1º
Ponto de partida:
Escrevo
 mandatado pelo meu compromisso com a Fé católica — e por isso com o 
mundo, a quem sou enviado a “Anunciar”. Acredito, na Verdade, por isso 
falo, procurando a Verdade.
Impõe-se-me
 a convicção de que não posso deixar de dizer. Com fé. Portanto, também 
com autenticidade e clareza. Bem sei que “nem a minha pregação nem a 
minha vida estão à altura da missão que desempenho” (S. Gregório Magno).
2º
Não fujo:
existem
 vítimas de toda esta abominável história de abuso de menores. Há que 
dar-lhes o melhor e o devido apoio. Quanto me é possível, tenho 
participado concretamente, nesse dever da comunidade eclesial. 
Obviamente, a Igreja deverá colocar todos os seus recursos, humanos e 
espirituais, na luta contra esta miséria. Para um cristão não poderá 
haver qualquer hesitação nesta matéria.
Já não assim para o extremismo de esquerda e o esteticismo vanguardista. Os exemplos abundam.
À distância de um click descortinar políticos, jornalistas, escritores, artistas, promotores da pedofilia.
3º
A
 Igreja não pode cessar de se purificar. Entrou numa demorada Quaresma 
da qual não poderá sair quando este tema deixar a pressão mediática. 
Purificar é uma expressão de sabor evangélico.
4º
Mas
 “purificar” não significa, de modo algum, conformar-se aos ditados da 
comunicação social e à pressão da opinião publicada. Repudio o 
“travestimento” face ao mundo, que se julga dono da boa doutrina para a 
Igreja! Com efeito, ajustar contas com a Doutrina e a Tradição não é 
“purificar”.
Todavia, 
eis que não poucos espreitam a ocasião de pôr tudo em questão: a verdade
 objectiva; os sacramentos celebrados no vínculo do discipulado; o 
celibato associado ao sacerdócio e reservado aos homens — como amigos do
 Esposo, que O seguem e Lhe entregam toda a sua humanidade. Portanto, 
também a inteireza do seu corpo —; o casamento entre homem e mulher; a 
eutanásia — aí estão os temas perante os quais a pulsão “purista” 
pretende conformar tudo, face aos ditados do mundo.
5º
Lobos ideologicamente treinados, colocados nos melhores lugares do anfiteatro
eclesial,
 têm espalhado a confusão. Refiro-me, àqueles que são Poder e não abrem a
 boca sem projectar no Sacerdócio a sua ambição de Poder. Vejam-se os 
bons exemplos, de péssimos exemplos, vindos da Alemanha: os abusos 
sexuais percebidos como a prova de que é necessário “adaptar o 
‘movimento religioso’ iniciado por Cristo” (Lamentabili, 59). Doutores 
plásticos face às novas exigências da sociologia e da psicologia. 
Pugnadores da doutrina e da pastoral decididas a votos. São os mesmos, 
aliás, que tentam capturar a intuição veneranda do Sínodo reduzindo-o a 
astúcias partidárias.
6º
Baudrillard
 distinguiu conceitos relevantes neste contexto: “Dissimular é fingir 
não ter o que ainda se tem. Simular é fingir ter o que não se tem.” 
Dentro da Igreja, há quem dissimule não ter poder nenhum. Excepto — 
repito — o de publicar nos grandes jornais e possuir jornais online, e 
ser aqui e ali convidado para a Corte. Ou melhor, para a TV. São quem 
domina a agenda eclesial. Simulam, também, docilidade ao Evangelho 
quando o que se ouve é apenas mundo e tudo o que o mundo projecta sobre a
 Igreja. Reconhecem-se nesses que têm que começar os seus discursos com 
actos de fé “eu que, aliás, sou católico...”. Lançam-se no típico 
discurso dos escribas: encontrar a salvação, não na ignominia da Cruz, 
mas na adesão cidadã à opinião dos Príncipes.
