quinta-feira, 30 de janeiro de 2014

O Sistema Preventivo da Pedagogia Salesiana

DOM BOSCO E A PEDAGOGIA DA ALEGRIA
O Carisma salesiano é pioneiro na Educação

António Justo
Hoje, dia 31 de Janeiro, é um grande dia! Celebra-se a festa de Dom Bosco (nascido a 16 de agosto de 1815 Asti, Itália e falecido em Turim a 31 de janeiro de 1888), o fundador dos salesianos.

Em Dom Bosco juntam-se a realidade e o sonho. A sua dedicação à juventude (especialmente a mais pobre) era uma verdadeira liturgia. Por isso, ainda hoje, a juventude, que teve o privilégio de passar pelas casas de Dom Bosco, considera os salesianos como grandes beneméritos e amigos. 

Dom Bosco, pai da família salesiana, foi designado de “pai e mestre da Juventude” por João Paulo II. Viveu numa época conflituosa e de costumes ásperos do processo da unificação da Itália. Com o seu espírito conciliador, consegue ultrapassar as intrigas políticas e religiosas do tempo e colocar tudo à sua volta ao serviço dos jovens. Neste sentido resume, na sua oração e acção, a frase do rei de Sodoma a Abraão “Da mihi animas cetera tolle” (“Dá-me as pessoas e fica com os bens para ti”) e que, no sentido da mística de Dom Bosco, se expressava na oração “Ó Senhor, dá-me almas e toma todas as outras coisas”. No mesmo espírito Dom Bosco dizia aos seus colaboradores: “Quando tiver espinhos, ponha-os na coroa de Jesus.” Aquele ficou o lema da congregação salesiana, que fundou e se encontra espalhada por todo o mundo, ao serviço da juventude, com escolas do ensino básico e secundário e com escolas profissionais médias e superiores; os salesianos também se dedicam na sua especialidade ao trabalho missionário. 

O Sistema Preventivo da Pedagogia Salesiana

A pedagogia preventiva salesiana resume-se nas palavras “amor, razão e religião”. No sistema preventivo, o educador “não ama para educar, educa porque ama”. “A prática desse sistema é toda apoiada sobre as palavras de São Paulo, que diz: A caridade é paciente, é benigna, tudo sofre, tudo espera e suporta qualquer incómodo”. 
Uma vez que lhe fizeram uma pergunta sobre o seu sistema educativo respondeu: “O meu sistema? Simplicíssimo: deixar aos jovens plena liberdade de fazer o que mais lhe agrada. O problema é descobrir neles germes de boa disposição e procurar desenvolvê-los”. De facto, para Dom Bosco, “Os meninos são bons; se há meninos maus é porque não há quem cuide deles". 

A sua pedagogia preventiva baseada no amor, no carinho e no respeito pela criança/jovem, contrariamente aos hábitos daquele tempo, não recorre à violência. Trata de prevenir os males sem lesar a liberdade da pessoa. No recreio, servia-se de palavrinhas que dizia ao ouvido de algum que precisasse de apoio ou reflexão. 

Recomendava aos educadores, que denominava de assistentes: “Os jovens não só devem ser amados, mas devem saber que são amados. A primeira felicidade de um menino é saber-se amado.” Trata-se de ir ao encontro da juventude nas condições que lhe são próprias. “É impossível educar bem a juventude se não se lhe conquista a confiança” e esta cultiva-se na alegria do viver e por isso “uma casa sem música é como um corpo sem alma”. “Conseguir-se-á mais com um olhar de bondade, com uma palavra animadora, que encha o coração de confiança, do que com muitas repreensões que só trazem inquietações e matam a espontaneidade”.     

No seu sistema a religião é um elemento que dá profundidade e autonomia à personalidade. Um jovem com fé é forte porque não anda sozinho tem a experiência íntima de comunidade. “Quem é humilde é amável, será amado por todos, por Deus e pelos homens.” Um dos seus lemas era: “Reprovemos os erros, mas respeitemos as pessoas.” E acrescentava “Suporta de bom grado os defeitos alheios, se queres que os outros suportem os seus.”

Era da convicção que a pobreza se ultrapassa com formação. A sua estratégia concretizava-se no "é preciso ensinar a pescar em vez de dar o peixe". Por isso fundou o oratório que albergava crianças da rua, com os quais queria ver os seus colaboradores a jogar e trabalhar de mangas arregaçadas. 

Um ritual importante das casas salesianas era a boa noite. Ninguém devia ir dormir sem ouvir uma palavra de optimismo e sem um sorriso no coração.

Na sequência dos seus passos, a congregação Salesiana dedica-se por todo o mundo à educação da juventude. Terra onde os salesianos entram torna-se terra abençoada. 

