Barnabé, para resolver as divergências entre as comunidades a respeito da observância dos preceitos rituais mosaicos nas novas colectividades. Alguns judeo – cristãos conservadores, queriam voltar à escravidão da lei e rejudaizar os costumes das comunidades nascentes com a observância dos preceitos culinários bem como com a proibição de sexo com cristãos provenientes de etnias pagãs. Paulo, com Barnabé, defende a liberdade dos pagãos convertidos e não obedece às orientações de Jerusalém, declarando a circuncisão supérflua. O plano de salvação iniciada por Cristo é universal e irreversível, argumenta Paulo. A revolução de libertação iniciada por Cristo não pode ser interrompida e encarcerada numa Igreja em que as suas leis se tornem em algemas substituintes das antigas.

No ano 49 Paulo deixa Tarsus para pregar na Ásia Menor e na Europa. O Historiador romano Sueton refere que já no ano 49 os cristãos provocavam “agitação”. A ordem social duma sociedade esclavagista é contestada nos seus fundamentos, pelos seguidores de Cristo. A divindade do imperador era contrariada pela dignidade dos filhos de Deus, dignidade comum a toda a pessoa. Deus é socializado passando a ser povo. A lei natural do mais forte é contrariada pela relação amorosa que tudo dignifica. O próprio decálogo é reduzido ao mandamento do amor. Isto é de tal modo explosivo e provocador que o poder estabelecido para poder subsistir declara a nova doutrina como ateia e contra a ordem moral do Estado.

Também Nietzsche constatava: “ O veneno da doutrina – direitos iguais para todos – foi semeado com maior radicalidade pelo cristianismo”. Paulo, pelas sinagogas onde passava, consequentemente, deixava a divisão como aconteceu na cidade de Filipe, em Tessalonica, em Corinto (cidade da prostituição onde ficou ano e meio), na Galácia, em Atenas, em Éfeso (onde foi preso ficando aí vários anos), etc. Finalmente em Jerusalém provocou a discussão entre os vários partidos dos judeus. Ameaçado de morte, apela para Roma onde tinha direito a ser julgado, na qualidade de cidadão romano. A divisão entre os judeus ortodoxos do templo e os judeus cristãos aumenta a ponto de João falar de “Sinagoga de Sátão” e os judeus tradicionais rezarem: “E que os nazarenos e os hereges feneçam instantaneamente e sejam exterminados do livro da vida”.

A acção e a visão de Paulo foram decisivas para a expansão do cristianismo. Os cristãos negavam-se a sacrificar vinho e incenso à imagem do imperador. O poder Romano mantinha a sua hegemonia a poder da espada. 90% da população vivia na miséria.

Paulo deixa a trás de si as pegadas de Jesus que pregara a resistência contra a opressão social e colonial. Também Cristo se insurgira contra a exploração dos lavradores da Galileia e contra o imposto do templo que ia até 21%. O imposto a pagar a Roma era de 14%. Mais que a religião no templo interessara-lhe a revolução dos corações, tomando posição contra as leis empedernidas e opressoras das instituições.

Jesus, ao contrário de João Baptista, afirmava a vida integral, vivendo com o povo, entrando na casa de ricos e de pobres, de bem comportados e de malcomportados e comendo com eles. A sua Boa Nova era muito humana tendo compreensão pelas pessoas e pelas suas situações. A nova fé ensinava uma verdade totalmente inovadora: já não era preciso ir ao templo para rezar dado cada pessoa ser templo vivo de Deus. A comunidade realiza-se onde dois ou três se encontrarem em nome de Deus. A nova mensagem contraria todas as doutrinas porque não é doutrina mas uma maneira de ser e de estar em si mesmo e no mundo. É a mais elevada experiência humana que se procura socializar espalhando-se a todo o ser humano. Esta consciência tem os seus limites numa sociedade que persiste em ser massa e entregue à comodidade do hábito e da banalidade factual. Mesmo assim, cada vez há mais pessoas a terem a consciência da “natureza de Cristo”.

O sucesso da nova “doutrina” é também explicável, segundo descobertas modernas em Jerusalém, em Nag Hammadi junto ao Nilo e nas catacumbas. Judeus – cristãos espalham a boa nova por todo o lado, servindo-se, a princípio, das sinagogas dos judeus da diáspora. Uma população sem direitos vê-se reabilitada pela nova doutrina; as mulheres sentem-se reconhecidas nela, porque o cristianismo propaga a igualdade de homem e mulher, o que não agradava nada aos romanos que consideravam a mulher inferior (meninas a partir dos 12 anos eram forçadas ao casamento, e, muitas vezes, também eram mortas logo ao nascer). Os pagãos propagavam o aborto e a morte de bebés (afogamento de meninas e de meninos fracos) enquanto que para o cristão a vida era inviolável. Os cristãos reprovavam o divórcio e o abandono das viúvas, criando para elas uma rede de assistência.

Nas cidades pululavam as prostitutas e os transvestidos. No meio dos extremos não havia lugar para a mensagem do amor. Paulo vê no corpo a sede do desejo. A mensagem do “amor ao próximo” e a fé dos cristãos era para os poderosos, como testemunha o historiador Tácito em 112, uma” superstição”.

Paulo andou por toda a parte. É também provável que tenha estado na Hispânia tendo revelado a intenção de lá ir na epístola aos Romanos. Uma tradição peninsular antiga fala em sete varões apostólicos enviados por S. Pedro às Hispânias.

De 64 a 67 Nero ordenou a primeira grande perseguição (christianos esse non licet) na qual Pedro foi crucificado de cabeça para baixo (ano 67). Paulo foi também martirizado (foi decepado em Roma com uma espada e não crucificado - por ser cidadão romano), provavelmente, no ano 67, em consequência da perseguição de Nero. Os cristãos reuniam-se de noite nas Catacumbas (só os corredores da Catacumba Domitilla tem 15 km.) tendo em consequência disso o imperador Trajano decretado um édito que proibia assembleias nocturnas. Especialmente no século 3° e 4° organizam-se massacres sistemáticos contra a Igreja. As perseguições terão provocado milhões de mártires.

Até ao édito de Constantino as comunidades cristãs reuniam-se em casas privadas onde celebravam a eucaristia e repartiam o pão, “remédio da imortalidade”.

Em 312 com o Edito de Milão terminam as perseguições. Constantino com o seu édito de tolerância religiosa dá liberdade aos cristãos e manda depois construir a igreja de Santa Sofia em Constantinopla (Istambul) e manda também publicar 50 bíblias de peles de cabra (700) com letras de ouro.

Com esta medida o cristianismo consegue uma grande expansão a nível de povos e no âmbito institucional afirmando-se o poder em desfavor da revolução. Este caminho foi porém necessário para se chegar a uma sociedade aberta possibilitadora duma nova consciência individual e social.

António Justo
"Pegadas do Tempo"
2008-05-09
António da Cunha Duarte Justo

Tolerância – Uma estrada num só sentido?


Celebração do 2° Milenário de S. Paulo embaraça a Turquia

Tarso, local onde nasceu o apóstolo S. Paulo, fica, junto à Síria, em território que hoje pertence à Turquia. A Igreja de S. Paulo é um íman de atracção turística, para a região. Porém, para cristãos lá poderem celebrar a liturgia têm que, vez por vez, requerer uma licença das autoridades turcas para o poderem fazer. Além disso têm de pagar entrada e trazer tudo, desde as velas à cruz. O Estado tinha transformado a Igreja católica de S. Paulo em depósito militar, declarando-a como museu nos anos 90.

Agora, nas comemorações de 2000 anos do nascimento do apóstolo Paulo, os católicos querem construir em Tarso um centro de encontro para peregrinos. Esta é uma exigência embaraçosa que contraria a política cultura hegemónica da Turquia. A modernidade exige dela maior tolerância. Em contrapartida porém a religiosidade turca afirma-se na Europa, o que encoraja alguns bispos alemães a solicitarem a aceitação da construção do centro.

Na Europa as Mesquitas surgem, por todo lado, como cogumelos. Até ao presente a táctica muçulmana de exigência de direito à sua expansão religiosa na Europa tem resultado sem terem de cederem a contrapartidas. Reservam-se para si a praxis de perseguirem e oprimirem os cristãos.

O problema do exercício da religião na Turquia está no facto da religião ter sido nacionalizada e o Estado só conhecer o Islão como factor de identidade do Estado Turco. Em 1920, 25 % da população turca era cristã agora é apenas 0,1 %. Mesmo assim continua sujeita a discriminações e perseguições. A discriminação cimenta-se mediante um número específico no bilhete de identidade, que identifica o cidadão como cristão. Os cristãos são impedidos da participação em cargos médios ou superiores no funcionalismo público.

Mesmo em Istambul, antiga Constantinopla, muitos cristãos não podem manifestar a sua fé em público, como refere a revista alemã Spiegel n° 12/17.3.08: Em Istambul, “ cristãos criaram uma sala de oração numa antiga fábrica, mas, indiscutivelmente, sem sinais públicos visíveis como a cruz ou torre. A formação de pessoal eclesiástico não é possível. Conventos e seminários para padres foram fechados, há anos. Centenas de igrejas e casas da comunidade cristã foram confiscadas. Há meses o Tribunal Superior da Turquia proibiu ao “patriarca ecuménico” (bispo ortodoxo) o uso do título que tinha desde há séculos… Também não é permitido preencher as vagas por pessoal estrangeiro.”

Um pastor evangélico que tem ao cuidado 10.000 reformados alemães estabelecidos no sul da Turquia, para ser tolerado como tal, tem que fazer parte do pessoal diplomático do consulado alemão.

As perseguições têm chegado ao assassínio de cristãos. O governo desculpa-se dizendo que não há propaganda contra cristãos. Esquece-se de dizer que a intolerância religiosa ainda é inerente ao Islão, pertence à essência do seu credo, praticando a intolerância institucional, a partir do momento em que alcançam a maioria da população. Até aí fecham-se no gueto, definindo-se na demarcação. Consideram a tolerância dos cristãos como fraqueza e como cedência ao ateísmo e ao modernismo. Na Turquia até os militares advertem para o “perigo de convertidos” ao cristianismo; em 7 anos houve 344 pessoas islâmicas que se converteram ao cristianismo.

O problema é que muitas mesquitas são testemunho de pretensão de poder. Querem construir em Colónia uma mesquita maior que a catedral e que custa 25 milhões de euros sendo financiada pelo Ministério da Religião de Ankara, que se serve da organização Ditib para o efeito.