7º
“Pensar
 globalmente, agir localmente”! Se olharmos com alguma amplitude para a 
história recente do papado verificaremos que teve de se confrontar com 
poderosas operações de oposição em mesmo de perseguição. De facto, e 
como grandes orquestrações da opinião pública, é de referir a tentativa 
de colar Pio XII aos nazis. Diz-se que teria que ver com a intenção 
soviética de condicionar o Concílio, impedindo-o de ser agressivo com a 
ideologia ali originada. Depois foi Paulo VI, óptimo Papa até 1968, 
terrível desde que publicou a Humanae Vitae. De seguida João Paulo II, 
fortemente atacado por causa da fixação da opinião pública na questão do
 preservativo. Acresce Bento XVI, sempre colado à imagem que trazia 
cosida à pele, de “panzerkardinal” e inquisidor. Hoje, habilmente, os 
“purificadores” apresentam etereamente todo o seu amor dualístico pelo 
Papa Francisco (esses mesmos que sempre desdenharam a devoção do povo 
católico a Pedro), não tanto para que ele apareça na sua autoridade 
apostólica, mas, isso sim, para acusarem a cúria e os episcopados de 
mais não serem do que aparelho reacionário.
8º
Todavia,
 a grande novidade não desponta aqui, na critica a este ou àquele Papa, 
por causa disto ou daquilo. A estratégia de comunicação passou por 
internacionalizar a percepção pública da Igreja como “a” produtora da 
pedofilia. Por estes dias, alguém sem relevo público escrevia num jornal
 de referência um artigo com o título “O fim da Igreja Católica como 
referência moral”. Concordo! Está em acto, desde o final dos anos 90, 
esta operação “global” que se apresenta como anti -pedofilia e que visa 
cercar a Igreja. E apenas a Igreja. E é esse o propósito dos Príncipes. 
Simulado e dissimulado, “óbvio ululante”. Portanto, impedir que a Igreja
 tenha uma palavra limpa a dizer sobre o quer que seja já que, ela 
mesmo, é apresentada como a mais que desautorizada sede da sujeira...
9º
Em
 novembro de 2021 a Hierarquia da Igreja em Portugal propôs a criação de
 uma Comissão dita independente que realizasse um relatório sobre todos 
estes horrores. A Comissão é, indubitavelmente independente. Da 
Hierarquia. Mas isso não é, de modo algum, garantia de imparcialidade. 
Verdade, também aqui, que “quem semeia ventos colhe tempestades
”:
 aceitar a bondade inicial deste Relatório, a realizar por quem o fez, 
com as metodologias de que se serviram, prenunciava o que veio a 
suceder. Quando na passada 6ª feira, dia3 de Março, se realizou a 
conferência de imprensa em Fátima, os senhores Bispos tentaram dizer que
 teria que haver respeito por “direitos, liberdades e garanti as”. Mas 
as televisões e os jornais — e os Príncipes — queriam mais. Queriam 
guilhotina. Pasme-se que, também o senhor Presidente da República 
mostrou uma valentia que lhe desconhecia até ao presente momento do seu 
mandato, tantas os seus tangentes circunlóquios.
10º
Pena,
 grande pena, pois, que a mesma Comissão, não se tenha apresentado a si 
mesma com franqueza e rigor. Por exemplo, qual o percurso exacto dos 
seus membros do ponto de vista de outras manifestações da perversão 
pedofila na vidadas nossas instituições? Que tipo de dificuldades outros
 processos de índole idêntica criaram aos seus executores? Que pertenças
 e aprioris ideológicos os seus membros têm em relação à Igreja? Seria 
importante que Pedro Strech testemunhasse, em primeira pessoa, sobre as 
dificuldades que enfrentou no processo Casa Pia. Gostaria de saber o que
 o levou a abandonar tal processo. Do mesmo modo, não seria a hora da 
figura senatorial de Daniel Sampaio se referir às vítimas da Casa Pia 
com a “compaixão” que exige dos Bispos? Qual a sua intervenção cívica a 
favor da compaixão com as vítimas quando os tribunais deram por 
encerrada essa questão? Será que está agora a projectar sentimentos de 
culpa face ao seu silêncio nessa circunstância?
Note-se, todavia, que limito-me apenas a levantar algumas questões!...
