sábado, 24 de maio de 2008

Do Deserto da Transcendência à Desumanização do Ser Homem


“ Não agir segundo a razão, não agir segundo o logos, é contrário à vontade de Deus”.

Isto questiona não só a compreensão islâmica e mas também a de muitos guerrilheiros.
Há quem comece a fazer comparações desvantajosas entre o Papa João Paulo II e Bento XVI tirando ilações menos adequadas. Enquanto que João Paulo II acentuou primordialmente a moral na sua acção, o novo Papa acentua a questão de Deus (a teodiceia), a teologia na relação fé – razão. Não é do seu estilo (ocupar-se com coisas menores) moralizar nem condenar os moralismos inerentes a regimes, mundivisões, culturas, religiões ou políticas. Ele concentra-se no essencial, no primordial.

Numa opinião pública (oriental e ocidental) em que o banal é critério de orientação o homem erudito só poderá ser mal-entendido. Só estorva, pelo que é necessário arrumar com ele mediante um louvor ou uma crítica, numa palavra, o essencial está a mais…

BentoXVI não vem advertir ou proibir. Ao mesmo tempo que admira a beleza e o erótico da fé bíblica, ele não considera a cultura da época moderna má ou ateia. Ele reconhece o desenvolvimento do pensamento moderno, ao contrário daqueles que querem voltar aos tempos anteriores à renascença ou ao iluminismo. Ele quer que a ciência se liberte também ela de moralismos, de protagonismos para se deixar orientar por uma razão completa que não exclua metodicamente a questão de Deus da ciência. De facto uma ciência que exclua a questão de Deus torna-se incapaz de dialogar com as culturas. Para lá do folclore e da economia há algo mais. E uma razão que só valoriza o empírico é encurtada. O ilustre intelectual não quer ver a fé agrilhoada a uma razão prática kantiana e “assim ser-lhe negado o acesso ao todo da realidade”. Também critica a teologia liberal do século XIX que com o seu método histórico-crítico reduzia muitas vezes a fé a uma moral. Ele defende uma razão aberta não reduzida ao experimental, ou melhor, a uma percepção sensorial redutora.

Naqueles que orientam a opinião pública, os dançarinos do sonho, prevalece o músculo e a acrobacia sobre a maça cinzenta, nos debates e nos Media.

O vulgo julga que religião é igual a religião e que Deus é igual a Deus. Mas aqui é que está o problema central: a compreensão de Deus é que separa o Cristianismo do Islão.
Consequentemente o conceito de Homem não é o mesmo para o Islão e para o Cristianismo, o mesmo se diga do conceito de sociedade.

O Deus dos cristãos não age contra a razão nem se deixa reduzir ao “razoável”. No cristianismo até os ateus se tornam seus profetas. Tanto a ciência como a fé operam como parceiros, como correctivos da razão. Naturalmente que será lógico que numa parceria razão - fé não poderá haver lugar de imunidade para uma ou para outra.

O Islão, tal como o racionalismo iluminista extremo, relega Deus para o deserto da transcendência. Aí não é permitida a interacção entre Deus e o Homem. Esta é a compreensão que o papa vem questionar. Ele pretende superar o pensar dialéctico no seguimento dum pensar bipolar integrador do todo numa interacção dialógica do ser e do estar (confrontar a interacção trinitária: matéria – espírito - expressão). O iluminismo e o Islão ao separarem a razão da fé cometem o erro do encurtamento. É verdade que com as duas guerras mundiais o Homo europeus superou todos os medos passando a experimentar na pele a ausência de Deus, dum deus que não interferiu parecendo indiferente. Este equívoco porém, penso eu, provem de gerações ainda presas ao pensar dialéctico que ainda se não deram conta da nova época histórica da ciência iniciada por Einstein e colegas. A discussão cristã da fórmula da vida trinitária poderia ajudar a superar a ideologia dos opostos. Trata-se duma realidade, duma fórmula e duma tentativa de encontrar resposta para o ser e para o estar.

Permanece a esperança de que o Islão se deixará interpelar quando os muçulmanos europeus ganharem peso no mundo árabe. Até agora têm corrido o perigo de se serem reduzidos a seus tentáculos.

