EUROPA NA ENCRUZILHADA DE DIFERENTES
FILOSOFIAS DE DIREITO?
António Justo
Tanto o Tribunal Constitucional Alemão (TCA) no seu Acórdão de 5 de maio,
como o acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), de 11 de
dezembro de 2018 não podem agradar, ao mesmo tempo, a gregos e a troianos,
atendendo às diferentes posições e filosofias que os dois professam
(regionalismo ou centralismo) na construção da EU.
Assim os
centralistas, mais inclinados ao jogo do poder político e económico, acusam o
TCA de querer fazer política e os
regionalistas, mais inclinados a um quadro jurídico regulador de conflitos
sociais, acusam o TJUE que em
conluio com o Banco Central Europeu (BCP) fazem política.
Na base
destas irritações estão dois ideários de expressão da consciência europeia a
que assistem diferentes modelos de organização política e diferentes tradições
de quadros jurídicos (latina ou nórdica).
Em vez de os partidários de uma trincheira se levantarem contra os do outro
valado, seria agora uma boa oportunidade para se ir discutindo qual das
filosofias se quer seguir para a EU e qual a tradição de sistemas jurídicos a
adotar: o quadro jurídico centralista
francês que permite uma certa promiscuidade entre política e jurisprudência ou
ao sistema jurídico alemão, mais independente? Digamos, queremos uma Europa
mais democrática arquitetada em termos dos favorecedores do regionalismo (ao
exemplo da arquitetura federal alemã) ou dos favorecedores do centralismo
(diria eu, de tradição mais do Sul de possíveis interferências maçónicas e que
pretendem uma arquitetura administrativa e política centralista (mais à la
France).
Os defensores
do centralismo acusam a nação progenitora do protestantismo de heresia e não
prescindem sequer do seu tradicional argumento marreta moralista de que a
Alemanha está a fortalecer o populismo. Pelo contrário, o que o acórdão alemão
pretende é uma Europa mais transparente e democrática
(independentemente agora dos interesses económicos e de poder!). Mais próprio
para discussão seria a oportunidade de argumentação por cada uma das partes e
colocar em cima da mesa da discussão os interesses que se escondem por trás do
discurso sobre um construto EU que se quer bastante indefinido para melhor
possibilitar jogadas de corredores e de poderes reservados para a classe
dirigente.
Fala-se em primazia do TJUE sem se falar de certas primazias que ele
pretende tirar às democracias regionais, donde deveria partir todo o construto
EU; o Tratado de Lisboa é queridamente confuso nalguns pontos de
definição/legitimação de poderes.
Os
centralistas mobilizam o medo da desagregação europeia levantando bem alto o
cajado dos nacionalismos, em defesa do seu poder que se quer visto construído a
partir do telhado!
Acusar os
alemães de nacionalismo constitucionalista é autodesqualificar-se (atendendo à
filosofia democrática do seu quadro jurídico) numa perspectiva construtiva da
Realidade europeia cujo credo é o direito e atendendo ao facto de que uma
Europa na tradição germânica do direito se quer mais virada para o povo e
corporações e não tanto para as elites.
Dar poder absoluto ao TJUE (antes da EU feita!) seria, para já, conferir um
poder constitucional definitivo ao Tratado de Lisboa; poder que este não lhe dá
para se poder legitimar.
Querer definir de europeísta a facção centralista (mais individualista e
autoritário) e considerar como antieuropeísta a facção regionalista (mais
corporativista), seria, no meu entender, querer definitivamente para a Europa
um sistema jurídico, administrativo e político mais conforme à matriz francesa,
quando a matriz federal alemã é de cariz
mais democrática ao possibilitar a construção de uma União Europeia a partir da
base da realidade regional federal (e não como querem os centralistas, mantê-los, superiormente
amarrados às dívidas “soberanas”) .
Não seria sinal muito democrático querer fazer partir o centralismo do
direito europeu dos magnates políticos dos países quando este para ser um
direito estável deveria surgir de um organigrama europeu com bases democráticas
sólidas a partir das regiões contrariando a formação de um gigante com pés de
barro.
A iniciativa
do TCA poderia ser uma boa oportunidade para impedir um certo populismo e
nacionalismo que os defensores de um centralismo dogmático da EU têm
proporcionado (o Brexit manda cumprimentos)!
Urge
esclarecer as matrizes de fé subjacentes aos crentes do centralismo de uma EU
centralizada e reguladora e a matriz dos crentes do regionalismo, de uma EU
unida, mas descentralizadamente orgânica.
Cada vez se
torna mais insuficiente o autoritarismo centralizador de elites, com que
deparamos de forma exemplar no regimento do Coronavírus; de facto a subjugação
à organização de saúde da ONU, tornou-se crassa e de mau sabor perante um possível organigrama de poder centrado na
ONU. O medo tornou-se trunfo e xeque-mate ao mesmo tempo, para que os
interesses de alguns poucos se expandam em liberdade! O instrumento do medo e a demonização de
legitimas aspirações do cidadão passam a ser qualificadas, à prior, de
populistas.
Parece não
interessar aos governantes a implementação de uma salutar controvérsia na
opinião pública entre os dois conceitos de organização política europeia
(planos de enquadramentos e diretrizes
jurídicas) talvez por medo que surjam os Asterix-Oberlix (protagonizados na série
de Banda Desenhada cómica) contra Bruxelas, a Roma da EU.
É natural
que, um Asterix na qualidade de anti-herói, símbolo da expressão de uma luta
mais popular e mais universal pelo bem comum, não interesse aos centralistas mais
interessados num Estado fundamentalmente burocrático e não orgânico. De facto os dois Gauleses defendem a sua
aldeia contra o domínio de potentados, em protecção da sua consciência
colectiva europeia, defendendo o caracter regional contra um globalismo
despersonalizante e avassalador!
resistência da ocupação dos pequenos países onde as suas elites políticas
parecem reduzir-se a meros agentes de administração, comportando-se como o Lügnix que organiza bem
a sua vida particular mantendo a sua mão nas receitas fiscais e reduzindo em
contrapartida o ser do cidadão à
situação de contribuinte ou de alimentado do Estado (1)
António da Cunha Duarte Justo
In Pegadas do Tempo, https://antonio-justo.eu/?p=5905
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