11º
Por
 estes dias, o Cardeal Patriarca tem sido zurzido, fora e dentro da 
Igreja. A culpa dele? Ter assinalado que “um envelope sigiloso contendo 
os nomes dos membros da Igreja acusados de terem abusado sexualmente de 
crianças” (Público, 7.3.2023) não é uma sentença do Tribunal que deva 
transitar em julgado! O Público acompanhou a notícia com uma fotografia 
do D. Manuel Clemente a guiar dentro de um carro com a janelas fechadas e
 a sorrir. Tudo mensagens sobre fechamento, fuga, insensibilidade, 
passadas pelo Poder que se abate sobre um pastor bom a quem procuram 
isolar.
Acresce que, com
 mais ou menos dialética episcopal, D. Manual Clemente tem razão na 
precisão da argumentação jurídica: “Ainda está em uso a antiga 
terminologia da suspensão a divinis para indicar a proibição de exercer o
 ministério imposta como medida cautelar a um clérigo. É bom evitar tal 
designação, bem como a de suspensão ad cautelam, porque na legislação em
 vigor a suspensão é uma pena e, nesta fase, ainda não pode ser imposta A
 forma correta para designar tal disposição será, por exemplo, proibição
 do exercício público do ministério” (in Vademecum, Vati cano, 2ª ed, 
2022).
12º
Como
 já tive oportunidade de dizer noutra circunstância, a isenção e 
equilíbrio do Relatório tem que ser questionadas! Parece-me que a 
reverência que lhe é dedicada trás consigo um misto de servilismo e de 
convencionalismo.
Não é 
um documento homogéneo. Se há relatos tremendos na sua veracidade, há 
outras páginas inaceitáveis do ponto de vista da racionalidade e, 
portanto, também da justiça. De facto, não acolho como imparciais as 
suas evidências. Por exemplo, na pg. 200 apresenta-se uma Tabela de 
quantifi cação de outros casos de pedofilia que seriam do conhecimento 
das vítimas que fizeram os seus depoimentos à Comissão:
Assim,
 “delineamos um exercício de quantificação. Nos testemunhos em que as 
respostas são precisas e especificas, contabilizámos o número exato de 
pessoas mencionadas. Nos restantes, usá mos uma série de 
equivalências que pondera as respostas de forma muito conservadora [Por
 baixo, digo eu]”. Portanto, é a parti r desta Tabela que se chega à 
estimativa de 4815 vítimas.
Eis
 alguns exemplos que me parecem muito significativos, retirados dessa 
mesma Tabela: Se a vítima que fez o seu depoimento dá uma “resposta 
exacta” (tal como a designa o Relatório) assume-se esse número sem mais:
 “todas as minhas primas”significam, seguramente, “7” raparigas. 
Acresce, que onde a vítima diz “não sabe; não sei ” os cientistas do 
Relatório sabem e contabilizam “1”.
E
 o mergulho no arbitrário expressa-se mais exageradamente ainda, quando 
quem apresenta o seu testemunho à Comissão dá respostas do tipo “todo o 
colégio” (a que corresponde o número de 200 pessoas segundo o Relatório)
 ou “todos os rapazes da Freguesia” (a que correspondem 20 pessoas) ... 
Ciência? Justiça? Aqui fica a pergunta.
13º
Acresce
 que o Relatório não faz distinções conceptuais importantes: quais os 
abusos de menores que pertencem à categoria pedofilia (DSM IV, 
“actividade sexual com uma criança ou crianças na pré-puberdade — 
geralmente com 13 anos ou menos) e os outros— que são igualmente “abusos
 de menores” — mas cuja “tipologia” tende a não poder ser nomeada? Tabus
 e interditos, auto-censura no vocabulário dos autores do Relatório ...
14º
Gostaria,
 ainda, de perguntar aos relatores: o que é que mudou tanto na sociedade
 portuguesa para que a descrição tenha imperado no processo Casa Pia 
(conhece-se algum Relatório? Está acessível uma única história relatada 
na primeira pessoa pelas vítimas?) e agora, desta vez, tudo fosse 
exposto, com todos os detalhes obscenos, em horário nobre das tv’s?
