quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

Entrevista

Jornalista Isabel Guerreiro do Semanário O DIABO:


«Deus provavelmente não existe, de modo que deixe de se preocupar e goze a vida». O inusitado slogan está a decorar 30 autocarros de Londres, no Reino Unido, durante todo o mês de Janeiro. Os ateus britânicos apelam assim ao lema para tentar convencer as pessoas de que Deus é uma invenção. A iniciativa é da British Humanist Association (BHA) e do seu presidente, o professor Richard Dawkins — reconhecido teórico da evolução, catedrático na Universidade de Oxford e autor de vários livros de divulgação científica, como «A Desilusão de Deus» (Casa das Letras).

Jornalista — A polémica campanha foi copiada por Espanha e pode, em breve, chegar a Portugal, já que foi feita uma proposta para importar a iniciativa. Referindo-me a este e outro casos pergunto: Na sua opinião, nos dias de hoje existe uma investida ou um fulgor de recusa do divino?



Antonio Justo: Antes de mais, o slogan revela uma imagem dum Deus desmancha-prazeres, dum Deus ciumento e vingativo. Manifesta uma imagem dum Deus adquirida numa educação infantil restritiva ou no folclore religioso superficial. Muitos querem-se libertar desta imagem de Deus e em vez de corrigirem a sua imagem de Deus deitam, com ela, Deus ao lixo.

O slogan que citou implica um medo inerente à existência de Deus. Porque é que se deve ter mais medo pelo facto de Deus existir? Não há lógica. Se não houver uma condução do acontecer do mundo e da vida individual, o medo será logicamente maior porque o acaso poderia atropelar-nos a cada momento. A crença tem, para muitos, a vantagem de dar sentido à vida. É como a réstia de sol em dia enevoado. A publicidade é enganosa atendendo que racionalmente é mais provável a existência que a não existência de Deus. Ao slogan negativista ateu poder-se-ia contrapor a máxima cristã: “Deus existe! Por isso, não te preocupes e goza a vida”. O padre da Igreja Santo Agostinho já dizia, no sentido de Paulo e de João: “Ama e faz o que quiseres!” Pressupõe-se a responsabilidade pelo mundo e com o próximo.



Sim, tornou-se moda o ataque ao Deus cristão e à sua mitologia quer em certos meios da arte quer em meios de política prosélita. Em momentos de crise e de mudanças históricas, é comum a luta entre os deuses ou contra eles. O que aconteceu na sociedade grega e romana é paradigmático. As transformações históricas e a concepção de Homem e sociedade andam sempre ligadas às mudanças da concepção do divino. O desespero da ideologia materialista depois do fracasso dos países socialistas tem-se manifestado num militantismo cada vez mais agressivo em grupos materialistas e racionalistas que se escondem, muitas vezes, sob o disfarce da capa “Humanista” e de “pensadores livres”. Assiste-se ao recrudescer do azedume e fundamentalismo antigamente inerentes à religião e à política laica iluminista da revolução francesa e dos socialismos do século passado. Sócrates com a sua política laicista tem contribuído para o renascer dum certo jacobinismo político e cultural.



Até nos Estados Unidos, um país mais crente que a Europa, já houve quem pusesse uma queixa em tribunal contra Deus, responsabilizando-o pelas guerras existentes. O trágico é que a recusa do divino acompanha, muitas vezes, a recusa do humano.

Tanto a abordagem ateia como a religiosa são tentativas de acesso à realidade encoberta. Daqui que uma e outra deveriam pôr-se ao serviço da descoberta da verdade e ao serviço do Homem sem recorrerem à difamação mutua.



Jornalista — Depois de episódios como a retirada dos crucifixos das escolas públicas, de abundância de obras de literatura que defendem o ateísmo… de que outros casos se consegue lembrar que pretendam lutar por uma sociedade onde predominem os valores laicos ou que pretendam atacar os crentes? Na sua opinião a quem interessa o regresso do ateísmo militante? Quem ganha com este regresso? E como se explica esta tendência?