O radicalismo muçulmano tem florido na Alemanha à sombra das mesquitas, estando muitas delas sob observação.

A Alemanha só agora acordou para os problemas de carácter fascista que, através da religião tem dado oportunidade à cobertura do terrorismo muçulmano internacional. Agora a Alemanha quer que os chefes religiosos (Imames) das mesquitas sejam formados na Alemanha e não apenas como até aqui com o envio anual de 600 Imames pagos pelo estado turco. Os estados petrolíferos árabes também são pródigos no fomento da presença muçulmana através da construção de mesquitas.

Ertugrul Özkök, chefe redactor do jornal “Hüriyet” afirma:”Os turcos construíram mais de 3.000 mesquitas na Alemanha, e nós não conseguimos tolerar sequer um par de igrejas e uma dúzia de missionários”.

O problema da Turquia e da sua abertura à Europa é religioso. O Islão é a religião do estado; outras são vistas como uma ameaça ao turquismo. Um outro problema dos muçulmanos em aceitarem a supremacia constitucional dos estados em que se encontram é o facto da sua religião ser absorvente e mais que um sistema teológico ser um sistema jurídico. O problema da lealdade para com as leis dum estado torna-se muito complicado. O islão ainda não atingiu a época do renascimento. Pode ser que os muçulmanos europeus, quando os cidadãos europeus os tomarem a sério se vejam na necessidade de renovar a sua religião. O renascimento muçulmano, só poderá ser levado a efeito pelas mulheres. O sistema patriarcal e machista actual são mesmo muito cómodos para os homens. A vantagem do islão perante o cristianismo está no facto de nele vingar a lei natural (do mais forte), isto é, a lei natural foi assumida pela lei positiva enquanto que o cristianismo, na sua lei positiva, a contraria muitas vezes. A monogamia foi uma das leis positivas que o cristianismo afirmou na defesa da mulher.

Por estas e por outras a Turquia não poderá entrar na União Europeia tão depressa.

A praxis mostra que o Islão, duma maneira geral, é hegemónico e implica em si uma estratégia de luta contra o que não for muçulmano. Os povos muçulmanos não conhecem o termo de nação no sentido do Ocidente. O seu termo de identificação é o islão. Por isso se torna tão fácil a acção do terrorismo internacional entre os povos de religião islâmica. O muçulmano religioso não se integra nas sociedades onde se radica. A formação de guetos cerrados é consequência que considera a mulher e o não muçulmano impuros. Geralmente não convidam para casa visitas que tenham um credo diferente do deles. Têm os seus representantes rotineiros que, pró-forma, visitam iniciativas dos cristãos, o povo em geral não o faz. O diálogo é uma estrada de sentido único! Este comportamento e uma experiência negativa das camadas jovens com colegas turcos criará grandes problemas nas relações de convivência. Os políticos e as empresas que cometeram grandes erros na política de imigração calam-se ou colocam o testo por cima desse panelão para impedirem o mau cheiro.

A tolerância da intolerância só fomenta a intolerância. Necessita-se duma cultura do bom argumento.

António Justo
"Pegadas do Tempo"
2008-04-26
António da Cunha Duarte Justo

Pedofilia Legal

Menina de oito anos obrigada a casar-se. Religião esclavagista?

Uma notícia da imprensa internacional, reveladora das estruturas da pedofilia de fundo religioso e legal, corre perigo de passar desapercebida.

Nujud Nassar, menina de oito anos, foi obrigada a casar-se com Ali Thamar de 30 anos. Depois de dois meses de martírio, de pancada e sexo, conseguiu fugir do marido e do pai que a tinha coagido a casar-se.

A menina conseguiu apresentar queixa no tribunal de Sanaa, Iémen, contra o marido solicitando o divórcio e contra o pai solicitando uma pena pelo facto de lhe ter batido e ameaçado com a violação caso ela não obedecesse.

Segundo a lei o marido e o pai não infringiram a lei que permite a poligamia até quatro mulheres e a pancada como meio de educação. O próprio Corão consagra o direito do homem a bater na mulher para a disciplinar. O tribunal declarou a dissolução do casamento mas condenou a menina a pagar uma indemnização à família do ex-marido. Entretanto 150 euros oferecidos por uma pessoa anónima já foram enviados à família do ex-marido. A menina passou a viver em casa dum tio à espera de ser entregue aos cuidados duma organização.

Em países islâmicos a coacção ao casamento faz parte da normalidade. Até numa nação como a Turquia se chegam a observar casamentos forçados.

No Iémen os casamentos forçados dão-se legalmente. Os casamentos arranjados com crianças e adolescentes estão na ordem do dia.

A pedofilia é assim coberta pela lei e pela religião. Esta barbaridade legal contra as crianças, seja ela embora fundamentada no exemplo do profeta Maomé, constitui um atentado contra a humanidade. Maomé vivia em tempos em que a brutalidade contra mulheres e crianças era coisa normal. Depois de 1400 anos era de esperar uma certa evolução.

Daqui se vê que, nos países em que a sociedade civil não tem chances, a tirania do grupo contra o indivíduo, se perpetua, em nome dos costumes e da religião.

Será que os direitos humanos deverão limitar-se a ser fenómenos de miragens em culturas agrestes? A nível político, religioso, económico e dos Media quem cala consente. Tão ladrão é o que vai à horta como o que fica à porta!

A nível internacional o respeito pelas culturas implica automaticamente o desrespeito pela pessoa. A política internacional, congruente com a lei do mais forte, cala as práticas desumanas culturais aceitando-as tacitamente como dado natural. O negócio branqueia tudo. Tem-se a coragem de, hipocritamente, falar contra a escravatura dos séculos passados, mas a cobardia de se ignorar a escravatura e a crueldade vigente no mundo actual.

Quem aqui na Europa luta pela dignificação dos animais deveria incluir também no seu programa um dia pela defesa de crianças que, noutras partes da terra, não atingem, sequer, a consideração legal que um cão chega a ter, justamente, nos nossos meios.

António Justo
2008-04-18
António da Cunha Duarte Justo

Conversão dum Muçulmano ao Cristianismo


O jornalista Magdi Allam foi baptizado pelo Papa no Domingo de Páscoa, recebendo o nome de Christian. Um acto que pressupõe coragem atendendo aos problemas que o Islão cria a quem abandona o Islão, chegando a pena até ao assassínio.

O jornalista Allam pôs a descoberto, a campanha difamatória contra a ordem social ocidental, que se realiza em mesquitas, desmascarando a ambiguidade de imames (chefes religiosos muçulmanos) na Itália, aparentemente pacíficos. Um assunto que perturbava a sua relação com a sua religião era o facto de no Islão não haver uma ligação harmónica entre fé e razão, como no cristianismo.

Magdi Allam tem recebido ameaças de morte, vivendo, desde há anos, sob a protecção contínua da polícia. Isto levou-o a ocupar-se mais com o cristianismo e a tomar a decisão da conversão.

No dia da sua conversão, “o mais bonito” da sua vida, publicou uma carta no “Corriere della Sera” onde diz: “O milagre da ressurreição reflectiu-se na minha alma libertando-a da escuridão duma doutrina, em que os pregadores do ódio e da intolerância para com “ os outros” que, acriticamente, condenados como “inimigos”, se sobrepõem ao amor e ao respeito perante o “próximo” que é ao mesmo tempo ‘pessoa’. Deste modo, o meu espírito pôde libertar-se da escuridão duma ideologia que justifica a mentira e a hipocrisia, e a morte violenta, que conduz ao assassínio e ao suicídio, à subjugação cega e à tirania. E assim pude eu entrar na verdadeira religião da verdade, da vida e da liberdade”.

Magdi Christian Allam apela para que o medo de perseguição, dos convertidos do Islão para o cristianismo, os não obrigue a manter-se “na escuridão das catacumbas”, refere o Frankfurter Allgemeine.

Muitos católicos não se sentem muito entusiasmados com este acto público do jornalista Magdi Christian Allam atendendo à mensagem da ressurreição que é uma mensagem de paz e ao carácter interior da experiência da ressurreição, além duma atitude pública desta natureza pôr em perigo a vida de cristãos que vivem em países islâmicos.

O problema, nas relações com o Islão estará no dilema do Ocidente se submeter à censura do medo na cabeça perante os islamistas ou de tentar um discurso para lá das conveniências. Em luta, o Ocidente religioso tem a pior posição atendendo à sua visão da pessoa e ao facto do mundo islâmico não parecer ter problemas com o uso da violência.

António Justo
2008-04-06
António da Cunha Duarte Justo

DEUS NÃO É HOMEM

O varão repeliu a mulher do templo e da arena pública

Deus não é homem. Do memo modo a Religião e o Estado não se deixam reduzir a um domínio do homem! No Estado e nas instituições não há equilíbrio entre os valores femininos e os valores masculinos.

Sintomaticamente, as línguas latinas só têm a palavra homem para designarem o complexo varão e mulher. Esta pobreza manifesta o espírito cultural unilateral subjacente, em prejuízo da mulher e da sociedade. O mesmo défice e violência se observam hoje nas campanhas sexistas e instrumentalizadoras do homem e da mulher para fins ideológicos e económicos. O problema porém está no modelo dea sociedade vigente e mentalidade imanente. Uma sociedade de características machistas procura, com certo sucesso, assimilar a feminidade sem ter de abdicar do seu específico másculo. As sociedades manifestam o seu carácter no espírito religioso que as fundamenta.

O homem / mulher é a imagem de Deus. O Génesis 1,27 testemunha-o claramente: “Deus criou o homem à Sua semelhança, criou-o à imagem de Deus; Ele o criou homem (masculino) e mulher (feminino). Já o profeta Oseias se insurgia, no Antigo Testamento, contra as tendências patriarcais de masculinização de Deus e da sociedade. Em Oseias, Deus afirma: “Eu sou Deus, não homem”. (Hoje o mesmo profeta protestaria contra o espírito do tempo que tenta masculinizar a mulher reduzindo-a a objecto de sexo e fazer dela um ser à imagem do homem). A cópia original de Deus é homem e mulher, o resto é falsificação. O mesmo se poderia dizer da filosofia substrato às civilizações existentes.