Num
 país institucionalmente idóneo, o que foi recolhido neste relatório não
 deveria ter dado origem a averiguações subsequentes que salvaguardassem
 “direitos, liberdades, garantias”? Quem não se dá conta do julgamento 
sumário que se montou na praça pública?
15º
Já
 perto do fim, penso que é relevante perguntarmo-nos se tudo isto 
significa que chegámos a uma nova fase da nossa vida em sociedade, onde o
 compromisso contra a pedofilia se apresenta firme?
Diria
 que não me parece! Façamos, por exemplo, essa mesma pergunta ao 
Observador e verificaremos que a fixação no tema da pedofilia é 
exclusivamente anti -católico. Nesse mesmo jornal, em Janeiro passado, 
os 100 anos de Eugénio de Andrade foram festejados sem uma alusão que 
fosse à sua militância pró-pedofilia! Pelo meu lado, penso que até 
surgir de novo, nesse jornal, um número de telefone disponível para 
receber outras denuncias de pedofilia, que não só as eclesiásticas, o 
seu propósito parcial e o seu descompromisso anti -pedofilia estão 
ostensivamente à vista.
16º
Permito-me
 antecipar cenários: não tardará muito, parece-me que mais cedo do que 
tarde, será a Igreja Católica a única instituição, neste lado do mundo 
chamado Ocidente, a dizer que a pedofilia é uma perversão!
Quem
 acompanhe o que se diz, por exemplo, em França, Itália ou Holanda e 
Bélgica sabe-o. Em Espanha, em Setembro passado, a ministra Irene 
Montero disse que não havia mal na vida sexual acti va das crianças, com
 adultos desde que consentida (htt 
ps://poligrafo.sapo.pt/fact-check/ministra-da-igualdade-de-espanha-disse-que-criancas-podem-ter-relacoes-sexuais-com-adultos-se-houver-consenti
 mento).
17º
Parece-me
 que reduzir as questões dos abusos de menores à Igreja católica tem 
permitido aos senadores e aos poderes do regime sublimar as 
cumplicidades e omissões no Processo Casa Pia. Ali, à guarda do Estado, 
guardas do Estado atingiram "as mais desgraçadas [crianças] em termos de
 história pessoal".
18º
Ora,
 o que é certo é que o “bode” tem mudado de nome, de raça, e o seu 
holocausto tem sido prati cado através de rituais diversos. Todavia, 
certo é também que não há nenhuma configuração de sociedade que não faça
 uso abundante dos seus próprios bodes expiatórios de eleição. Carregar 
os miseráveis 3% de clérigos sinistros com os 97% de crimes de pedofilia
 que ocorrem na sociedade serve outro propósito que não o de esclarecer 
sobre o que se está a passar.
19º
Tudo
 o que acabo de escrever apenas indicia uma atitude conservadora? Olhar 
para o que foi dito nessa perspectiva serve apenas para encurralar-me 
ideologicamente. Fechado e rígido, insensível, são, de imediato, ideias 
afins a este tipo de classificação. Permitem antecipar a conclusão sem 
ouvir o argumento. Seguro, porém, é que não tenho nada a ver com os 
“jovens turcos” do Observador, importante club do conservadorismo 
liberal. Dessa relação promíscua resultou um jornalismo trans-
tornado e grande conservador — do liberalismo. Na húbris da indiscriminação da incriminação.
Por
 entre os militantes deste tipo de liberalismo (haverá outros) 
descortina-se a postura de quem luta para que o Estado esteja fora dos 
negócios ... e a Igreja longe da vida.
Curioso:
 também aqui os extremos se tocam. Desta vez, no adro da igreja, onde as
 causas Woke e os radicais do liberalismo se coligaram no comum desprezo
 pela densidade do real. Embriagados de parcialidade recusam-se a pensar
 a complexidade. 1 comentário:
20º
Acontece
 que sou católico. Por conseguinte, a perspectiva que me interessa diz 
respeito ao “todo”: da vida, dos factos sociais, da amplitude do 
perguntar, da organicidade do real, da equidade das soluções, das 
relações reais de compromisso entre as pessoas, da busca de um modo de 
estar no visível que não silencie o invisível. Portanto, contra as 
soluções abstractas e ideológicas do sistema, das teses mais amadas do 
que as pessoas, do insignificância dada à questão do sentido da 
existência, do desprezo pelas instituições, da eminência do jornalismo 
acimados factos, desprezando os factos, inchando ou esquartejando os 
mesmos.