O carisma salesiano é pioneiro porque o assistente/professor embarca com o jovem onde ele está, ganha-lhe a confiança, passando de assistente a amigo. Tive a felicidade de ser educado por “assistentes” que viviam a pedagogia e a didática acima descrita! Ainda hoje, recordo e sinto os pedagogos e colegas de outrora como familiares e amigos!

António da Cunha Duarte Justo
www.antonio-justo.eu

sexta-feira, 24 de janeiro de 2014

Cinquentenário dos Portugueses na Alemanha

PADRÕES PORTUGUESES DA EMIGRAÇÃO

ANIVERSÁRIOS DAS COMUNIDADES MOTIVO PARA MONUMENTOS DA MEMÓRIA

António Justo
Emigrar é passar a um outro estado, transpor limites, tornar-se acrobata anónimo, a dançar a vida, na linha das fronteiras.

Uma data, um acontecimento pode ser uma ocasião para repensar e unir povos ligados pela emigração. A comemoração dos 50 anos dos Portugueses na Alemanha poderia tornar-se num ensejo para reforçar laços e fomentar padrões da memória migrante por toda a parte: França, Suíça, Canadá, USA, Alemanha, etc.. Os emigrantes estão de parabéns pelo que fizeram e fazem por Portugal e pelos países de acolhimento! Porque não deixar maior testemunho desta grande força e obra aos nossos vindouros? Emigrantes são obreiros de futuro, pessoas de vida na mala (http://antonio-justo.eu/?p=2570). Emigrantes não têm lugar no panteão nacional mas deviam tê-lo no santuário da memória colectiva de um povo. Se o povo migrante não toma iniciativa e o não faz, menos poderá esperar que o façam os que beneficiam do nosso trabalho. 

A celebração do cinquentenário dos portugueses na Alemanha, ou noutro país, poderia dar oportunidade de se criar uma iniciativa que, com o apoio de patrocinadores, construísse, em Portugal e ou na Alemanha, um monumento dedicado aos emigrantes portugueses. Não seria difícil encontrar alguma terra em Portugal e ou na Alemanha onde as autoridades locais não se mostrassem dispostas a apoiar tal iniciativa. Uma tal iniciativa poderia partir da Comissão organizadora do cinquentenário, das associações, de uma força política, de um Banco, das missões católicas ou de qualquer outra organização e certamente tornar-se-ia um exemplo para as comunidades portuguesas da diáspora em todo o mundo. 

Novos Padrões da Portugalidade

Imaginem os portugueses que todas as comunidades espalhadas pelo mundo concretizavam tal iniciativa! Portugal e o mundo encher-se-iam de Padrões da mais genuína portugalidade. Sim porque aos padrões dos descobrimentos seguir-se-iam os “padrões” da emigração. Estes ficariam por todo o mundo a erguer a voz daquela parte do povo que fica, sem se ver, debaixo da terra, a fazer de alicerce a grandes construções.

Trata-se-ia de criar áreas da sensibilidade e de sensibilização de um espaço migrante onde se materializam sensações, aspirações e questionações, de trajectos e projectos de vida, de sentido e não sentido, do Portugal migrante. Nos monumentos aparecemos, recordamos, representamos e comunicamos algo para aqueles que os rodeiam hoje e amanhã.

É hora de se criar monumentos quentes fora das estatísticas frias e das conversas burocráticas, monumentos que mostrem vidas, vividas e não vividas, na procura do caminho.

Precisamos de monumentos que testemunhem a ausência e a saudade de vida e humanidade. Aquela ausência muitas vezes recolhida no canto da saudade, que se refugia na mala da recordação onde há cartas embrulhadas por lágrimas que as abrem de novo. Nelas o mundo passa ao longe e acena; depois a saudade vai à igreja onde muitas vezes ajoelha para ganhar força e se juntar numa alegria que paira no ar das festas da associação e onde se associa e junta uma voz longínqua de timbre a gaivota que voa no mar de saudade.
Celebração da Aventura do Trabalho e da Honradez

Mais que casas da memória dos emigrantes portugueses querem-se “padrões” da recordação, sinais, vestígios, monumentos da aventura, do trabalho e honradez, espalhados entre as cidades e as nações; querem-se bastiões anti-preconceito e manifestações de  vida compartilhada, de  solidão e ilusão, gerados na vontade de  testemunhar reconciliação. Aquela presença, por onde passamos, quer monumentos pequenos à laia de marcas que sem cair resistam ao tempo, e fiquem como destaques do povo baixo que mantem a lusitanidade e a humanidade universal num contexto popular, já não agressivo de poder. Portugal humilde emigrante, fragmentado nos monumentos quer ver testemunhada a viagem de um povo na procura de si e de alguém que o complete.

