segunda-feira, 26 de maio de 2008

Palavra de Deus em língua justa


Nova tradução da Bíblia

Os cristãos evangélicos fizeram uma nova tradução da bíblia com a preocupação de uma maior adaptação a uma teologia feminina com um vocabulário que dê resposta à igualdade entre homem e mulher e não fira as susceptibilidades judaicas.

Houve fortes reacções críticas contra esta tradução. O teólogo Jeans Schröter comenta laconicamente o novo texto com a frase: “ O Diabo continua masculino”.

O título deixa rever uma intenção moralista que a palavra de Deus não deveria ter. “Palavra de Deus em língua justa” dá a impressão de que outras traduções não foram justas.

Um outro problema é o facto da mesma palavra em diferentes línguas ter diferentes géneros. Assim a palavra Espírito que em hebraico é feminina (Ruah) e em grego é neutra (Pneuma) em português e em alemão é masculina. A palavra serpente em português e em alemão é feminina mas em hebraico e em grego é masculina. Por aqui já se vê a mesquinhez dos problemas machistas ou feministas num empreendimento da justiça das palavras. Para lá do problema menor da tradução das palavras está a incapacidade cada vez mais generalizada de compreender uma linguagem metafórica, a linguagem global por imagens.

A nova tradução traduz “o Espírito” por “a força do Espírito”. Esquece-se que cada língua tem o seu artigo próprio independentemente do artigo em hebraico ou em grego. Interessante é perscrutar o que está por detrás do espírito das palavras e das imagens que cada cultura usa independentemente do que poderá estar por detrás da roupagem cultural. Para além do tradutor terá de estar o sociólogo, o antropólogo, o teólogo exegeta, etc.

Jesus chama Deus “Pai” ou “Paizinho”. Na bíblia o ser de Deus é Pai, o pai de Jesus, o que teologicamente tem implicações na Cristologia e na exegese. A nova tradução traduz “Pai nosso” (Lc. 11,2) por “Tu Deus és o nosso pai e mãe no céu”.

Sob o argumento da justiça entre os sexos faz-se um nivelamento da Cristologia de consequências teológicas injustificáveis. É legítimo perguntar-se porque dar tanta importância a um grupo de interesses. Trata-se de vestir a bíblia com uma roupagem de trabalho. Por outro lado apresentam uma outra ordem dos livros bíblicos, o que não é tão inocente. Também no antigo Testamento não é mantida a ordem primitiva da tradução judaica em grego na Septuaginta passando a adaptar a ordem da Tora adoptada pelo judaísmo mais tarde.

O Novo Testamento tendo embora formulações paternalistas (papéis sociais da mulher e do homem na família, sem relevância teológica) nalguma epístola (Carta aos Colossenses) mas afirma categoricamente a igualdade de homem e mulher independentemente de seus papéis sociais inerentes a cada cultura ou época ou a possíveis especificidades inerentes ao sexo. O Novo Testamento é claro ao afirmar que entre nós “não há grego nem judeu, escravo ou livre, homem ou mulher”. “Todos são um em Cristo”(Gal3,28).

O antigo e o novo Testamento obedeciam à regra de nada lhe acrescentar ou tirar (Dt 13,1; 4,2; Ap 22,18) o que a nova tradução problematiza.



Vivemos numa época de obsessão sexual que desaprendeu a linguagem das imagens. O homem e a mulher são metáforas da vida. O feminino e o masculino são aspectos polares da mesma realidade. Importante é para lá do colorido e condicionalismo da linguagem descobrir e realizar a verdade que querem expressar. Cada época tem o seu espírito e a sua maneira de abordar o texto. Naturalmente que importante é que se consiga alcançar a vivência, a verdade sempre nova que as imagens transmitem.

É ridículo quando se fala de fariseus e fariseias porque historicamente só havia a instituição dos fariseus. Naturalmente que com esta opção já se optou por uma interpretação teológica específica e talvez redutora.

Em nome da justiça entre as metáforas sexuais questiona-se por vezes a claridade teológica. A unicidade de Deus e a arbitrariedade dos nomes de Deus. Ao falar-se de confiança em vez de fé como se os dois aspectos não estivessem sempre incluídos na palavra fé. Esta não é uma coisa que se tem mas uma vida do e no mistério.

O teólogo Mathias Jäggi toca o fundo da questão ao afirmar: “esta bíblia é não só expressão mas também sintoma duma crise”. Esta crise é expressão da falta de sentido para conexões e desconhecimento da linguagem das imagens.

A tradução oferece oportunidade não só para nos questionarmos sobre a linguagem e imagens bíblicas mas sobretudo sobre a sua interpretação, aplicação e vivência.

António Justo
2007-03-01
António da Cunha Duarte Justo

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