21º
Todavia,
 mutati s mutandis, não ando longe do pensamento de Adriano VI quando em
 1523, perante a crise protestante, assim escreveu: “Nós reconhecemos 
livremente que Deus permiti u esta perseguição da Igreja por causa dos 
pecados dos homens, particularmente dos sacerdotes e prelados. A mão de 
Deus, de facto, não se retirou e ela pode salvar-nos. Mas o pecado 
separa-nos d’Ele e impede-O de salvar-nos. Toda a Sagrada Escritura 
ensina-nos que os erros do povo têm a sua fonte nos erros do clero...
Sabemos
 que, desde há muitos anos, também na Santa Sé foram cometidas muitas 
coisas abomináveis: tráfico de coisas sagradas e transgressões dos 
mandamentos em tal medida que tudo se tornou um escândalo. Não nos 
podemos espantar que a doença tenha descido da cabeça ao corpo, dos 
papas aos prelados. Todos nós, prelados e eclesiásticos, desviámo-nos do
 caminho da justiça. (...) Cada um de nós deve honrar a Deus e 
humilhar-se perante Ele. Cada um de nós deve examinar-se e ver em que 
pecado caiu. E deve examinar-se muito mais severamente de quanto não o 
será por Deus no dia da Sua ira. Consideramo-nos tanto mais comprometi 
dos a fazê-lo porquanto o mundo inteiro tem sede de reforma”.
....
Que
 a justiça dos homens faça o seu caminho, é o desejo recto de qualquer 
um de nós. Certamente que alguns dos mais dissimulados e poderosos 
pedófilos escaparão à justiça dos homens. Assim, muitos nomes grandes da
 cultura e das artes europeias e nacionais contemporâneos.
[...]
Sabemos,
 no entanto, que ninguém escapará o severo juízo de Deus. Para o fogo 
eterno aqueles que escandalizaram os pequeninos. Portanto, também o 
clero que impenitentemente assim o fez e assim se manteve simulando 
exercer as responsabilidades santas, horrivelmente pervertidas.
2
Dediquei-me
 a ler o Relatório publicado na 2ª feira passada. Já li perto de metade.
 Não serei redundante a repetir o que é consensual, obviamente sobre a 
tragédia que se abateu sobre quem foi abusado.
Mas
 o Relatório não é apenas consensual. É também discutível. Muito 
discutível e em não poucas páginas, para mim, inaceitável. Ou será que 
sou obrigado a considerar como absoluta e inquestionável a sua 
metodologia, os seus propósitos e resultados? “Pensar é dizer não” 
[Alain, seminário de Derrida], ensinava um filosofo francês aos seus 
alunos. Nem sempre, mas muitas vezes, permito-me acrescentar eu. 
Sobretudo quando nos colocamos perante as afirmações do Poder sem rosto,
 como o designava Pasolini. Portanto, e por vezes, negar não é fazer a 
afirmação contrária. Ou seja, não me passa pela cabeça dizer que não 
existe responsabilidades brutais de clero pedófilo.
É
 antes recusar o modo como se configuram novas crenças que se pretendem 
límpidas e pudicas e transpiram principalmente uma vingança cultural, 
generalizações e massacre de uma instituição secularmente na mira dos 
que pretendem o Progresso sem o Desenvolvimento. O progresso entendido 
assanhadamente como ruptura — como revolução— face às convicções 
tradicionais sem por isso o Desenvolvimento da pessoa na sua vida 
pessoal e comunitária. “, o aborto, a eutanásia e fantasiosas ‘famílias”
 que não desenvolvem a vida de ninguém. Antes a implodem.
3
Mas
 retomo o Relatório. A certa altura é referido que a “Comissão 
Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais de Crianças na Igreja 
Católica Portuguesa” foi entrevistar os nossos Bispos. Levavam cinco 
perguntas preparadas. A primeira questionava o seguinte: “— Como se 
tornou um homem de fé́?