Nos tempos mais antigos o masculino e o feminino convivia no templo. Com o tempo a mulher é expulsa da esfera do templo e da sociedade. A tendência hegemónica do homem e o projecto de elaborar uma sociedade de timbre masculino levou o varão a desalojar a mulher do templo, privatizando-a. A sua capacidade subordinadora e guerreira afirmaram-se mediante uma estratégia dialéctica.

A feminidade no templo era para os homens como a mulher árabe para os muçulmanos: um elemento de distracção ou de perigo emocional. Daí a necessidade de se apresentar em público uma imagem de Deus másculo. Os árabes não só afastam a feminidade do templo como a escondem debaixo do lenço, do burel. Os hebreus contentam-se com a apresentação de Deus sob uma forma masculina excomungando a feminidade e o erotismo do templo. O espírito grego, apadrinhado pela civilizacao judaico-cristã deu depois continuidade à repressão da feminidade. A cultura árabe ainda acentua mais a repressão do feminino sem perder um certo sensualismo. Onde o primado da guerra e da violência surgem, aí se afirmam as qualidades masculinas contra as femininas. Poderíamos dizer que há uma correspondência directa entre agressividade e disposição feminina na sociedade.

Santo Agostinho refere-se às dimensões de Deus pai e mãe. Deus é pai “porque funda, porque chama, porque ordena e porque domina”. Deus é mãe “porque aquece, porque alimenta, porque abarca”. A Igreja Católica procurou integrar a feminidade no culto a Maria. A feminidade divina venerada em Maria, não deve porém servir para a reprimir na mulher concreta. O mundo sensual continua, de maneira já muito reduzido, na Mãe de Deus mas muito presente em sectores restritos como se pode ver na iconografia. Assim, a espiritualidade popular que sempre se concentrou em redor do concreto, resiste contra uma tentativa intelectualizadora de abordagem de Deus distante da dimensão concreta das experiências humanas. Nas devoções marianas de carácter popular, encontra-se mais compreensão também para o imediato, uma contraposição à intelectualidade religiosa de acentuação masculina.

Em tempos de crise tornam-se mais relevantes os valores masculinos em desvantagem dos femininos. A crise de sentido em que hoje se vive é muito oportuna. Vai sendo tempo de homem e mulher concelebrarem juntos o mistério da vida na congruência dos sexos para se possibilitar um progresso real da humanidade baseado no equilibrio dos valores masculinos e femininos (duma nova consciência de ser e estar)..

A imagem de Deus encontra-se em contínua interdependência com a imagem homem/mulher no desenrolar da história. O factor do tempo e da consciência humana implica contínuos retoques no modelo e na imagem, o que urge hoje é um salto qualitativo. Também é uma constante histórica que a superabundância nas instituições humanas civis e religiosas se alimentam do que tiram aos membros. Essa privação deveria ser devolvida de modo aperfeiçoado ao povo. A Igreja Católica, lugar primeiro da globalização deveria empenhar-se na “feminização” da sociedade, no sentido da frase do génesis e do ideal de Cristo - Homem/Mulher e não apenas barão. Isto implica uma nova maneira de ser e estar na vida social, política, económica e religiosa. Implica uma visão aperspectiva (perspectiva do todo e de cada parte), no sentido trinitário da realidade do “ser”.

Na nova era a construir, o Estado e as instituições não poderão engordar-se nem continuar a nutrir os que se servem deles à custa da falta de conhecimento do povo e dos seus males. Precisa-se o Homem-Mulher-forte cuja riqueza e honra esteja ao serviço duma nova sociedade humana. Só uma consciência de características mais feminina possibilitará a saída do fracasso dum modelo de sociedade que se vai afirmando, de crise em crise, na luta do homem contra o homem. A polarização dos modelos de sociedade até hoje praticados não será viável numa sociedade de consciências individuais cada vez menos dialécticas e mais integrais. O início da era da “revolução” feminina torna-se óbvio.
António Justo
"Pegadas do Tempo"
2008-04-06
António da Cunha Duarte Justo

Páscoa – Tempo da feminidade


Jesus é ungido (consagrado) por uma mulher em Betânia (Mc 14,4), numa acção profética.

As mulheres acompanham-no, até à última, na cruz. Elas são as primeiras a testemunhar o túmulo vazio e a ressurreição aos discípulos. Elas eram companheiras dos apóstolos no anúncio da Boa Nova e na direcção de comunidades cristãs.

A passagem da Carta aos Coríntios na qual se diz “calem-se as mulheres nas assembleias…” foi uma interpolação tardia introduzida na Carta de Paulo, com a intenção de reduzir o papel público da mulher. Esta passagem contradiria as afirmações e o papel de mulheres na comunidade, referidas pelo mesmo Paulo, noutros lugares.

Efectivamente, Paulo, apesar de estar inserido numa comunidade patriarcal e sujeito, também ele, a hábitos culturais específicos, constata “… nem a mulher se compreende sem o homem, nem o homem sem a mulher, aos olhos de Deus. Pois, assim como a mulher foi tirada do homem, assim também o homem existe por meio da mulher, e ambos vêm de Deus…”

Entre outras mulheres, Paulo faz menção de Foebe, Prisca, e Junias com cargos à frente da comunidade.

Se naquele tempo, tão adverso à mulher, já ela assumia cargos de direcção na comunidade, o que diria Paulo hoje ao escrever as suas cartas! Houve um retrocesso nalguns aspectos.

As religiões, em vez de assumirem a própria cruz, por vezes, preferem pregar outros na cruz, em nome de Jesus ou de Deus. Ao pregarmos pessoas na cruz em atenção a hábitos, tradições e convicções redutoras, reduzimos a realidade da morte e ressurreição de Jesus Cristo esquecendo que a morte de Jesus é a nossa vida e a nossa realidade. A mensagem da Boa Nova pascal é uma mensagem de liberdade, felicidade e amor. A nova comunidade cristã é chamada a prescindir de pregar o próximo na cruz de hábitos e regras contrárias à felicidade humana.

É Páscoa também para as mulheres. Seria desconhecer o seu ser e o ser cristão, teimar em reservar para elas o papel de servidoras ou ajudantes. Elas que testemunharam e anunciaram a Ressurreição de Jesus, não podem deixar limitar o seu papel, na igreja, à atitude de silêncio do Sábado da Semana Santa. A Ressurreição é universal e não apenas uma experiência individual mística.

António Justo
"Pegadas do Tempo"
2008-03-18
António da Cunha Duarte Justo

Música – Método de Cura Corporal e Espiritual


O ser da vida e do mundo é vibração é ressonância. Estas são comuns ao corpo e à alma de cada um dos nossos seres e ao existente. Na pauta de notas da vida trata-se de descobrir a nota de que se é eco para se poder entrar na solfejação geral e assim dar voz à sinfonia da vida universal. Uma vez entrados na onda trata-se de seguir o ritmo que nos conduz ao inefável, ao indelével. A música é, no seu verdadeiro sentido da palavra, bálsamo da alma. Ela conduz-nos ao limiar do espírito.

O ouvido é o primeiro sentido já em acção no ventre materno e o último a deixar-nos no fenecer. Através dele o mundo exterior chega ao mais profundo de nós mesmos.
A música cria grande ressonância nos vários areais cerebrais activando uns e desligando o centro do medo e activando o da lembrança.

A música não pode ser reduzida a caixote do lixo de sentimentos negativos e de frustrações nem tão-pouco a estímulo de sexo (Pop), nem a alienação de intelectuais (música clássica). Naturalmente que também tudo isto tem o seu sentido, não se esgotando aqui. Música é expressão do divino e meio de cura. Ela é a voz de Deus a vibrar quando nós entramos na ressonância do sentir, tornando-nos eco a agir.

Ao ouvirmos música sentimos coisas maravilhosas quer quando estamos sãos quer quando doentes e abertos ao milagre. A música, se não cura, melhora o nosso estado de saúde. Nos conventos, para entrarmos num estado de harmonia corporal e espiritual começa-se logo de manha por cantar o gregoriano. O canto chão, um poço monocórdico acompanha momentos importantes do dia.

A música consegue desatar, em nós, nós psico-fisiológicos e desenvolver forças curativas, como nos revela a harpa de David quando tocava para o seu rei depressivo. Muitos dos curandeiros da antiguidade e modernos utilizam os seus instrumentos musicais e o seu canto para curar. Também em muitas clínicas ou hospitais se usa a música como elemento sedativo e curativo.

Não só as vacas dão mais leite ao som de música clássica mas também as hormonas de stress diminuem no sangue dos pacientes e “surgem menos complicações depois das operações” como testemunham cirurgiões de clínicas em que se usa a música também como calmante. A música estimula o cérebro a predispor-nos para a mudança. A música encontra a sua ressonância no cérebro tornando-o flexível para o experimentável.

Daí a importância da promoção da música na escola e por todo o lado. Todo o educador, pai e mãe, se deveria preocupar por iniciar o educando, o mais cedo possível, na música. Esta aumenta a empatia e a inteligência.

Investigações feitas na clínica neuropsicológica da Universidade de Heidelberg na Alemanha chegaram à conclusão de que, com música, a massa cinzenta aumenta e as células nervosas adquirem maiores conexões, melhorando o intercâmbio entre os dois globos cerebrais. Além disso o sistema imune é estimulado e os acessos à memória e ao inconsciente são abertos pela música.

O mesmo se dá através da música litúrgica e da dança no que respeita ao ingresso na mística e no equilíbrio de corpo alma. O ritmo e a harmonia conduzem-nos à vibração e à ressonância com o todo. A música consegue desfazer os encrostações materiais conduzindo-nos ao limiar espiritual em que tudo é relação, amor, como se constata na fórmula trinitária. Na vibração forma-se a personalidade. A medicina chinesa opera muito com os campos energéticos e com o seu fluir. A terapia consiste em restabelecer a harmonia e o fluxo.

Toda a mãe canta instintivamente para a criança que sofre ou que se encontra em desequilíbrio. Segundo investigações feitas pela psicóloga Sandra Trehub, o canto provoca a diminuição das hormonas de stress por bastante mais tempo do que a fala.

A música abre as janelas do corpo e da alma: desbloqueia areais cerebrais e ajuda a recordação, aumentando em 30 % a capacidade de armazenagem do cérebro.

No mundo tudo vibra também as células cantam conseguindo a ciência distinguir já entre o cantar das células sãs e o barulho das cancerígenas. Oliver Sacks observou em todas as experiências que fez com pacientes Parkinson e pacientes com problemas de fala, que “a música actua como um precursor exterior”. Ela deixa no nosso cérebro como que pautas indeléveis que possibilitam o reatar de relações, orgânica ou psicologicamente, interrompidas.