De nós não fica nada se não deixarmos a dor na pedra gravada como marcos de referência contra o esquecimento de um testemunho diferente em que a arte mantenha a tenção entre o real e a representação. Precisamos de criar corredores de monumentos que se tornem em veículos da lembrança e da humanidade. Não se trata de perpetuar a nostalgia do glorioso passado mas a história de heroísmos vencidos, de pessoas heróicas, sem presente nem passado, num futuro presente. Queremos as ruinas do presente a testemunhar o futuro do passado presente. São monumentos também da dor num vazio presente a lembrar a nossa ausência, a voz do perto, gravada na pedra da distância: o longe da presença ausente na sociedade de origem e de acolhimento. Muitos dos monumentos poderiam ser padrões expressão de gente sem rosto, de gente a passar como a brisa, a lutar contra a entropia e a testemunhar a entropia vigente.

O monumento é, como a palavra o diz: um desejo legítimo de quer manter na mente colectiva um fenómeno humano que os vindouros interpretarão. Estes seriam sinais de uma nova mentalidade, monumentos sem segundas intenções a perpetuar a lembrança do destino de povo em benefício de povo e não de ideologia ou de desvarios de poder. Seriam sinais do não poder, sinais da esperança que vive nas sombras do poder. O seu valor legítimo histórico radica não só num período mas também num fenómeno sociológico verídico que se mantem a querer expressar uma história a lembrar valores de povo.

Evoco aqui a ideia de padrões porque lembram o granito daquele norte e de vontades fortes e não de poderes estatais ou de pretensões; seriam padrões sem armas nem bandeiras, sem símbolos de poder mas simples recordação de presença na voz da impotência a construir honradez e humanidade.

PS. Seria óbvio, e no interesse de uma política da cultura e da memória do Estado português, que órgãos da emigração e repartições da cultura e do MNE considerassem projectos como estes.

António da Cunha Duarte Justo
www.antonio-justo.eu

sexta-feira, 17 de janeiro de 2014

O FACTOR DE IDENTIDADE E O FACTOR DE IDENTIFICAÇÃO - MEMÓRIA E RECORDAÇÃO


Da Maneira como se trata a nossa Memória colectiva

por António Justo
Memória é uma capacidade, um centro de registo, de armazenamento e de recuperação/recordação. Recordar quer dizer, ir ao tombo da memória, trazer ao coração. Recordação é o facto, o conteúdo que é chamado à tona da memória.
Cada pessoa, cada grupo ou partido, cada país, tem no seu registo determinados acontecimentos e pessoas que gosta, mais ou menos, de recordar, numa preocupação de identificação e de criar identidade. Assim, nas comemorações do Estado cada regime político procura empolgar as recordações/personalidades que mais confirmam a própria posição/identificação. 

Comemorações: Recordação contra a Memória colectiva?
Não é o mesmo, comemorar um 10 de Junho (dia de Portugal, Camões), uma revolução dos cravos (25 de Abril), um 5 de Outubro (República), uma restauração da independência, etc. Por trás da chamada de cada acontecimento à memória, esconde-se uma intenção política específica. Se se comemora a monarquia carpem os republicanos, se se comemora a república choram os monárquicos. Com uma sociedade rica, tão polivalente e diferenciada, não se torna fácil satisfazer a todos; a verdade é que das lágrimas e contentamentos de uns e outros se constrói o que somos. Por isso, e para termos uma nação de todos e completa, há que integrar tudo (aspectos positivos e negativos de cada regime e de toda a vida portuguesa) na memória colectiva, não a reduzindo a uma ou outra lembrança que se vai oportunamente buscar ao fundus da memória. Assim, há que fomentar a preservação da memória toda, no sentido de uma consciência portuguesa responsável.
Trata-se de fomentar uma memória colectiva do povo, que transcenda personalidades e regimes, como adverte o sociólogo e filósofo Maurice Halbwachs; diria: que não se limite a comemorações e monumentos.

 Na memória colectiva portuguesa estão latentes, entre outros: os descobrimentos, a ocupação espanhola, o desastre de Tanger, o terremoto de Lisboa, o mapa cor-de-rosa, o Estado Novo e o 25 de Abril.

Fernando Pessoa recorda-nos: “Há um tempo em que é preciso abandonar as roupas usadas, que já tem a forma do nosso corpo, e esquecer os nossos caminhos, que nos levam sempre aos mesmos lugares. É o tempo da travessia: e, se não ousarmos fazê-la, teremos ficado, para sempre, à margem de nós mesmos.” Trata-se aqui de fazermos a travessia sem perdermos a identidade, tendo de recorrer para isso às pontes da memória colectiva, na consciência de que pontes são para ligar e unir.