Percorria-se depois um roteiro por várias outras: pode-nos falar sobre a sua infância, a família e a comunidade onde cresceu?
Como
 surgiu a vocação e em que lugares adquiriu formação para se tornar 
sacerdote ou membro de uma ordem religiosa?”(Copy paste, pg 122. Note-se
 o pouco rigorosa na ortografia).
Ora,
 pergunto eu, a entrevista era sobre “Abuso de menores” ou servia para 
classificação e julgamento sociológico e psicológica do episcopado? 
Repete-se em todo o relatório que se acolheram as pessoas entrevistadas.
 Neste caso, não se está a fazer um juízo de valor sobre as pessoas 
entrevistadas?
Com efeito, qual o relevo desta pergunta senão a de julgar os prelados da Igreja?
Exagero? Veja-se o comentário que se segue sobre as entrevistas aos superiores das ordens religiosas, femininas e masculinas:
“Se
 algumas irmãs tinham vestido o hábito de freira nas entrevistas, os 
superiores gerais (com exceção de um) apresentaram-se 
descontraidamente vestidos com roupa comum. Com todos, sem exceção, o 
ambiente criado durante a entrevista foi excelente. Ao contrário dos 
bispos, apesar de tudo mais formais e racionais no trato e no uso da 
linguagem, os superiores e as superioras gerais deixaram mais 
frequentemente soltar as suas emoções e dúvidas, o seu humor e, 
sobretudo, a sua perspetiva crítica face ao conservadorismo da 
hierarquia da Igreja portuguesa, na sua linguagem, na atitude de certos 
bispos. Apenas com eles/elas ouvimos frases como «sinto-me uma pessoa 
realizada», «sou uma mulher feliz»”.
Bom,
 se era tão relevante conhecer o “ambiente” em que cresceu a hierarquia,
 porque não utilizar o mesmo método na auto-apresentação da Comissão.
[...]
Que
 razões levaram a Comissão a passar por cima de tudo o que são direitos,
 liberdades e garantias, dando um passo no sentido em que a vida pública
 seja não só é atingida pelo populismo, que pretende que os políticos 
sejam substituídos pelos juízes, como agora, também, que os juízes sejam
 destituídos por psiquiatras.
Sim, porque não tenhamos dúvidas: o Relatório é uma sentença.
Daquelas em relação às quais já não se pode apresentar recurso.
4
Significativa,
 no Relatório em apreço, a tentativa de branquear a conexão, todavia 
estatisticamente irrefutável, entre abusos de menores e perfis 
homossexuais. As afirmações ideológicas e declarações de intenção, são 
redundantes: Assim na pg 75: “Sabe-se que a maior parte dos abusadores 
de crianças são, na sua forma socialmente assumida e ainda na sua 
estruturação emocional, heterossexuais, muitos deles tendo relações 
com adultos de sexo oposto ou sendo pais de crianças. Por outro lado, a
 quase totalidade dos homossexuais vive a sua vida emocional e afetiva 
com pessoas de faixas etárias superiores a 18 anos de idade e 
orientação idêntica, sem que sequer se constitua esta mesma questão 
de abuso. Embora esta questão esteja hoje absolutamente clarificada do 
ponto de vista científico, ela é ainda objeto de vulgar confusão entre 
vários estratos das sociedades, incluindo em posições que persistem 
como um dogma dentro da própria Igreja que, por exemplo, nega casamentos
 entre pessoas do mesmo sexo ou a confissão e a comunhão a quem não 
tenha assumido orientação heterossexual.” Ora, de novo, ‘pensar é dizer 
não’.
Mas não me acusem, para já, de ser troglodita.
Faço,
 aliás, um parenteses para homenagear pessoas homossexuais que conheço e
 de quem sou amigo e que nada têm de pedófilas. É obvio que 
homossexualidade não é sinonimo de pedofilia.
Mas
 é obvio, também, que há no Relatório uma preponderância de pessoas com 
práticas homossexuais pedófi las. E aí o relatório não é isento.