A música ajuda a introspecção e auxilia-nos a chegar ao lugar do silêncio e da quietude em nós, ao lugar da criatividade, do amor divino. Daí surge a onda da gratidão, do milagre. Aí se ouve a voz que segreda no sossego e se repete nas ondas do oceano… Ela pode ajudar-nos a chegar ao nosso meio, ao meio do mundo, a Deus. Então, ouviremos em nós o vibrar do universo e a ressonância do diálogo trinitário baixinho do tudo em todos.

António Justo
"Pegadas do Tempo"
2008-03-11
António da Cunha Duarte Justo

Cura – A energia do gesto e da ideia


A arte de se recriar

Activar as energias de auto-cura através da estimulação da competência curativa em nós é uma tarefa cada vez mais premente, num processo criativo de encontro da essência da realidade em nós e no universo. A vertigem do nosso tempo leva-nos a viver em mundos paralelos ao próprio, a viver em segunda mão. Isto provoca mais stress, destroço, desfasamento e angústia no quotidiano da vida.

Truncados da vida e escravos da matéria resta-nos uma mudança de atitude na redescoberta do espírito, a caminho da fonte cristalina do ser, onde matéria e espírito se não contradizem, vivendo na reciprocidade. Cada um de nós traz em si um potencial inesgotável de divindade a activar.

Ciências naturais, ciências humanas, política e religião já empataram demasiado tempo centradas em si, na defesa do particular desintegrado do todo, à custa do ser humano, à custa do espírito que tudo suporta. A natureza não poderá ter querido condicionar o ser humano ao médico ou ao mero negócio com a cura.

Sob a perspectiva teológica da Trindade e sob a perspectiva da nova ciência física (teorias da relatividade e teoria quântica) a essência da vida é relação, transpondo-se assim a ideia de fronteira entre espírito e matéria (encarnação - espiritualização). Teologia e ciência positiva aproximam-se, tendo como o lugar de encontro e de partida o espírito. Assim seria óbvio o emprego conjunto dos resultados das duas disciplinas, sem complexos: uns e outros motivados apenas pelo serviço e desenvolvimento do ser humano e da natureza.

Pelos resultados das observações da medicina e da religião o sucesso da cura parece depender também do ritual. Este terá a missão de usar as funções do cérebro que não distingue entre ilusão e realidade. Trata-se portanto, através da força da imaginação, da ilusão e do espírito, produzir reacções cerebrais com o mesmo efeito de medicamentos ou de criar através do rito o momento propício ao kairós. Através da física sabe-se que a matéria é informação e através da teologia sabe-se que a matéria é informada pelo espírito que nela habita. A informação tem uma grande força eficaz como cada um de nós já pode ter observado na inter-relação psico-somática que acontece no nosso estado de saúde ou de doença. A mobilização das forças do intelecto e da alma deve ser objectivo de todo o médico e de todo o padre ou espiritual. A fórmula “a fé transporta montanhas” é pura realidade. Somos condicionados do espírito, da palavra. A palavra forma a nossa realidade. “No princípio já existia o Verbo (a palavra, a vibração), e o Verbo estava em Deus, e o Verbo era Deus…” (Jo.1,1). Ele fez-se homem e permaneceu entre nós.

Religião e Ciência de mãos dadas
A essência do ser e da existência concretiza-se na relação divina trinitária, é vibração e ressonância. O Espírito está em tudo e em todos. O ser humano está chamado a emergir no seu estrato espiritual para poder desenvolver-se e assim possibilitar um salto qualitativo no desenvolvimento da natureza. Para isso é essencial a abertura ao espírito e o treino da intuição.

A intuição e as forças da alma activam-se num estado entre acordado e sonho, um estado alfa ( estado de meditação ou oração) em que as ondas cerebrais atingem uma frequência entre 7 e 14 Hz (Hertz), um estar desperto, vigilante relaxado. Este estado paralelo ao estado de atenção racional, pode ajudar-nos a curar e a curarmo-nos. Através da respiração sentida, da oração, da música ou da meditação podemos desenvolver em nós um espaço, uma atmosfera criadora e geradora de energias que pode desbloquear e possibilitar, na harmonia e na ressonância do universo, um processo de cura e de harmonia não só a nível individual como social. Uma vez recolhidos neste santuário as nossas ideias tornam-se energias mais potentes ainda, do que o são normalmente. No ser só e no estar em tudo. A física quântica torna compreensível a capacidade e a potencialidade das ideias. Através do pensamento posso provocar muitas mudanças. Uma lei quântica afirma que tudo é vibração. A diferenciação estará no grau de frequência. Nas pessoas doentes a frequência é menor devido a bloqueios de energia. O mesmo se diga do corpo social e natural. Na experiência religiosa fala-se da abertura ao espírito, ao Espírito Santo, para que ele deslize em nós sem nós nem impedimentos.

O estado de ressonância seria o estado comum ao ser, como que o “sentimento” do espírito, o estado do corpo místico; falando numa linguagem cristã aquele estado corresponde à consciência de sermos não só Jesus mas também o Cristo, a unidade de matéria e espírito.

A intuição sempre levou as religiões e as pessoas sensíveis a usar a energia espiritual como meio de cura. O sacramento da unção dos enfermos, antes do racionalismo andava estreitamente aliado a uma certa magia que através da identificação com Cristo possibilitava como que a intercomunicação das duas naturezas na abertura ao fiat, às mutações proporcionasse a cura espiritual e corporal. O rito era a oportunidade corporal e espiritual na abertura ao acontecer mais profundo da realidade. A presença do ministrante, dos familiares, e o emprego de frases, gestos são o lugar próprio do sacramento onde se realiza a concatenação dos elementos. O rito da unção, imposição das mãos, palavras e gestos produzem, também eles, efeitos naturais, espirituais e sobrenaturais. A sabedoria popular conserva ainda esse saber, que por vezes discriminado, nem sempre é aplicado com a pureza e o respeito que é devido ao ser humano.

A caminho do espírito, as paróquias, clínicas e hospitais podiam tornar-se em centrais de apoio e acompanhantes de pessoas abertas ao espírito, numa tentativa de restituir a responsabilidade da cura e do corpo são em alma sã ao indivíduo e à comunidade. Importante é abrir-se para poder ouvir os queixumes do espírito através das manifestações da alma doente que deixa as suas marcas no corpo e assim possibilitar a comunicação consigo mesmo e entrar na relação com Cristo, com o todo em si. Para isso médicos, padres e espirituais terão de reportar-se aos novos resultados da física e à mística da trindade, passando a considerar o outro sujeito e não como objecto de serviços. O valor da administração terá de recuar em favor do indivíduo numa abertura absoluta para lá das incrustações dogmáticas ou científicas. No centro da religião e da medicina está o espírito, a pessoa e não a instituição ou o hábito rotineiro degradante.

Pressupõe-se para isso a vontade de aprender a usar a força da visão na procura duma outra realidade. Ciência e religião, contra a sua missão, petrificaram o ser amarrando assim o ser humano às suas necessidades primárias, à ilusão. Já Platão (séc. V-IV a.C.), que não conhecia o cristianismo, nem o mistério da trindade, afirmava que a percepção não produz saber mas opiniões enganadoras. O saber verdadeiro é adquirido com a ajuda de conceitos que ajudam ao acesso às ideias eternas. Os conceitos provêem da lembrança das ideias que a alma observou antes de ser encarcerada no corpo.

Assim, se filosofar é ultrapassar a percepção dos sentidos, também entrar no processo de cura pressupõe mergulhar no grande mar do espírito de que a doença, o mal é a ausência. O processo da cura pressupõe um recriar relações. Analogicamente ao que aconteceu com a realidade fez-se o mesmo das ideias tornando-as o invólucro estático.

Urge dar vida às ideias através de imagens dinâmicas que as torne criativas, integradas. A ideia viva possibilita a iniciacao ou continuação de processos no caminho da descoberta e do encontro de nós mesmos. Porque não sabemos, ou melhor, não temos a consciência do que somos, tornamo-nos, muitas vezes, terreno maninho, terreno dos outros, alheados de nós. Por vezes temos a sorte de sermos acordados, por algum anjo a caminho, para a saudade da ideia original. Aquela saudade nostálgica é espiritualidade (matéria espiritualizada e espírito materializado, sem preconceitos materiais ou espirituais, em diálogo libertador): fé, esperança e caridade no mesmo acto. A fonte da saúde (“Deus em nós) encontra-se mais perto de nós que nós mesmos, como dizia Agostinho.

António Justo
"Pegadas do Tempo"
2008-03-06
António da Cunha Duarte Justo

Caminho Português de Santiago de Compostela e de Fátima


Numa época em que se tem o sentimento de que a vida se realiza a caminho e, por vezes mesmo, o caminho é a meta, seria de dar muita importância ao encontro dos caminhos medievais para Santiago de Compostela. Para Portugal, isto significaria encontrar, em grande parte, um caminho comum ao de Fátima. A Europa, entre caminhos e atalhos, sente saudade de um caminhar que a leve a bom termo.

A crescente necessidade do povo peregrinar, por razões de fé ou outras, acompanhada dos interesses comerciais e turísticos torna óbvia a necessidade de fazer o levantamento e fomento da rede das rotas dos peregrinos por toda a Europa e em Portugal.

Na Europa Central e Nórdica está muito em voga, na camada social que gasta cultura, fazer-se, a pé ou de bicicleta, o caminho de Santiago de Compostela. Em Portugal, este caminho está bem demarcado e bem servido a partir do Porto, com um percurso de 121 km em Portugal e 114 na Galícia, passando-se por 125 aldeias e cidades, podendo o percurso ser caminhado em 10 dias, o que seria pena fazê-lo tão depressa, atendendo a tantas belezas que há para observar e sentir no seu trajecto. Daí o haver muitos estrangeiros (italianos, alemães, franceses e ingleses) que vão de avião até ao Porto, tomando a partir daí o caminho para Santiago.

Do Porto para o Sul ainda não há uma investigação nem um roteiro definido. Noto isso, também, no Chaque, Branca, onde moro nas férias e aonde há um bocado de caminho conhecido como Caminho de Santiago que é, em parte, usado por peregrinos de Fátima que fazem um desvio da Estrada Nacional, a via mais usada como via para Fátima, via esta sem nada de romântico ou espiritual ao contrário da outra. (cf. Artigo em Arquivo, 2007, Agosto, N°.) O caminho tem muitos traços comuns com antigas estradas romanas. Já a Rainha Santa Isabel, tal como o clero, a nobreza e povo peregrinavam a Santiago o que levava à Construção de Igrejas e albergarias ao longo do trajecto.