O memorial da consciência colectiva e do inconsciente colectivo deverá ter em conta o intuito de uma convergência em que seja reconhecida a aura holística de um povo em marcha. Um povo que integra na sua memória o positivo e o negativo de todos os contraentes no serviço ao bem-comum e não apenas os marcos das lutas interinas pelo poder desviador de energias. Quer-se uma evolução e transformação construída já não com base na interdependência de egos e grupos mas numa relação interpessoal e intergrupal ao serviço do nós. O processo da recordação dos tempos sombrios e dos sustos da História já não se processará no sentido de branquear ou denegrir acontecimentos mas no de reconciliar um povo e ajudar a cicatrizar as feridas das diferentes facções.

O nosso futuro ditado por outros
 A sociedade portuguesa condicionada por uma política a viver do dia-a-dia e dos ventos vindos de fora não tem tempo para se auto-analisar nem auto-renovar; por isso sente o progresso, sobretudo, como um imperativo de negação do passado. Vive na dependência do ruminar rápido de ideias novas importadas e, consequentemente, no recalcamento do próprio passado. Na impossibilidade de elaborar uma própria filosofia congruente com a sua identidade de povo, esgota-se numa memória comunicativa ad hoc e funcionalista para uso de casa, sem se preocupar com a memória colectiva cultural, aquela que assegura a sustentabilidade do desenvolvimento. Dá demasiada importância às lembranças comemorativas (folclore) em detrimento da memória colectiva cultural. Segue na Europa o modelo de destino de outros povos, seguindo muito embora, de olhar ressentido, os acontecimentos ditados por potências como USA, Rússia e China. Neste sentido, o Norte com a Alemanha, que tem recursos suficientes de análise sinóptica, continuará a ditar o destino de povos mais ou menos satélites porque incapazes de parar para poderem programar futuro. É preciso repensar Portugal e renovar as suas instituições em função dele como biótopo cultural de um grande biossistema. (A diminuta Suíça é um bom exemplo de autonomia e determinação do que seria muito mais possível num país como Portugal).

A memória colectiva compartilhada estabelece a ponte entre o passado e o presente no serviço de sustentabilidade e identidade. Não aponta para as águas sujas do vizinho que correm debaixo da ponte à maneira da afirmação do adolescente rebelde em oposição ao passado, contra os pais. A energia de identificação assemelha-se à metamorfose do casulo para a larva e da larva para a borboleta. Cada um tem um ponto de referência da sua memória que dá consistência à sua relação diacrónica identitária. Uma memória honesta não revitaliza um ou outro aspecto do passado para afirmar o seu ponto de vista mas deixa sim o passado ser passado, na sua cor local para poder, através dele, compreender o presente que com base nesta atitude se torna crítico e inovador. 

Uma Alemanha continua a ter grande pujança na história actual porque cultiva intensamente a memória colectiva (mediante uma cultura da recordação activa) como caminho da formação da própria autoconsciência (Schelling fala da recordação como interioridade) que permite a mudança na continuidade (Identidade adulta ao contrário de identidade adolescente). Isto pressupõe uma lógica policontextural em que se considera a história como vivência algo maternal em contínua gravidez. Isto pressupõe uma visão antropológica e sociológica de convergência que vive da contextualização e da recontextualização em direcção a um mundo feito de experiência e memória e de observação e fantasia. 

A nova ordem será inclusiva
O desafio do presente é de tal ordem que torna ridícula a velha estratégia partidária divisionista; todas as forças unidas são poucas. O enquadramento da política em termos de esquerda ou direita tornou-se antiquado, numa altura em que as mundivisões políticas e económicas se sobrepõem e em que a consciência jovem procura integrar os polos, numa orientação holística de concepções e visões e numa estratégia de respeito valorativo de todas as perspectivas para uma praxis do ser e fazer. 

A história terá que se compreender numa crítica de sobreposições de épocas no reconhecimento do ser (identidade) da cultura e do homem. Não pode contrapor-se sistematicamente a uma época ou a qualquer das suas expressões ideológicas. Uma identidade cultural é dinâmica e interactiva não se processando aos saltos. Não nos podemos divorciar do passado considerando-o como encerrado; a sua memória é fonte permanente de discussão e interpretação criativa. Dá oportunidade de sustentabilidade às várias forças ideológicas de modo a submeterem-se a uma autorreflexão e contextualização que possibilita continuidade num dinâmico de aferimento aos sinais dos tempos. Também o contraste ideológico-partidário não pode continuar a ser apresentado apenas de forma descritiva, dado também ele dever ser concebido de forma integrativa e não pela exclusividade de ideologias antagónicas e reducionistas numa concepção estreita e curta da História concebida em termos de posse e não de processo que é. Numa estratégia de tentativa e erro inerente a cada grupo, ideologia ou política.