Com
 efeito, não obstante o texto que acabo de citar e que tenta dissociar 
em absoluto estas duas práticas, por exemplo, nas pg 250 ou 271 ou 371, 
os episódios hediondos aí relatados são, paradoxalmente, referidos a 
pessoas identificadas como homossexuais.
Mas,
 por outro lado, já os 4 casos contados nas páginas 223 a 227 descrevem 
com detalhe praticas homossexuais sem nomear a homossexualidade desses 
predadores.
Então, todo o meu propósito resume-se a condenar as pessoas homossexuais?
Não e não.
Sem
 pejo, porém, relembro a tese de Pasolini, aliás um homossexual, segundo
 a qual a tragédia contemporânea tem que ver com um Poder [com P grande]
 sem rosto. Esse, Poder, digo eu, que tem conseguido colar a Igreja, o 
seu clero e as suas práticas rituais e instituições a uma cambada de 
tarados e de lugares sinistros.
Ora,
 o que o Poder pretende com isto é que da identificação da Igreja com 
tais horrores decorra a insignificância e impotência e o desprezo por 
qualquer coisa que a mesma Igreja tenha a dizer sobre o homem e 
organização da sua vida em sociedade. Aborto, Eutanásia, fantasmas sobre
 o que é ser homem ou mulher, família tradicional ou novas configurações
 da mesma nascidas da perda do centro, tudo isso deixa de poder dialogar
 com o pensamento católico a quem não deixa de se colar a pequeníssima 
parte como expressiva de um todo sistémico.
E, eis, que aí estão, de novo, à solta, velhos ressentimentos anticlericais a pedir que se “esmague a infame” Igreja.
5
E
 a propósito de números e % permito-me, também, dizer que não considero 
expressivos e suficientes os números alcançados. 34 depoimentos 
presenciais, 512inquéritos online validados, a extrapolação para 4800 
vítimas de abusos não é ciência, não é direito, não é justiça. É 
manipulação. Brutal manipulação.
Note-se aliás que o Relatório diz na pg. 138“
Uma
 das questões com que qualquer equipa de pesquisa se confronta quando 
recolhe dados junto de uma população através de técnicas como 
entrevistas ou inquéritos por questionário é a questão da veracidade
 das respostas obtidas. Apesar de todos os cuidados postos na redação 
do guião, da exclusão de testemunhos manifestamente falsos, pode-se 
sempre discutir genericamente se quem responde está ou não a contar a 
verdade, ou se aquilo que afirma corresponde ao que exatamente viveu, 
sem construção do que é descrito como a ocorrência de «falsas 
memórias». Este é um tema recorrentemente discutido na literatura 
científica, nomeadamente na área da psicologia social, facto que, por 
si mesmo, constitui uma forma estruturada de corretamente enquadrar este
 tipo de dúvidas.
Em 
vez de «verdadeiras» ou «falsas», devemos ter em conta que as respostas 
obtidas são sempre elaboradas no quadro da relação que se estabelece 
entre quem pergunta e quem responde. São mediadas pela representação 
mental que a pessoa constrói da situação a que está a responder e é
 essa mesma narrativa interna que constitui o próprio resultado da 
inquirição
.”
6
Contenho-me no meu exame ao relatório para chegar a uma pergunta necessária e dolorosa:
Porque é que a hierarquia se lançou a este desafio de pedir para se fazer este relatório.
Seria melhor escondermo-nos?
Não e não. Não sou desses.
Não me revejo em comportamentos corporativos! Não sou de nenhuma “congregação”.
O
 que me parece é que, por exemplo, como em Espanha, não se deveria ter 
aceite fazer um inquérito desta natureza exclusivamente à Igreja 
Católica. Sim, os estudos de referência indicam que depois de tudo 
vasculhado na Alemanha e nos EUA a responsabilidade dos clérigos andará 
pelos 3%.