Embora seja difícil determinar o caminho mais original em todas as suas especificidades, importante é a existência dum caminho adequado e bem concebido nos trajectos não determinados. Um tal trajecto atrai, naturalmente, todos os possíveis apetites.

Seria relevante fazer coincidir, na medida do possível, o caminho de Santiago com o caminho de Fátima. Para isso é preciso maior consciência e vistas rasgadas e um plano regional bem estudado e demarcado com infra-estruturas que sirvam os interesses dos peregrinos e não se perca nas curvas de interesses de grupos concorrentes.

Na Idade Média os peregrinos faziam a peregrinação como penitência ou para agradecer alguma cura milagrosa, tal como acontece hoje com a peregrinação a Fátima. Paralelamente a intenções religiosas está também o gosto da aventura e a curiosidade cultural e interesses turísticos.

Interesses religiosos e seculares não se mordem, prevalecendo naturalmente a motivação religiosa mais profunda num caso e noutro do que pode parecer. No nosso caminhar, seja ele pelas sendas da terra, ou do espírito encontra-se sentido e orientação. (Como distintivo, o romeiro possui um Cartão de Peregrino, a Concha de Santiago e o bordão de peregrino.)

A caminho, encontramo-nos, grandes e pequenos, sob a mesma plataforma. Daí o facto dos centros religiosos interessar também a crentes doutras religiões e a não crentes. O caminhar é ao mesmo tempo salutar para o corpo e para a alma. O bem que estes caminhos têm, com as suas infra-estruturas de apoio, é serem humanos, naturais e bastante económicos, possibilitando também, à margem do consumo, umas férias baratas paras alguns. Tudo é bom, neste caminhar conjunto.

No peregrinar se entrecruzam e misturam a paisagem natural com a paisagem da alma do peregrino dando-se prolongamento uma à outra e possibilitando o encontro dos mais diversos mundos num mundo tão rico e variado. De facto, o mesmo caminho une os diferentes caminhares e alegra-se com as diferentes motivações. Aqui poesia e oração irmanam-se.

António Justo
2008-02-02
António da Cunha Duarte Justo

Sistema Preventivo na Educação dos Jovens

Pedagogia de Dom Bosco – Um modo de estar diferente na Escola

O sistema preventivo, iniciado por Dom Bosco e praticado nas escolas salesianas implica uma pedagogia da precaução e da prevenção baseada na dignidade humana e na dedicação e respeito pelo aluno. Isto pressupõe uma reflexão contínua sobre a tarefa, missão e conceitos do ensino e da educação. Professores e alunos embarcam juntos na mesma aventura.

Assistência é o termo usado para apoiar o jovem. No seu centro juvenil de Valdocco, e nas escolas posteriores, a vida escolar consta de jogo, estudo, formação, religião, teatro, tempo livre, etc. Assim, os jovens, em interacção, treinam as competências emocionais, intelectuais, espirituais e práticas. Trata-se de cultivar o ser humano na sua totalidade num ambiente de desenvolvimento natural espontâneo e global. O pedagogo Dom Bosco supera o pensar selectivo, causal e apelativo – moral. No centro da sua pedagogia está a pessoa, o jovem todo, aceite tal como ele é. Trata-se de acordar os seus talentos e despertá-lo para a metamorfose. A educação não pode estar alheia à disciplina, à persistência, à vontade e à auto-consciência. Uma vez descobertos os talentos próprios trata-se de despertar alegria no que se faz. Trabalho e alegria andam juntos. Dom Bosco convencia porque tinha uma vivência, uma visão de homem e de sociedade.

A dimensão preventiva está no facto de prever – uma atitude responsável de prospecção em harmonia com a criação no sentido dum desenvolvimento persistente e eficaz de potenciar a vida futura. O educando é capacitado a agir e a dar forma ao futuro na vivência dum presente antecipador.

Educador e Educando
Educador (Assistente) e educando encontram-se numa relação dinâmica inter-pessoal e ambiental, a caminho num processo relacional cada vez mais consciente. Caminham juntos numa interacção sujeito – sujeito, à margem dos papéis aluno – professor. O objectivo da educação é a realização do ser do homem, do cidadão, num biótopo natural, a escola, o centro juvenil, o local. Assim se fomentam e fortalecem identidades responsáveis nas suas aptidões emocionais, intelectuais, espirituais e práticas. É um modo de vida integral. No sistema preventivo também a teologia e a religiosidade assumem um carácter prático. Não chega amar os alunos, “é preciso que os educandos sintam que são amados”.

Não se trata de um programa orientado para a profissão e bem-estar material, para o carreirismo mas para a felicidade e realização pessoal. Uma educação demasiadamente centrada nas notas e no programa, não dá lugar à personalidade integrada e cria muita infelicidade pois conduz a autómatos e adaptados, a seres condicionados para um determinado modelo de sociedade ou instituição. Esta cimenta uma percepção condicionada fixada no pensamento, no que se pensa sem preocupação do modo como se pensa. Mais que o saber, é importante o acontecer e o observar para poder dar resposta em situação, num processo de responsabilidade global capaz de ver para lá das coisas e das ilusões. O educador em relação com o educando presencia e presencializa com ele a sua resposta ao universo, à humanidade. Num e noutro se encontra toda a criação, toda a humanidade. A competência da simpatia para com o educando é essencial no sistema educativo. Nas reacções do outro reconheço as minhas acções. É um modo de estar empático. Pratica-se na correlação de modo a acontecer metanóia numa consciência processual dos seres e do mundo... A aprendizagem torna-se num processo aberto numa atmosfera de carinho e abertura que pode culminar numa experiência comum de espírito. Regras são apenas muletas num processo de aprendizagem que se quer interpessoal e interdisciplinar. Daí a necessidade da escola estar integrada no meio onde as instituições e empresas são chamadas a contribuir com a sua experiência e saber para a formação dos jovens. A escola serve a aldeia e a aldeia serve a escola num ideal de serviço e de destino comum na afirmação perante a grande aldeia que é o mundo.

Educar torna-se a arte de aprender, de observar e viver a vida toda, ajudar a ser compreendido e a compreender, num despertar da consciência humana e do mundo. Educar é aprender a descobrir-se descobrindo, num processo dinâmico e contínuo de ipseidade-alteridade num triálogo eu-tu-nós, à imagem da fórmula da realidade trinitária.

A educação dialéctica torna-se unilateral e redutora ao fomentar um saber apenas funcionalista limitado ao cultivo do intelecto. Para lá das cortinas do pensamento há outros mundos a descobrir. Não chega o palco do intelecto para representar a complexidade do ser humano e da realidade. A auto-descoberta pressupõe o interesse pelo mundo exterior e a introspecção. “Vós sois os templos”, as escolas… Do encontro connosco mesmos e com Deus no nosso íntimo entramos na relação com o outro. Assim a acção passa a ser ressonância.

Aprender a aprender
Estamos habituados a receber vítimas na escola e a ver sair vítimas da escola convencional numa cadeia dum ciclo vicioso apenas reactivo ou mesmo reaccionário, agindo embora sob o leme do progresso. Naturalmente que o ser humano é ele mesmo mais a soma dos seu condicionalismos. A escola tradicional apenas se importa com os condicionalismos na procura duma segurança física, fomentando assim prisioneiros do sistema. Este sistema estático reflecte-se na imagem das suas paredes que determinam o espaço humano a que os alunos se têm de adaptar. Como se enchem as escolas assim se ocupam os cérebros dos alunos com ideias preparando-os para ocuparem postos ou funções – uma educação para a funcionalidade e não para a felicidade e criatividade. As ideologias são os esconderijos da alienação. Aí não há realidade; Esta é substituída por ideias, ideais e por estratégias de adaptação e imitação. Estamos habituados a colocar a cultura, a ideia, entre a pessoa e a realidade num processo de objectivação do inobjectivável, num actuar repetitivo e estático contra o carácter existencial aberto e integral da relação. A verdadeira relação acontece no amor que é universal.

Aprender a viver o momento presente de modo a torná-lo criativo e gratificante, o que alguns designam “viver na presença de Deus”. Na presença de Deus não há ideias nem normas, extingue-se o passado e o futuro, o agora é tudo, é acontecer para lá de qualquer estrutura, na relação total fora de qualquer orientação: o amor ágape. Para tão alta percepção da realidade não pode haver pressas nem atropelos na via; o processo vital implica tentativa e erro. Na nossa acção, em cada acto, presencia-se e presencializa-se o universo, integra-se o universal. Não se trata de fazer algo em nome duma força ou de Deus – este está presente na nossa presença. Não se trata já de aprender em segunda mão, mas de observar até os próprios limites do nosso saber, – trata-se de, num acto só, pensar-sentir-agir. Transpõe-se a esfera do reagir para passar à do agir. Aprende-se a descobrir como o espírito se encontra amarrado a ideias, projectos e ideais.

Integrar o Pensamento (Ensino) na Vivência do Pensar-Sentir-Agir
O primeiro trabalho será de desocupação do espírito (varrê-lo!) porque este se encontra refém do intelecto. Este reprime o espírito e impede o seu fluxo normal da energia. No Espírito está o carinho, a sabedoria, como que a terceira pessoa da Trindade, o Espírito. O carinho, o amor é o combustível de todo o agir, de toda a vida, do microcosmo e do macrocosmo, é a labareda do espírito. “Ama e faz o que queres”, pois encontras-te na responsabilidade (resposta) universal e a realidade passa a acontecer na inter-relação pessoal do eu-tu-nós.