No diálogo a criar e memorizar a palavra mágica será inclusão. Trata-se não só da inclusão das várias forças e dos sujeitos na comunidade mas da sua participação consciente no fazer público. A inclusão do passado na elaboração do presente implica intencionalidade e empenho no espírito de pertença, com o substrato de uma filosofia do nós. Urge criar uma intencionalidade do nós como teoria da percepção estética. Isto implicaria uma socialização do pensamento e a disposição de se sair do corredor de ideias feitas. 

Na memória colectiva também se documenta o oculto e o segredo, aquela parte onde se pode ver, ler e ouvir a reflexão do que não é interpretação. 

A capacidade de transferência a nível de épocas e de cultura serve a percepção da mudança histórica numa diferenciação local garantidora de pluralidade. 

António da Cunha Duarte Justo
www.antonio-justo.eu

quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

Portugal de Joelhos e sempre pronto a ajoelhar


Um Povo à Procura do seu Gosto de sofrer
António Justo
O dilema de Portugal não é o de se erguer-dormir-deitar. O problema é crónico, o seu estado ajoelhado: um Portugal sempre de joelhos e sempre pronto a ajoelhar. 

Se olhamos para a rua, lá anda ele a nidificar no saco das compras e se olhamos para a selva das letras, lá, entre o vozear de cães, sobressai o seu uivar, a letrear à porfia o aroma do seu ser! 

Tudo fala da injustiça do sofrer, tudo anda desgostoso à procura do seu gosto de sofrer!
Nos baixios da República, entre gratidão e ingratidão vive a maldade comprometida de beneméritos e de indignos na procura do cheiro. Eleitos e condenados entre o seio de Deus e o Olimpo dos políticos, todos eles são bem-aventurados da natureza lusa, feita de povo penitente e de bem-aventurados renitentes. 

Internacionalistas e patriotas, progressistas e conservadores, tudo ciente da direcção do seu nariz, tudo anda interessado em seguir a cor da capa da sua cartilha. No nosso bendito Portugal não há céu nem inferno, só existe a antecâmara do intermédio, de um viver genuflectido, num estado de contínuo limbo ou purgatório, entre o sentir a crosta dos joelhos e o olhar a felicidade nas cores das nuvens que passam. 
Desiludidos de cores e cartilhas também se encontram, por aí, aos montões: uns encostados à bengala das suas razões, outros a viver da côdea do próprio respeito na veneração mendigada! 

Neste Portugal da veneração de senhores e de mártires, ninguém foge à procissão. Tudo anda bem alinhado, na democrática caça ao paraíso comum de caçadores e caçados.

Sob o sol da democracia não há lugar para desalinhados, já não são precisos grevistas nem patrões, governantes nem governados, porque tudo anda no trabalho sério de enriquecer o próprio feudo. 

Portugal ajoelhado, não tem força para se erguer; a força que ainda lhe resta, só lhe dá para ir comer, de mão estendida, à luz da vela. 

Boa noite Portugal!

António da Cunha Duarte Justo
www.antonio-justo.eu

quinta-feira, 9 de janeiro de 2014

Revolução provocada pela Mulher



UMA MULHER ÁRABE COM ROSTO PRÓPRIO - MAJAM MAHMUD
                                                 Urge uma Revolução provocada pela Mulher
António Justo
Majam Mahmud, que antes preferia ser rapaz porque como mulher não via futuro digno, está orgulhosa do seu género. É uma rapper egípcia de 18 anos e de lenço na cabeça que não tem papas na língua quando fala. Não lhe interessa a política mas a discriminação. Na sua música lematiza temas tabu de uma sociedade medieval. Chama as coisas pelo nome sem os rodeios do oportuno. Enfrenta os problemas da nação; fala sem medo da discriminação da mulher e do assédio sexual na sociedade egípcia. O Ocidente mais interessado na guerra económica do que na justiça individual e social fecha os olhos da guerra dos homens contra as mulheres especialmente nas sociedades da Índia e da África.