Sim, é brutal,
 mas não exclusivo nem predominante. E foi esse, segundo me parece, o 
efeito social criado com este Relatório: como se a Igreja fosse a 
fábrica e a sede destes horrores
O
 que se passou então para hierarquia avançar para este Relatório. Não 
possuo especial informação sobre as decisões da CEP. Obviamente a 
pressão era muita, mas permito-me lamentar 3 factos:
·
Cedência
 às elites clericalizadas: clero e leigos que pensam “mundo”. Refiro-me 
aos que dentro da Igreja estão mundanizados, mentalmente colonizados 
pelo Poder. Refiro-me aos que desejam que, no que diz respeito à 
doutrina, a Igreja diga o que o mundo dita à Igreja. Refiro-me, de um 
modo geral, ainda que com honrosas excepções, àqueles católicos de 
serviço que têm acesso a publicar na grande imprensa. Àqueles que de 
algum modo aspiram a uma versão do cristianismo descrito ironicamente 
pelo Cardeal Biffi a propósito do anti -Cristo: no futuro ele “será 
vegetariano, pacifista, bonzinho e aberto ao diálogo”.
·
Como
 segunda nota, e como agora se diz, recusa de um modelo sinodal de 
Igreja. Ou seja, confundir opinião publicada com o sentido da fé dos 
fiéis. Só gente muito mundanizada desejava este Relatório. Os 
fiéis-fieis, quer dizer os que vão à Missa fielmente, os que tem filhos e
 família, os que visitam familiares e vizinhos doentes, os que rezam, 
sabiam e sabem que este foi um exercício que lançou o pânico nos 
simples. Eles queriam a verdade, sim. Não queriam, porém, serem 
colocados de novo na arena dos novos Coliseus. Penso nos que nada sabem 
de sociologia e estatística. Mas que conhecem a Cruz, a dor, o perdão, o
 serviço desinteressado.
·
Por
 último, penso na confusão pretendida entre os abusos como abuso de 
poder clerical e os ardis da perversidade. Considerar a autoridade como 
má é abrir caminho à ditadura das minorias agitadoras, elas sim, 
empenhada sem reescrever um evangelho que seja aceitável por quem tem 
vergonha de pregar Cristo e Cristo crucificado.
7
A terminar, sobre mim mesmo, queria dizer que não vivo detrás de nenhuma muralha a bombardear a cidade.
Por
 desígnio da Providência, e circunstâncias da minha vocação ligada antes
 de mais a uma comunidade terapêutica e ao facto de ser capelão de uma 
prisão, penso que já ajudei — mais ou menos— dezenas senão centenas de 
pessoas abusadas sexualmente. Sim, sou testemunhada privilegiada de 
percursos de redenção, de ressurreição. Acresce que também já ajudei uma
 meia dúzia de pessoas pedófilas; também por elas Cristo morreu na Cruz.
 Não me escondo nas sacristias, não ando na rua disfarçando o meu 
sacerdócio. Não aceito ser nomeado reacionário por quem vive a temer a 
opinião dos grandes da opinião. Sou, porém, dos que considera que “a 
missão da Igreja não é ser credível, mas acreditar!”
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Termino recorrendo, uma vez mais, ao querido e grande Cardeal G. Biffi :
“Charles
 Journet veio ao nosso Seminário e falou-nos da Igreja. Tocou-me a sua 
capacidade didática, de facto extraordinária. Mas, sobretudo, 
fascinou-me o seu pensamento, rigoroso e vibrante, todo ele tomado de 
amor pela verdade de Deus e pela sua ‘Esposa’ (como ele lhe chamou desde
 o primeiro minuto). Particularmente era admirável o equilíbrio, a 
inteligência e o espírito de fé que marcavam o seu modo de afrontar o 
tema espinhoso da questão da existência na Igreja de santidade e pecado.
 Todas as contradições são eliminadas — observava ele — se se compreende
 que os membros da Igreja pecam não enquanto estão ligados a ela, mas 
quando a traem. De modo que a Igreja, que não existe jamais sem 
pecadores, é sempre, em si mesma, sem pecado. Essa, de facto, assume em 
si tudo o que é santo, também nos pecadores, e deixa fora de si tudo o 
que é reprovável, também nos justos. Os seus confins passam, por isso, 
pelos nossos corações.”
Paróquia do Monte de Caparica. Tema Simples. Com tecnologia do Blogger
Pe. Joaquim Pedro Lobo Cardoso
in Pegadas:  https://antonio-justo.eu/?p=8392