O mais das vezes, a escola condiciona negativamente o espírito com o saber transmitido e exige o seguimento de ideais e conceitos que mais não são que projecções de ideias. Estas distorcem a realidade transformando-a em máscara, alienando assim o educando. Os conceitos, as ideias, o pensamento são importantes desde que não usurpem, para si, o domínio absoluto como acontece normalmente. No pensar lógico, a linguagem é o pressuposto do pensamento. O intelecto está condicionado à lógica causal que, por sua vez, fundamenta o pensamento lógico no espaço. Este é relativo porque empírico condicionado ao tempo – espaço. Os modelos mentais ligados à mitologia transcendem o pensar lógico causal, tal como o conceito mental transcende a dimensão espacio-temporal. É óbvia a transmissão dum pensar integral-intuitivo em que as fronteiras da minha experiência não se tornam apenas as fronteiras do meu mundo, mas um processo aberto integrador de todas as potencialidades humanas. O pensar cientifico positivista ao admitir apenas o pensar lógico condiciona a realidade ao intelecto(Ludwig Wittgenstein: “Os limites da minha fala significam os limites do meu mundo”). Daqui o vírus que infecta especialmente o sistema estatal de ensino em Portugal. Este é dialético-selectivo não tendo lugar para a diferenciação, para o individual; pretende um cidadão formatado na dicotomia, um ser só corpo, sem alma. O Espírito aparece como estorvo num regime que se preocupa apenas em formar consumidores, proletários, os melhores devotos do regime.

Para aprendermos a aprender temos de questionar o reconhecimento exclusivo do pensar lógico-utilitarista e partirmos para um pensar integral. Esta maneira de aceder à realidade, de percepção, implica uma abordagem imediata da realidade e não apenas através do desvio, do rodeio do intelecto. O intelecto racionaliza, define, limita, cria imagens. O pensamento é a reacção das experiências situadas no tempo, movimenta-se entre factos imagens, é quantitativo e por isso julga enquanto que o espírito é qualitativo, é integral. O espírito é completo, o pensamento decompõe o todo. O espírito, o amor, não define, não limita, por isso o intelecto não pode compreender o amor, a ágape. Se as ideias separam, a relação acontece na acção na realidade e não no mundo paralelo das imagens, das ideias. As ideias e os sentimentos dão lugar à paixão que é participação e criatividade no sofrimento com o outro, o mundo, para lá do eu, no nós, na acção de dar à luz. O mundo para ser compreendido tem de ser “sofrido”. A essência do pensamento é limitada à experiência e à recordação. O ser do espírito é integral, global, é como que o ventre materno que dá à luz. Será necessário pensar sentindo e sentir pensando. Então já não passaremos pelos bosques a observar as ideias que dele fazemos. De facto, a escola regular, habitua-nos demasiado a ver a realidade em diferido: Ensina-nos a apreender a realidade através dos espelhos dos conceitos, dos ideais, das ideologias ou da economia.

O ser humano é assim reduzido a uma imagem, a um objecto, tal como Deus e a realidade. Nesta perspectiva torna-se mais fácil a exploração do homem pelo homem. Tal como nos acautelámos dos instintos para que se não apoderem do espírito, o mesmo deverá acontecer em relação ao pensamento, às ideias para que não tomem posse do psíquico ou do espírito. Importante é observá-los na distância. Se os instintos são legítimos, os problemas começam nas suas imagens ao tornarem-se desejos obsessivos. A natureza responde ao chamamento universal nas espécies animais com o instinto e espécies vegetais com as leis inerentes de aferimento uns com os outros., enquanto que o ser humano tem a sua forma própria de responder na responsabilidade global. Se a realidade é fragmentada pelos nossos sentidos e pelo pensamento o espírito repõe o seu carácter integral. Uma educação para a liberdade integral terá que ter em conta tudo isto.

Alguns exemplos práticos de vida na escola salesiana
Na escola estatal aprende-se sobretudo para assegurar o futuro. Depois da escola trabalha-se sobretudo para assegurar o futuro. Na generalidade, a vida fica a caminho e chega-se ao fim sem futuro! A escola ensina-nos, a maior parte das vezes, a viver em diferido, no desrespeito do presente em nome dum futuro sempre distante e dum ser humano abstracto. A procura do futuro, nunca presente, parece acontecer à custa do presente marginalizado. As escolas estatais ao serem demasiadamente funcionais e indiferenciadas correm o risco de, com o tempo, se tornarem as escolas do resto, as escolas daqueles que não conseguem escolher um outro tipo de ensino. O bem de muitas escolas privadas é poderem, em certa medida, dar resposta não apenas às necessidades mais primárias do homem.

O sistema preventivo pressupõe um modelo de vida diferente. Não se trata de acumular ideias ou de assumir só papéis. Baseado na autonomia do educando, o educador não ajuda o educando, ele participa na sua vida e no seu projecto. Não se trata duma pedagogia para o educando, virada para o tratamento dos seus sintomas, mas duma pedagogia integral capaz de apreender a estrutura que está por trás do saber e do agir, por detrás do ser institucional, social e pessoal.

Os educadores / assistentes acompanham o educando no seu crescimento. Na escola salesiana (especialmente em sistema de internato) não há púlpitos nem estrados. O Director tem uma função correspondente à de pai; o orientador psico-pedagógico, à de mãe, e os assistentes (professores) à de irmãos mais velhos.

Ao elaborar este artigo, tenho como fonte base a experiência que fiz durante muitos anos como aluno salesiano e mais tarde como assistente (professor). Referirei apenas alguns momentos da vida escolar que me pareciam bastante relevantes. A existência de grupos com actividades específicas (Companhias) e reuniões periódicas entre os alunos eram verdadeiras oficinas do diálogo e exercício do bem e duma democracia adulta. Eu participava do Grupo do Bom Humor que contribuía com actuações para as festas da escola. Este grupo procurava elaborar, duma forma humorística, toda a vida da comunidade escolar não poupando crítica a toda a comunidade docente – discente. Este espírito de crítica humorístico fomenta, na prática, não só o espírito crítico mas também a criatividade, o respeito, o contentamento e modelos imagens condutoras. Este espírito crítico ao contrário do espírito crítico racionalista/materialista não é dialéctico mas teleológico, integral. É um espírito que eu denominaria de trinitário, a-perspectivo.

Os passeios semanais da parte de tarde e o passeio mensal de dia inteiro à natureza nas redondezas da escola, feitos a pé e por grupos que se encontravam depois num lugar pré-determinado faziam não só parte da aventura e da descoberta da natureza, mas também do indivíduo e do grupo num ambiente natural solidário e criativo. Sentir o ambiente, assistir ao nascer/pôr-do-sol em grupo e com gestos envolventes, sentir o anoitecer/amanhecer em grupo envolve mais os sentidos. A experiência da natureza fomenta o relacionamento com o ambiente e com a própria pessoa. O corpo todo e a alma estão presentes na percepção da natureza. Dá-se um novo despertar e acordar da inteligência para a natureza.

As festas da escola preparadas por todos, os teatros, os recreios, em que educandos e professores jogam juntos, criam um ambiente próprio, envolvendo toda a personalidade, numa pedagogia da vivência, e na alegria de viver. Assim se formam personalidades abertas. O fim não é saber; este pode ajudar. Importante é chegar a uma compreensão integral, a uma atitude de vida. Quer-se relação directa para lá de conceitos e convicções, de medos e de concorrência. Importante é a conduta, a acção e o relacionamento com o próximo, o mundo, ideias e sentimentos sob a perspectiva de sermos, nós também, os nossos observadores.

Dom Bosco acreditava no núcleo bom do indivíduo e por isso apostava numa cultura da confiança. Investe numa pedagogia da relação, da relação com Deus, liberta de quaisquer medos ou má consciência. A prática da “ boa noite”- alocução dum máximo de 2-3 minutos antes dos alunos se recolherem para se deitarem - parte dum facto concreto do dia e cria referências positivas. A boa-noite é um acto de purificação para libertar qualquer tensão ou desequilíbrio para que o educando descanse em paz do espírito durante a noite. O mesmo se diz da “palavrinha ao ouvido” – algo em que o educando deve pensar sem quem os outros saibam do que se trata.

A experiência dos vários modelos de sociedade baseados em conceitos intelectuais ou pragmáticos conduz à discrepância colocando a pessoa como mero intermédio entre realidade e conceito, como apêndice entre um mundo querido real e o mundo teórico. De facto abafa-se a inteligência com tanto saber desconexo também visível num mundo de mediania tão informativo que desinforma e conduz a um analfabetismo desinformado por informação em excesso. Isto é, cria rotineiros e adaptados: os oportunos do sistema.

Pedagogia do carinho, razão e coração
Quer-se uma pedagogia sem medo mas com “ideais”. D. Bosco tinha aprendido, na sua relação com o seu bruto irmão, que o medo destrói a relação. Para o superar é preciso olhá-lo nos olhos, sob o conforto duma paisagem mais alargada. Na aprendizagem não se trata de imitar mas de adquirir relacionamento numa dinâmica participativa fora do pensar utilitarista e de outros objectivos circunstancialistas. Isto pressupõe educar em situação na aquisição dum saber vivência feita numa pedagogia orientada para a acção pragmática, num pensar – sentir global, integral que se exprime numa maneira de estar própria. Na aquisição de apetências técnicas e sócio-culturais, pretende-se a balance entre razão, coração, espírito e corpo. O equilíbrio manifesta-se no respeito na consideração de um pelo outro, sem superiores e inferiores. Educador e educando aprendem. O importante é relacionar-se, aprender a observar sem pressão nem stress. Uma atmosfera de carinho, de liberdade e de alegria são fundamentais ao desenvolvimento harmónico da personalidade.

O educador age a partir da bondade que é uma mistura de simpatia e amor. O amor pressupõe um ambiente de liberdade para se poder desenvolver. O carinho não resulta de medidas pedagógicas ou de técnicas; ele acontece fora do prémio e do castigo numa acção e interacção fora da concorrência. Medidas pedagógicas e didácticas são apenas para ajudar a superar situações embaraçosas. O ponto principal é a formação da personalidade e não apenas educação para a profissão, para a sociedade.

Dom Bosco sabe que o carinho, a bondade desbloqueiam as energias do espírito. Só a harmonia do “corpo são em alma sã” conduzem ao equilíbrio, a uma sensibilidade que se alimenta do todo. Os seus centros juvenis são centros de bondade num espírito religioso alheio a moralismos. Para dar um testemunho da abertura de espírito reinante em colégios salesianos refiro apenas que eu mesmo tinha um aluno judeu de doze anos e que por empatia gostava de me ajudar à missa. Eu porém como educador salesiano vi-me na obrigação de o alertar para o facto de ele ao querer como acólito ajudar à missa, dever estar atento, para não pôr em questão a sua religião.