Para quando a revolução da Mulher?
Segundo uma pesquisa das Nações Unidas 99,3% das mulheres egípcias indicam terem sido sexualmente molestadas.
Para Majam Mahmud o problema da discriminação sexual no Egipto é intocável porque é declarado tabu e como tal não precisa de leis que condenem o assédio sexual. Quem sofre as consequências cometidas pelos agressores não são os infratores mas as mulheres que depois têm de assumir o desprezo social. Os homens querem que as mulheres sejam graciosas e atractivas mas sem chamar a atenção. A solidariedade masculina não quer ser questionada, nem quer sofrer a concorrência entre homens e por isso a mulher terá de ser a eterna vítima, a culpada do desejo masculino. Este é lei e por isso não se pode questionar a si mesmo. Neste contexto, ser mulher livre é uma provocação. As mulheres calam-se e nas sombras do seu silêncio continua a fermentar a arrogância e a violência masculina. O problema é que o sistema não se muda, quem se muda são as pessoas e só quando estas se mudam, só então se muda o sistema.  

Numa altura em que ideias revolucionárias já germinam debaixo de cabeças com lenço, há mais motivos de esperança do que qualquer pretensa primavera árabe na sociedade norte-africana.

Majam Mahmud pergunta numa entrevista com o Speigel: “Que se pode esperar de uma sociedade onde o maior objectivo para uma mulher é casar?” Logo a seguir desabafa “Eu realmente acredito que a próxima revolução será uma revolução da mulher.” O problema da sociedade muçulmana mais que um problema religioso é um problema de homens e de cultura árabe cimentada no Corão e na sharia.

A verdadeira revolução está na transformação do espírito. O mundo árabe cairá um dia num caos se não se mudar, mas a mudança só as mulheres a podem fazer através de uma revolução doce ou também agressiva, à maneira de homem. Majam Mahmud é um exemplo muito necessário, uma luz a brilhar e mais que um grito de emancipação é uma voz modelo que grita por libertação do chauvinismo masculino com a sua consequente violação. A música é um dos melhores instrumentos para se transmitir uma revolução.

Deveria haver direito a asilo mais liberal para as mulheres perseguidas por razões de cultura ou religião. Se observamos as mulheres vítimas do exílio político observa-se, porém, que trazendo os homens consigo não há possibilidade de libertação individual.
É um facto sociológico que, de uma maneira geral, os homens não querem mudar-se preferindo continuar a viver ao abrigo das leis naturais que perpetuam o domínio do mais forte. A cultura árabe, fruto de uma geografia agreste, continua na elaborar as suas leis positivas com base na cópia da lei natural. (De não descurar que a cultura ocidental tem outras formas de discriminação, muito embora mais suave).

Aqui temos a ver com uma cultura misógina bárbara onde, sob a capa do islão, se dá continuidade à discriminação das antigas sociedades de clãs primitivos. (Temos porém que estar atentos na avaliação porque muito do que acontece sob a capa das religiões são costumes ancestrais nómadas da cultura árabe.) 

Se se pretende um desenvolvimento são e sadio a discussão terá de ser feita em termos de sociologia e de antropologia. De facto a velha cultura egípcia tem elementos muito mais desenvolvidos do que lhes foi posteriormente imposto com a hegemonia da cultura bérbere árabe. Uma discussão fora destes moldes corre perigo de, sem notar, levar a água ao próprio moinho! O que está aqui em causa é a relação e a integração da feminilidade e da masculinidade na pessoa independentemente do ser homem ou mulher!

Há quem critique Majam Mahmud por trazer lenço na cabeça, um símbolo da repressão; estes esquecem porém que ela pode assim alcançar melhor um público conservador de mulheres que de outro modo não atingiria. Também há que estar-se atento na luta da emancipação para se não cair em movimentos emancipatórios baseados em princípios masculinos, como por vezes acontece no ocidente. 

Uma sociedade patriarcalista que segue unilateralmente os vestígios de Abraão só poderá ser mudada com a mutação progressiva da mulher e só esta poderá constituir a base de uma verdadeira revolução.

António da Cunha Duarte Justo
www.antonio-justo.eu

segunda-feira, 6 de janeiro de 2014

A IGREJA CATÓLICA INTERROGA AS FAMÍLIAS


A Família entre Direito Natural e Direito Positivo

António Justo
O Papa Francisco, consciente das posições teóricas da Igreja sobre a Família, está a fazer um levantamento de pareceres relativos à família a partir da experiência, a nível mundial nas comunidades católicas. Pretende unir os métodos de aquisição de conhecimento dedutivo (saber mais idealista adequado à capacidade especulativa) ao conhecimento indutivo (saber de experiência feito adequado à vivência local).

 A unidade e indissolubilidade do casamento são valores que a cristandade aceita de uma maneira geral. Já o mesmo não se diz em relação aos métodos anticonceptivos. Um saber a partir da experiência levará a instituição Igreja a reconhecer maior individualidade na escolha e decisão em questões de moral sexual. Com isto mantem-se fiel a si mesma na consciência de que, na terra em questões de moral, o último juiz, para o cristão é a consciência individual. 