O que os conselheiros do Papa devem ter em atenção é que Bento XVI não perca de vista os problemas concretos que afligem a Igreja. Estes porém são ninharias em comparação com a crise do mundo ocidental e em especial da Europa. No cristianismo que deu à luz a Europa é natural que o representante do catolicismo, vendo os problemas a nível global, tem mais competência para analisar as questões globais do que aqueles que mourejam nas nacionalidades. Ele sabe que como a civilização ocidental nasceu com o cristianismo também morrerá com a morte deste. Como homem universal está interessado na fé transcultural consciente porém de que no Cristianismo se encontram todas as respostas às questões da vida.

Também a razão terá que, no respeito pelos símbolos, purificar a praxis mágica e sacramentalista.

Na sua viagem à Baviera o papa alemão apontou para os verdadeiros problemas do futuro.

António da Cunha Duarte Justo
"Pegadas do Tempo"
2006-09-25
António da Cunha Duarte Justo

Comentários:
No deserto - - - 2006-09-28
Os políticos e os cientistas é que vivem no deserto com ilusoes de poder e de ideologias. Eles sonham enquanto que os árabes sabem a lei que domina a natureza e esta é a do mais forte. Eles ainda se encontram perto da natureza e seguem as suas leis. O resto é ilusao. O ocidente está preocupado com o seu umbigo e já se despediu da conviccao. Enquanto que os outro missionam com a palavra e com a espada nós envergonhamo-nos de defender a nossa cultura.
Creio que o senhor ainda tem esperanca a mais e prega mas o deserto nao o pode ouvir. O senhor quer falar à inteligência mas esquece-se que se vive no tempo do ventre e do oportunismo.O seu discurso nao deixaria dormir e exige empenho próprio, o que nao interessa. Vivemos tao pouco tempo no planeta! O tempo nao chega para nós!
Atentamente
Cassandro Elisalde
...Desumanização do Ser Homem - - - 2006-09-27
Prezado Luís Costa,
sim, o subdesenvolvimento cultural e humano é que são o problema e as diferentes maneiras de estar complicam o desenvolvimento.
O problema é que não há apenas um povo, uma cultura homogénea. Em cada cultura há vários níveis e estados de consciência, o que condiciona diferentes percepções da realidade. O que para uns parece bom é tido como mal para os outros. O problema é também pedagógico atendendo a que as elites se não são medíocres orientam-se pela mediocridade.
A relação é bipolar entre entropia e Vontade de ser, entre ignorância e saber, dois pólos dinâmicos e condicionantes.
Importante é tornarmo-nos conscientes e estarmos humildemente de serviço… Tudo isto na consciência de que ser consciente é processo e não um estado. O grande inimigo do homem é o hábito, ajude ele embora, às vezes…

Atenciosamente
António Justo
Agradeço - - - 2006-09-27
Prezado Justo,

agradeço a suas sábias palavras. Concordo em tudo consigo. Mas como diz o senhor “ isso só testemunha o subdesenvolvimento do povo... “ Ora não é verdade que a maior parte dos fiéis da Igreja católica ainda se encontram num estado de sub-desenvolvimento? E que por isso necessitam dum pastor que lhes saiba falar num linguagem que eles compreendam? A magnitude de Jesus Cristo não radicava exactamente na sua capacidade de saber dialogar com o povo?

Um abraço:

Luís Costa
Luís Costa
Do deserto da Transcendência... - - - 2006-09-26
Prezado Luís Costa
Obrigado pela achega.
Sabe, a realidade é complexa e a verdade não existe, acontece…
Aqui, o Papa, que vê a conexão da realidade e a catástrofe em via, tem que como a águia com o seu olho arguto fixá-lo para um ponto essencial da problemática actual. O problema da nossa sociedade não está no rebanho, no povo que é dócil, o problema está nos pastores que não só querem a lã, não só querem tosquiar o povo mas esfolá-lo. O problema é inter-cultural. É preciso criar uma nova mentalidade nas elites numa ética de serviço pelo bem – comum e por cada pessoa individualmente.
As culturas com as suas relativas morais são passíveis de transformaçãona expressão do meio que retratam. O papa está preocupado com a sociedade a nível global. Não se trata duma política de cada elite manter as suas ovelhas no seu curral como tem sido tradição internacional e mundial. Não chega a solidariedade com as elites exploradoras mas de as questionar no seu agir e de as acordar para o global e para os perigos que estão na base das próximas guerras inter-culturais.
Facto é que a Europa está a ser infiel a si mesma deixando-se levar apenas por filosofias de segundo plano, de filosofias meramente mercantilistas. No caminho actual as elites estão a ser um impedimento de futuro com auto-estima.
Portanto não se trata de elitismo. Trata-se de acordar e responsabilizar as elites que se encontram a servir a entropia.
É verdade que a Igreja é comunidade mas para que o rebanho vá bem é preciso que aqueles que o conduzem estejam conscientes do seu ser comunitário.
A questão do preservativo é um assunto secundário que no cristianismo pertence ao foro da consciência individual (privada). Penso que às vezes são dadas orientações por parte da instituição para aqueles que como crianças não sabem diferenciar ou como mero sinal para aqueles que reduzem a sexualidade a mero comércio ou satisfação sem amor pelo outro. Isso só testemunha o subdesenvolvimento do povo e a luta que há nalgumas regiões do globo em que o Islão se afirma mediante uma política agressiva de fazer filhos não só nas próprias mulheres mas nas chamadas escravas. De resto, penso que os cristãos que em certas igrejas ouvem falar do preservativo lhes é explicada o sentido que está por detrás disso, pelo que quem não estiver interessado nisso naturalmente que o usará na defesa do seu prazer. Com isto não quero justificar a proibição, apenas quero apontar para a complexidade do problema e neste caso penso que a mais castigada seria a Igreja Católica porque se tornaria vítima das próprias mediadas.
A crise é das elites não popular. Estas não têm estado à altura do lugar que ocupam a nível político e religioso. Servem-se mais do que servem. O papa dirige-se a elas porque uma vez acordados os pastorem já o povo sofrerá menos.
António Justo
António Justo
Gott ist namenlos - - - 2006-09-25
Gott ist namenlos, denn von ihm kann
niemand etwas sagen noch verstehen

Meister Eckhart


Senhor Justo,

como sabe sou sempre um admirador das suas palavras. Gosto da sua prosa limpida e directa. E reconheço, como teólogo que é, conhecedor profundo daquilo que diz. E sendo eu um leigo, um mero curioso, que se interessa por estes assuntos, quero aqui dizer apenas algumas palavras.
Com todo o respeito, não concordo quando diz:
“Enquanto que João Paulo II acentuou primordialmente a moral na sua acção, o novo Papa acentua a questão de Deus (a teodiceia), a teologia na relação fé – razão. Não é do seu estilo (ocupar-se com coisas menores( aqui coloco um ponto de interrogação: o que é ser menor? )) moralizar nem condenar os moralismos inerentes a regimes, mundivisões, culturas, religiões ou políticas. Ele concentra-se no essencial, no primordial.”
Este Papa é um intelectual, sim, isso é verdade, este papa é um filósofo, sim isso também é verdade, este Papa sabe escrever bem, sim isso também é verdade, já li algumas coisas dele e até gostei, este Papa é sobretudo um teólogo,( isso também João Paulo II o era) e até me agrada que o seja. agora o problema que eu vejo aqui é que ele ao acentuar a questão de Deus, a chamada Teodiceia, está-se a dirigir simplesmente aos intelectuais, quer dizer está a tratar um assunto elitista ( deveras importante ) e a esquecer assuntos que são bem mais primordiais para os fiés da Igreja Católica e que deveriam estar na sua agenda em primeiro lugar.
O corpo da Igreja, a Igreja viva, não é só um grupo de intelectuais, que gostam, sobretudo de filosofar, a Igreja é acima de tudo aquele número de fiéis, quase infinito, que pouco ou nada percebem de Teologia, mas que acreditam em Deus, que sentem Deus no fundo das almas.
Sendo o assunto que Benedito XVI expôs muito interessante e importante, há, porém outros temas que são mais prementes. Pois que dizem respeito aos fiéis. Fale-se aqui por exemplo no uso do preservativo durante o acto sexual. Este parece ser um tema tabu para papa. No entanto é um tema gritante. Veja-se quantos milhares de pessoas morrem na África e não só por causa da falta de esclarecimento... Vejamos também o celibato e a moral, a moral que no nosso mundo ocidental está em plena decadência. Não nos encontramos numa crise de valores? - Serão isto coisas menores?
Não é verdade que a Igreja Católica se está a tornar cada vez mais impopular? Portanto elitista. Não é verdade que há cada vez menos homens que querem seguir a carreira eclesiástica. Serão isto também coisas menores?
Resumo: Há temas bem mais importantes que o papa deveria tratar em primeiro lugar , coisas que dizem respeito ao dia a dia, ao sofrimento das pessoas, às necessidades dos crentes...


Com todo o respeito:

Luís Costa

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