A opção dos Salesianos pelos pobres, pelos mais fracos e pelos jovens e adolescentes é uma aposta no futuro, na tentativa de tornar Deus presente em tudo e em todos sob a plataforma ecológica. É uma pedagogia participativa na defesa da criação que passa pelos jovens. Ela realiza-se na liberdade do conhecer, do querer e do agir. O sistema preventivo envolve as pessoas numa relação afável e empenhada. Duma maneira geral todo o educando está carente de carícias que promovam a sua dignidade. O mesmo se dá no educador, a diferença estará na consciência, no dar-se conta de o ser. Na pedagogia preventiva exige-se grande atenção à comunicação não verbal, que é geralmente mais importante que a verbal. Aquela contradiz, muitas vezes, o que se diz por palavras.

O Homem e a Obra
Dom Bosco, o criador e fomentador do sistema preventivo, é um homem, filho do seu tempo, que transpõe e ultrapassa a própria época. Um pobre, filho de pobres, que andou a servir, órfão já de criança torna-se progenitor e criador no sentido da velha tradição judaico – cristã. A sua grande preocupação é integrar os jovens na sociedade e na economia. Através da entrega e dedicação pessoal ao educando possibilita a sua identidade e capacidade responsável no sentido da justiça e da qualidade de vida.

Em consequência das lutas italianas pela unidade da Itália e num tempo em que a repressão se fazia sentir por todo o lado, surge, como consequência desta sociedade, uma juventude que fugia do campo e da penúria social das aldeias e da guerra. Assim, uma juventude abandonada vagabundeia por todo o lado. Num mundo agreste, também ela se organizava em bandos que lutavam pela sobrevivência. Ninguém se preocupava pela juventude vítima da guerra. Muitos jovens, abandonados e sem orientação, iam parar à prisão.

Dom Bosco organiza oratórios (Centros juvenis) peregrinando com eles na região, dado não ter onde os albergar. O comportamento tão disciplinado de tais rapazes e a sua alegria expansiva chegam a ponto de alguns julgarem que Dom Bosco fosse um revolucionário levando-os a acusá-lo. Finalmente consegue um lugar definitivo para os seus jovens num palheiro dos irmãos Pinardi em Valdocco. Polivalente, o padre João Bosco, além de organizar divertimentos e teatros com eles preocupa-se com a sua formação profissional conseguindo lugares de aprendizagem para eles à base de contratos. Elaborava acordos de trabalho como os patrões, para os seus rapazes. Neles o patrão comprometia-se a dar um trabalho adequado, tempo livre e a não infringir castigos corporais.

Um pobre com vocação para os pobres nasce em Becchi perto de Turim em 1835. Já antes da sua ordenação sacerdotal, a 5 de Junho de 1841, Dom Bosco se dedicara de alma e coração aos pobres. Compreendia a sua missão como entrega aos pobres; o motivo final da sua vida era os pobres. Não se compreendia como funcionário duma instituição eclesiástica ou estatal mas sim como homem ao serviço da pessoa, da juventude na abertura do Espírito. A sua presença no meio dos jovens começou logo por incomodar políticos, senhores e eclesiásticos. Ele era perigoso porque não agia como os outros…A sua acção não se limitava a adaptar os jovens rebeldes à sociedade. A sua missão tinha uma expressão marcadamente política e revolucionária, o que naqueles tempos, de outras revoluções, criava mais incómodo. O seu espírito criativo não se subjugava aos modelos da normalidade. Ele queria servir o Espírito no serviço das pessoas e das instituições. Tal como hoje, estas tinham-se transformado em pipas velhas em que o vinho novo cada vez se misturava mais com as borras dos séculos. O pedagogo queria realizar em educacao o milagre das bodas de Canaã. Dom Bosco não vinha para intimidar, só queria transmitir a boa notícia aos jovens, começando com eles uma caminhada no encontro.

Só mais tarde os seus inimigos começaram a compreender que a sua Boa Notícia de libertação era para todos, também para os marginalizados por uma sociedade sem consciência. Deus é sempre e só boa notícia para todos os seres, privilegiando naturalmente os jovens, os pobres e os doentes incuráveis, acompanhando os sempre desprezados e ignorados por todos.

A João Bosco juntam-se outros que o acompanham na grande caminhada de ajudar a juventude. Dom Bosco que admira e segue o espírito de S. Francisco de Sales, não quer, por humildade, o seu nome para o seu movimento e dá-lhe o nome de Salesianos. Hoje os salesianos encontram-se espalhados por todo o mundo. Orientam escolas profissionais, liceus, institutos superiores técnicos e universidades onde se formam, a alto nível, os trabalhadores de amanhã. Por isso são tão queridos em todos os países. Com eles actuam os cooperadores salesianos na dedicação aos mais pobres e mais abandonados. O nível das suas escolas é superior ao das escolas estatais. Como o Estado favorece as escolas estatais em relação às particulares, estas têm que se preocupar com a cobrança de propinas para poderem assim subsidiar professores e possibilitarem ensino gratuito aos mais pobres. Se o Estado não discriminasse o ensino particular, a classe mais pobre teria ainda mais acesso a um ensino de alta qualidade.

Perfil do/a Professor/a
O professor (Assistente) deverá actuar num ambiente sem preocupações económicas sentindo-se em casa, agindo por gosto e vocação. O professor age a partir do seu próprio centro que é criador e livre.

«O Espírito do Senhor está sobre mim, porque me ungiu para ensinar os pobres (anunciar a Boa Nova aos pobres); enviou-me a proclamar a libertação aos cativos e aos cegos a recuperação da vista; a mandar em liberdade os oprimidos, a proclamar um ano favorável da parte do Senhor». (Lucas 4, 16-30). Este é o espírito orientador das escolas salesianas e dos seus assistentes.

Dom Bosco centrava a sua pedagogia em Deus, donde provém paz e vida, libertação e salvação para todos. Assim opta por uma pedagogia universal ao serviço de todo o ser humano independentemente da sua crença e à margem das ideologias prosélitas. Deus não tem partido nem deve ser partido!

João Bosco queria um mundo jovem, sem vítimas do medo nem dos “bons”, sem guerras e sem Cristos abandonados. No seu oratório (centros juvenis) reinava a alegria, a esperança, a compreensão e o amor. O espírito de Cristo era o animador do centro juvenil. Deus acontece no centro juvenil (cf. João 4, 20-24). Uma forma de vida participativa e solidária para uma auto-intervenção responsável.

Embora vivendo no século XIX ele praticava e antecipava já os resultados da ciência a que Einstein chegará no princípio do séc. XX e que continuam a ser, em grande parte, desconhecidas pelas escolas estatais. Ele escreve e exercita uma pedagogia nova.
A normalidade não é válida atendendo à rapidez da mudança e transformaç1bo social. No passado bastava ser flexível, uma boa formação, e capacidade de adaptação e orientaç1bo dirigida ao futuro a para se permanecer normal e actual. Sociedade e instituiões sociais e ciência tinham facilidade em equacionar problemas e em apresentar perspectivas. Hoje, na época da teoria da relatividade e dos quanta, que veio abrir as cortinas do mundo para uma visão aperspectivista tudo rui. Actualmente, apesar do militantismo secularista estatal, já não há garantias para o bem estar e para o sentido. O horizonte normativo passou a ser pluridimensional incluindo as disciplinas da física, da biologia, da filosofia e da teologia, já não na rivalidade mas na integração. Atendendo a que a decisão de objectivos e de orientações da acção se realizam agora a um nível situacional e individual, a pedagogia terá que actuar em processo comunicativo de oferta de comparticipação de fontes que contribuem para a formação de decisões qualificadas. Longe do saber meramente teórico implicativo dum só sector humano: a razão terá que passar a uma praxis vivencial

Ele reza, joga, chora, alegra-se e come eles conseguindo como colaboradora a sua mãe, a Mamma Margarita” como lhe chamavam os frequentadores do Centro Juvenil.
Na sua infância tinha servido com criado

Ao contrário do sistema repressivo que dita as leis e depois vigia o seu cumprimento e castiga no caso de infracção, o sistema preventivo implica uma ordem e um estilo de vida em que não há papéis fixos entre educandos e educadores. Estes alternam-se numa dinâmica de aprendizagem recíproca e de entrega mútua de amor, ternura, respeito e estima. Os educadores começam por serem irmãos mais velhos, pais e mães. Na base duma relação cordial entre educadores e educandos passa a excluir qualquer castigo corporal. Naquele tempo o castigo corporal era um meio de educação comum tanto na família como nas escolas. O sistema repressivo pode impedir a desordem mas não atinge o interior do educando, não melhora o infractor.

O castigo simplifica-se e se for necessário é determinado pelo educando. O educador fala a linguagem do coração numa obediência comum. Director e professores vivem e partilham a vida dos jovens de tal modo que não há lugar para grandes infracções. A sua presença contínua não é vigia inibidora nem fomenta o cálculo porque acontece numa liberdade cordial regrada e aberta sem preconceitos virados ao futuro. Além disso, através de jogos as energias podem ser expressas e expandidas duma maneira produtiva e compensadora. É um sistema que se baseia na razão, religião e amabilidade. Ele integra o excesso de energias, a vivacidade, que estão muitas vezes na base de infracções.”Os jovens devem ter a possibilidade de terem muita liberdade, saltar como lhes der na gana, correr e fazer barulho”. A disciplina e a saúde podem ser fomentadas com jogos, música, recitações, teatros, passeios, etc.

O sistema preventivo tem em conta uma relação sujeito – sujeito num respeito de uns pelos outros no carinho caloroso autêntico que brota do coração. Aqui não há objectos nem papéis. Estes reservam-se para o teatro e para os jogos. São personalidades diferentes no encontro relacional realizador e gratificante. “Ama e faz o que quiseres”. A frequência livre dos actos religiosos é vista como medida educativa. Para os meninos do centro juvenil que pernoitavam nele havia sempre, antes da despedida para a cama, umas palavras cordiais de boa noite comum, dirigida por quem nesse dia estava à frente do grupo, mas que nunca deveria durar mais de dois três minutos. O educando vai descansar em paz e motivado para assumir uma atitude cada vez mais profunda.