No Ocidente a família, a partir dos anos 60 tem sido objectivo de grandes adversidades, sendo apelidada de último baluarte burguês. De facto, a família constitui um grande poder em termos políticos e sociológicos; quem tiver a educação da família nas mãos tem o poder sobre o cidadão. O segredo da sobrevivência do judaísmo no mundo, apesar de ter vivido em meios, por vezes adversos, deve-se à coesão que vem do seu cultivo da família e da religião. (1)

No futuro, a pastoral familiar passará, certamente, a descentralizar-se e tenderá a assumir diferentes atitudes conforme os condicionalismos culturais locais; com o mudar das pessoas mudam-se os sistemas; isto terá consequências também a nível de liturgia e para-liturgias. A solidariedade vinculativa no casamento é um valor incontestável mas que não deve pôr de lado a tolerância e reconhecimento de opções tomadas à luz de circunstâncias adversas. Há que conciliar a consciência comunitária com a consciência individual sem a necessidade de recorrer a automatismos de condenações canónicas.

Hoje o relacionamento entre homem e mulher não é tanto analisado em termos de direito natural mas sim no compromisso moral entre os dois. Em sociedade, a autodeterminação e liberdade são mais consideradas. 

A pílula não considera a lei natural, ultrapassa-a e é como tal aceite, também no que respeita à regulação dos nascimentos. É uma questão que os cônjuges regulam no foro da sua consciência. O acto sexual tem vindo a perder importância a nível da relação entre homem e mulher.
 
No caso de pessoas distantes da Igreja pretenderem o casamento, o padre deveria decidir caso por caso sem ter a necessidade de recorrer a actos burocráticos. 

Numa altura em que a ciência intervém nas leis da natureza através da modificação genética entra-se em âmbitos novos que exigem novas posturas especulativas e uma responsabilidade especial. Fim do homem é gozar na sua existência a presença de vários mundos nas suas diversas dimensões.

A coexistência, como experiência antes do casamento, é vista por muitos teólogos como forma de preparação para o casamento. 

No caso de pessoas divorciadas que se casam, uma pastoral inserida deveria admiti-las aos sacramentos. O recurso ao anulamento do casamento poderia ser uma oportunidade para se rever o passado e motivar a uma nova esperança e oportunidade. A misericórdia divina é infinita.

De uma maneira geral, na sociedade ocidental, a homossexualidade já não causa repulsa. A Igreja é contra a discriminação de homossexuais mas não aceita que sejam favorecidos pela lei como acontece com os heterossexuais com filhos. A igreja espera dos homossexuais fidelidade, solidariedade e confiança. Não deve ser negado o baptismo a uma criança de homossexuais. A pastoral da graça prevalece perante um ideal dogmático e a questão dos preservativos fazem mais parte do foro da consciência privada.

Uma moral sexual demasiadamente fixada no acto sexual, corre o risco de descurar o aspecto inter-relacional em que o nós tenha lugar próprio para o eu e para o tu. 

Da relação interpessoal dá-se o crescimento e a experiência da comunidade. A experiência da comunhão conduz ao desenvolvimento individual noutras dimensões quer de auto-realização e afirmação quer de inclusão e de respeito mútuo. Nela se treina a confiança e a entrega.

A promoção da dignidade do matrimónio e da família passaria por uma pastoral familiar que se reveja numa “ igreja do lar” com uma missão no mundo. Nesse sentido deveriam ser implementadas para-liturgias familiares consistentes à semelhança das práticas das famílias judaicas.

Ética cristã - Uma Ética livre e do Discernimento

Em todas as sociedades ocidentais se assiste ao conflito entre a lei natural racional e as leis positivas parlamentares, numa verdadeira luta entre a vontade maioritária e a minoritária (a lei positiva inclui muitos princípios da lei natural).

A lei natural mostra o que é melhor e conduz à felicidade numa dinâmica de ultrapassar o momento presente no sentido do bem que se expressa na realização do ser. A razão humana funciona como critério de verdade e de objectividade enquanto a lei positiva se determina mais por interesses de maiorias.
 
A lei natural é para Paulo aquela voz que se traz inscrita no interior do coração humano e que é razoável e por isso não subjugada ao espaço nem ao tempo. Para Agostinho a lei natural consistia na visão antes da queda original. 