Antonio Justo: Numa perspectiva cristã valores laicos e religiosos complementam-se. O mais grave em Portugal é o tom geral dos Media e da cultura e a violência do político e culturalmente correcto. Na Alemanha isto seria impossível. A preparação do centenário da república portuguesa encontrava-se inicialmente sob os auspícios dum laicismo feroz, vamos ver o que sai de lá. A fronte contra o ensino privado e a divinização do ensino estatal é uma outra constante. O organismo “República e Laicidade”, que não se sabe quem é, encontra-se na trincheira laicista. Os Media apresentam, na época do Natal, exposições sobre assuntos religiosos de carácter alegórico como se se tratasse de factos históricos para assim os poderem desacreditar. Constata-se também uma política contra a família com a respectiva privilegiação económica do divórcio.



A religião constitui, na evolução da sociedade, um fenómeno barreira contra a lei da selecção natural e um obstáculo à mais valia do mais forte, preocupada em articular também os interesses dos mais fracos. Isto incomoda muita gente porque questiona tanto a prepotência estatal como a individual. Forças marxistas e racionalistas cumplices dum internacionalismo encoberto procuram desestabilizar os biótopos culturais nacionais. Infiltram-se no Estado e nos Media. Intervêm nas escolas através da elaboração de programas relativos à educação sexual, às disciplinas de formação cívica, de literatura (fomento de autores de cariz ideológico) e de história, usando-as como meio de mentalização na sua ideologia. Infiltram-se em instituições estatais para daí agirem de forma camuflada. A estratégia de infiltração e influência através do aparelho de Estado tem grande tradição nos sistemas materialistas socialistas. O estado socialista sempre usou com sucesso agentes provocadores subtis. Na discussão usam a táctica de ignorar a própria crueldade e atacar a crueldade religiosa que vêem como subjacente às religiões de Abraão no seu espírito de entrega, sacrifício, obediência, e na sua concepção linear da história.



O regresso do ateísmo militante interessa a quem está empenhado na defesa do mais forte e na declaração do egoísmo como força motriz na luta pelo ser. Querem o Homem indefeso e à disposição. Nos limites da civilização Deus despede-se e o Diabo ri-se; é o tempo da superstição laica e religiosa. Sem a divindade o ser humano deixa de ser divino, passando a ser mercadoria ou mero factor económico à disponibilidade do mercado e do Estado como querem um socialismo e um capitalismo exacerbados. O prazer espiritual não parece fomentar tanto o consumismo.



A liberdade de negar Deus e de optar pela determinação do futuro através do acaso não é liberdade nenhuma. O acaso não fundamenta ética nenhuma, fortalece sim a arbitrariedade. Uma sociedade que se deixe guiar apenas pela lei do acaso e da adaptação cai no ciclo vicioso repetitivo das sociedades primitivas e entrega-se gratuitamente nas mãos da tirania dos mais fortes.


O regresso do ateísmo militante interessa aos do costume, às lobbies e a um certo infantilismo do público. Interessa a certas forças progressistas materialistas que se encontram em concorrência com o poder religioso e com o poder conservador. Há que não esquecer o que Agostinho dizia: ”Todo o poder é usurpação (presunção) ”. Esta mundivisão cristã incomodou muito o existencialismo de Friedrich Nitzsche que contrapõe a “moral dos senhores” deste mundo à “moral dos escravos” cristã, optando por aquela. Hitler e Estaline acreditavam na moral dos senhores; nunca houve barbaridade semelhante na História.



A afirmação duma visão dualista da realidade, seja ela espiritualista ou materialista, tem o seu fundamento numa percepção da realidade em termos antagónicos. O cariz específico cristão é integrar razão e fé, inteirando os pólos extremos fazendo-os convergir, tal como se pode constatar no teólogo Teilhard de Chardin ou na teologia trinitária.


De resto, na fuga à realidade complexa e escura do presente, cada qual pode cair na tentação de apregoar o seu “paraíso” como o melhor ou na aberração de o julgar como único. A força e hombridade para aguentar a incerteza são moeda rara em tempos de crise.


O DIABO publicou a entrevista na sua edição de 20.01.2009 sob o título: "Dois teólogos analisam o regresso do ateísmo militante" «Tornou-se moda o ataque ao Deus cristão»

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