O educador conquista o respeito do educando através do amor que lhe dedica. Esta dedicação, se ferida pelo educando pode provocar um olhar que se desvia e que passa a ser sentido como castigo. O desejo de ser amado e reconhecido é tão forte que desculpa as fraquezas do outro. O castigo terá que encorajar, nunca humilhar. Uma repreensão nunca se deve dar em público. A necessidade de ser respeitado é implícita à personalidade. ”Não chega amar os jovens, é preciso que estes sintam que são amados”. Dom Bosco continua: “ Se nós amarmos o que lhes dá alegria, se aceitarmos as suas inclinações, então eles também aprendem a reconhecer o amor nas coisas que lhes não agrada” tais como disciplina, auto-domínio, a capacidade de perseverar. Amor torna-se visível no equilíbrio da diferença. O assistente deve amar o que agrada à juventude, então os jovens amarão o que agrada aos educadores”. Ao dar-lhes uma alegria libertamo-los duma necessidade, duma dor. Sabe-se que o amor não separa o direito do dever. Também Jesus nos ama não por sermos bons mas porque Ele é bom.
O Amor, a cordialidade e a confiança recíprocas são as colunas da educação.

Esta pedagogia não directiva está orientada para as fontes. Ela não se limita a reagir, pelo contrário, antecipa-se e age. O educador/professor não se fixa nos problemas que os educandos possam trazer mas nas suas potencialidades.

Hoje a protecção do meio-ambiente está relacionada com a protecção da vida das crianças; duas garantias de futuro em perigo. A actividade salesiana é uma acção de desenvolvimento que une o espírito criativo ao participativo. A crença dá lugar às obras. Não chega ser devoto; ele quer os professores, os padres, em mangas de camisa, para poderem arregaçar as mangas e melhor servir!...

António Justo
2008-02-02
António da Cunha Duarte Justo

POR UM PORTUGAL VIRGEM E UM ESTADO EUNUCO


O Despudor Político do “eu posso, quero e mando”

Em Portugal, o Ministério da Educação, na continuação da sua campanha de safar da cultura portuguesa os vestígios do passado cristão e de desportugalizar Portugal, deseja, com nova medida, retirar o nome de Santos às escolas públicas que o tenham. O assunto, a nível superficial, até parece banal: o nome de santos ou de políticos é indiferente para um povo que não gasta cultura porque lhe falta o essencial para viver. O resto é conversa entre crentes políticos e crentes religiosos a arrotar. Eles até têm razão; santos só incomodam numa democracia em que se querem todos pecadores iguais!... A política não suporta desigualdades nem injustiças, a não ser as dos seus. A seu ver, a virtude é reaccionária e conservadora; a nova ideologia deseja-a por isso fora da escola. O seu lugar, se andar com sorte, é nalguma igreja meio abandonada e desapercebida.

Talvez tencionem substituir o nomes dessas escolas pelos dos seus ídolos políticos (os seus santos): Karl Marx, Cunhal, Soares, Stalin, Mao, Fidel Castro, para salvaguarda das sombras do 25 de Abril, para testemunho do seu internacionalismo e para honra de tais padroeiros no adro da sua democracia.

Numa outra ordem de ideias, numa mudança de legislatura, a Ponte 25 de Abril receberá o seu nome original de Ponte Salazar!... No palco das legislaturas cada fracção poderia colocar, alternadamente, em palco, os cenários com os correspondentes predilectos, pelo tempo que lhes é dado pelo povo.

Mas não, na era progressista já não serão relevantes os partidos, apenas interessam ainda os nomes individuais, já não nomes vulgares, mas nomes formatados a caminho da abstracção em que de facto já se superaram as diferenças. Então, numa sociedade “cassete” formatada, instaurarão o politeísmo correcto como garante da sua diferença. O problema é que numa fase posterior também os deuses passarão a estorvar a divindade comum.

A Caminho do Acobardamento
Por enquanto, enquanto não nos habituarmos aos seus desmandos, alguns cépticos ainda vão afirmando que aqueles querem dar continuidade aos extremismos do Marquês de Pombal, mas sem a contrapartida do que ele fez pela nação. Comportam-se, por vezes, como estrangeirados envergonhados da nação chegando a actuar como mercenários de interesses estrangeiros e de ideologias extremas. O internacionalista têm de se camuflar para não dar nas vistas e para poder agradar a toda agente lá fora; o internacionalista moderno tornou-se uma espécie de pacote só invólucro. Hoje em dia os cartuchos são tão bonitos!

Senão veja-se o que acontece até já no futebol: para que a cruz do seu emblema não faça sombra à meia-lua turca, que protestou pelo facto da camisola dum clube português em campo ter a cruz, a reacção imediata do portuguesito foi tornar a cruz imperceptível. Este é um exemplo concreto do respeito à diferença. Estamos a chegar ao auge dum Portugal de “português” para inglês ver, ou será que o nosso estado já terá conseguido desalmar a nossa cultura? Esquecem que no próprio símbolo comunista, da foice e do martelo, se encontra a cruz.

Na próxima vez quando os nossos clubes forem jogar à Turquia coloquem nas suas camisolas a meia-lua. Este será o melhor testemunho de internacionalismo progressista. Certamente que o governo concederá um subsídio para o efeito e os turcos se sentirão vitoriosos na derrota pela vitória conseguida!... Em questões de futebol, o governo não se preocupa com o dinheiro: basta recordar os milhões oferecidos por Portugal aos palestinianos para o campo de futebol!

Na Cultura do Papel Higiénico
Se querem uma cultura portuguesa virgem e um Estado português eunuco terão também que acabar com os nomes, geralmente másculos, sejam eles políticos ou quejandas que ocupam o espaço público nas instituições, ruas, praças, etc. Será necessário começar por fazer o seu saneamento para, no tempo do Homem Adulto, se acabar com todos os nomes.

Se pensarmos em termos políticos progressistas, de facto, todo o nome é um testemunho de capitalismo, porque significa personalização / individuação que é incompatível com o actual ideal socialista e o espírito colectivista proletário, que pretende um homem como massa; sim massa mesmo, massa para poder ser comida mesmo sem colher, porque a colher é símbolo de cultura e esta é o papel higiénico com que se limpará o sim-senhor, na Nova Cidade Progressista, onde, só alguns, já não senhores mas assenhoreados, vivem da tal massa onde o vício da cultura já não atrapalha e a generalidade da massa já não precisa da outra massa porque lhe chega a outra massa da cultura macarrão, trabalhando liberta em casernas com obediências a generais e seus espias no serviço da generalidade. Os escutas, desregrados, como parte da massa, tornam a lei supérflua, ficando na cabeça de uns e de outros apenas uma operação: a lei do cálculo oportuno. Neste Estado do Proletariado Progressista já não haverá nem santos nem senhores que mandem, só se conhecerá o céu da nomenclatura anónima! Atendendo ao seu estado de evolução, a gente já não manda nem precisa de mandar; aí o povo só demanda a desmanda da manada mandada para mandar.

Com o evoluir da sociedade progressista, até dos nomes das ruas, das instituições e das pessoas se prescindirá! No primeiro estádio o argumento da democracia ainda serve, pelo que se organizarão listas de camaradas e companheiros relevantes para a nomenclatura ideológica numa proporcionalidade de igualdade de homens e mulheres, de crianças e adultos. Esta é a fase nominalista, o estádio preparatório do anónimo. Nesse paraíso já não há trabalhadores: trabalha-se. Também já não há chefes: manda-se, obedece-se.

Com o tempo não se tornará fácil para o aparelho burocrático pôr tanta gente na haste pública e menos ainda quando cada pessoa se der conta que também é povo, nação e nomenclatura ao mesmo tempo, e passe, consequentemente, a exigir para si o direito ao nome da rua onde vive. Então a filosofia progressista nominalista tornar-se-á um imperativo de estado. Já não será preciso nome, chega a rua!

No Reino dos Neutros
Para facilitar, a nomenclatura acabará com o artigo masculino e feminino optando pelo neutro. Para simplificar a relação de convivência prática, põem-se já os comités da genética a trabalhar para que ao chegar-se ao tempo da democracia plena não haja distinção entre homens e mulheres mas que se vá já dando um jeitinho para que cheguem a ser todos hermafroditas. Entretanto vão-se fazendo leis – leis de desquite – que dificultem a aberração primitiva da heterossexualidade. Assim acaba-se de vez com as desigualdades diferentes e com toda a fricção. Quanto ao problema do orgasmo, também esse se resolve através do progresso, passa a ser mental, a acontecer na cabeça. Excepção seja feita só para o arem da nomenclatura onde já não se encontrarão mulheres mas sim a virgindade genuína, aí os corpos já não complicam, no Céu do céu tem-se a vivência da faísca eunuca da igualdade diferenciada. Então o povo, para espairecer da felicidade indiferenciada, falará baixinho, à laia de ladainha, do prazer e das diferenças do sexo dos anjos da Nomenclatura Proletária…

O Portugal do futuro, que querem construir, já não será do povo português, mas dum povo número. O tal Portugal do Futuro é um Portugal mais que Portugal, um Portugal internacional numérico. Portugal numérico porque abstracto e sem conotações ideológicas de virtude ou desvirtude. Por fim chegaremos a um Portugal virtual global com alguns numerões socialistas e conformes que viverão já não do biberão da manada mas da mama da massa virtual internacional. No Portugal numérico já não haverá problemas, a não ser o da igualdade/desigualdade numérica: é que uns números são maiores que os outros. Também este problema se resolve acabando também com os números porque, no mundo da fé laica, afinal de contas, também os números são reaccionários: na sua desigualdade acentuam a diferença.

Como apogeu do progresso social, a nomenclatura proletária, para resolver o problema dos números, da massa e do papel higiénico, acabará com o ser humano. Chegou-se à hora científica do Portugal abstracto – transcendente.

Uma vez desaparecido o povo, só ficará a nomenclatura e, desta, subsistirá a virgindade genuína como ideia singela, como ideia viril dum sexo transparente, dum sexo sem espermatozóides positivos e negativos, sem androceu nem gineceu, um sexo sem género porque um sexo do prazer da igualdade progressista. Um prazer genital mas sublime, sem acto, na realidade do novo céu e da nova terra dum socialismo então consumadamente social.

Valeu a pena sacrificar-se, não por uma realidade factual, mas pela ilusão duma ideia, a igualdade no mundo das ideias. Viva, não a realidade, mas a ideia igual!

Afinal “tudo ‘valeria’ a pena se a alma não ‘fosse tão’ pequena” para tal sociedade.

O Cristo era ladeado por dois ladrões. Agora que, por decreto, tiraram o Cristo e o Santos das escolas consolemo-nos com os ladrões.

Mas, diga-se, em abono da justiça: os nossos políticos não são mais que a medida do nosso desenvolvimento superficial!...

António Justo
"Pegadas do Tempo", Janeiro de 2008
António da Cunha Duarte Justo