A Igreja sempre teve como referência a lei natural; por isso atribui ao indivíduo a soberania de decisão sobre princípios morais universais, inerentes à natureza humana, reconhecendo-lhe a capacidade e o direito de se opor a normas elaboradas pelo Estado ou qualquer outra instituição (vale a soberania da consciência individual). A Igreja milenária, que acompanhou os mais diferentes regimes políticos até hoje, é perita em questões de durabilidade de valores e no reconhecer a imutabilidade e a caducidade de hábitos e costumes. Ao defender princípios do direito natural é necessariamente conservadora em relação ao direito positivo dos estados, porque permanece crítica a fenómenos e normas morais quando enfocados apenas sob os aspectos ad hoc do sentir e da vontade de uma política própria duma época. (De facto, embora a pena de morte seja decretada por uma maioria parlamentar em alguns estados, isso não a iliba de ir contra a lei natural do género). 

A consistência da orientação cristã revela-se no facto de a dignidade humana ser perene e não depender de valores nem normas ocasionais que vão surgindo no suceder-se das sociedades. No indivíduo permanece algo imutável ao longo da história da humanidade. O ser humano, apesar de ambíguo e incoerente é único.
Consequentemente haverá sempre um contencioso entre a moral da Igreja e as intenções de poder dos estados. A Igreja permanece ao mesmo tempo como advogada do indivíduo e como momento de orientação, encontrando-se também ela, muitas vezes aprisionada por hábitos e costumes do direito positivo (celibato dos padres).

Assistimos ao conflito entre a lei natural racional que se revela como correctivo permanente aos costumes culturalmente adquiridos e a lei positiva (lei estatal - resultante da fidelidade/sujeição aos costumes culturais, ao tempo e ao regime político). Na lei natural prevalece o espírito da natureza aliado à consciência individual e como espírito crítico dos fenómenos sociais do tempo. No texto da natureza as leis naturais são como que a sua gramática também ela com excepções na ordenação e na evolução do mundo. Como a natureza tem leis naturais assim a cultura tem leis coerentes (morais) que a mantêm. A mudança realiza-se na interacção de uns com os outros. De facto também o pensamento não é sempre linear, também ele tem as suas curvas e muitas vezes só se pode orientar por probabilidades. 

À Igreja compete o papel de apontar para a responsabilidade individual e social no equilíbrio (balance) entre direito natural e direito positivo e no espírito da “Igreja sempre renovando”. À Igreja institucional cabe o papel semelhante à da Constituição de um estado, sendo ela depois adaptada à pastoral local. A atitude da Igreja, que, à primeira vista, parece conservadora, é extremamente revolucionária e inovadora, ao direccionar a vista para o permanente e essencial.

António da Cunha Duarte Justo
Teólogo e Pedagogo
(1)     O marxismo, o leninismo e em grande parte o estado secular, estão interessados em subornar a instituição família para poderem “nacionalizar” e reeducar a pessoa no sentido da gradual construção do estado proletário. Consciente de que quem tem o poder sobre a família tem o poder assegurado, a esquerda em geral, procura através de iniciativas legislativas demolir certos valores da família tradicional para melhor conseguir os seus propósitos, a longo prazo. Assim, a vivência familiar encontra-se hoje muito exposta e sujeita às correntes do tempo. Com a inclusão da praxis sexual como direito individual já em anos muito verdes (educação sexual escolar demasiado virada para o acto sexual), o Estado sobrevaloriza o acto sexual utilizando-o para fins emancipatórios também eles sem qualquer momento de valorização da família. Neste contexto a pastoral católica não poderá, também ela, continuar a sobrevalorizar o acto sexual (cf. fixação nos anticonceptivos) para passar a acentuar mais a importância da relação entre parceiros. De facto, a opção por constituir família pressupõe hoje uma decisão corajosa e altruísta em relação ao futuro e como tal difícil para pessoas mais individualistas ou pessimistas.

Neste sentido tornou-se uma prática importante da esquerda, impedir programas de apoio à família tradicional e às mães, para fomentar a construção de jardins infantis estatais na intenção de transferir a missão de educar para o Estado. Para uma melhor consecução dos seus objectivos escolhem como lugar privilegiado de influência os ministérios de educação através de funcionários, peritagem e sindicatos. (Deve-se porém aqui reconhecer um valor importante da esquerda: ela alerta cedo para a resolução de problemas relacionados com o acompanhamento do tempo). O socialismo é entendido como um estádio de preparação para o estabelecimento da sociedade comunista; por isso opõe-se à iniciativa privada que fomenta a pluralidade; esta contraria a concepção de Estado de pensar unitário. O capitalismo liberal, que também reduz a pessoa, na prática, a instrumento, veio justificar a política impeditiva duma vida familiar adaptada às necessidades do desenvolvimento natural das crianças. Pelo que se observa, tudo parece desenvolver-se no sentido de uma sociedade capitalista e comunista à maneira chinesa. Sem apoiar ideologias retrógrados nem progressistas há que aplicar esforços no sentido de se analisar o que se encontra nas entrelinhas da política e do senso comum que nos orienta.