Natal é Gratidão
a vibrar no Coração
António Justo
Há dias, quando estava a preparar
este texto sobre gratidão e a ler um livro de Robert A. Emmons, veio-me à mente
algumas vivências que tive no mosteiro.
Quando entrei no mosteiro de
Arouca (1960), dois acontecimentos me impressionaram em particular: o ritual de despedida do dia "Boa
Noite", com uma duração máxima de cinco minutos, em que se expressava uma
atitude de agradecimento pelo dia que terminava; o outro era o costume do
"Dia da Boa Morte" no final de cada mês, onde através de meditação,
oração e leitura espiritual se exercitava a “boa morte” como agradecimento pela
vida presente no sentido de ser vivida mais intensa e conscientemente ao ser equacionada
na perspetiva da boa morte como algo natural.
Durante a "Boa Noite",
o Director, na tradição salesiana, levava-nos a recordar as experiências do
dia; depois de uma breve pausa, mencionava um pensamento feliz ou uma história edificante
que terminava com a saudação "Boa Noite"; depois íamos para a cama
relaxados e às vezes rindo ou contemplando, mas sempre envoltos em pensamentos alegres
e de empatia espiritual. Gratos íamos todos dormir. É um facto que a energia da
gratidão nos leva a uma nova visão das pessoas e das coisas, e permite-nos
ampliar os nossos próprios horizontes.
Atualmente vivemos numa época em que até as coisas positivas e belas são tidas
como perturbadoras. O espírito do tempo quer que, mesmo as coisas bem-sucedidas,
devam ser embrulhadas com uma folha de pensamento crítico ou até negativo. Há
como que um culto contra o belo, contra a harmonia e contra a sintonia; parece
não se querer pessoas gratas.
O pesquisador de gratidão Prof. Dr. Robert A. Emmons de psicologia positiva
confirmou que praticar gratidão e registar coisas pelas quais se é grato
promove saúde, bem-estar e amizade e que a gratidão reduz as emoções venenosas
das pessoas e cria mais felicidade; isto também porque ativa no cérebro as
"hormonas da felicidade" (serotonina e dopamina), que causam uma onda
de bem-estar e alegria e têm um efeito relaxante. Isto também
cria calma, o que leva à criatividade e abre caminhos para dar resposta a
muitas questões da vida (1).
A tristeza depressiva, o medo, a
sensação de ser vítima ou a indignação provocam a libertação de hormonas de
stress (cortisol e adrenalina) no nosso cérebro e leva-nos a um estado de luta
pela sobrevivência. O pessimismo excessivo, é como o frio, encolhe-nos e pode enfraquecer
o nosso sistema imunológico.
A gratidão requer, certamente, sinceridade
e humildade como diretrizes para se tornar mais eficaz e assim poder ativar a sintonia
e a ressonância do amor; ela é mais espiritual que psicológica.
Somos transmissores e preceptores,
como se estivéssemos equipados com antenas, que enviam e recebem sinais eletromagnéticos
e espirituais com uma certa vibração e frequência. Deste modo podemos influenciar o ambiente e
ser influenciados imperceptivelmente por ele.
É significativo e necessário
treinar a nossa consciência (espiritual) de tal forma que a nossa memória
herdada e que funciona inconscientemente em nós, seja reescrita de modo a que o
seu poder seja neutralizado.
O antropólogo Darrell S. Champlin fala da "memória ancestral e
espiritual da consciência que vive fora do corpo". Está provado que mesmo três gerações de
descendentes daqueles que sofreram os horrores do nazismo nos campos de
concentração sofrem hoje de depressão, 78% mais frequentemente do que aqueles
que não sofreram tal trauma. Como é que isto pode ter sobrevivido durante
tantas gerações?
Darrell S. Champlin descreve no
seu livro "The Dream Portal" (2) que eventos positivos, negativos ou
traumáticos já influenciam a vida do bebé no útero, tal como o ambiente
familiar posterior pode determinar a sua percepção da realidade.
A gratidão pode ser experimentada
como uma mistura de desejo de vida e amor que nos leva a uma melhor qualidade
de vida natural e espiritual e geradoras de satisfação. A pessoa grata tem uma
atitude positiva em relação à vida e às pessoas, surgindo nela, por vezes o
impulso de inalar Deus que brilha na natureza e provoca no nosso íntimo um
desejo de abençoar tudo. Este sentimento é como o Sol que ilumina todas as
sombras; tem a magia de preencher até mesmo os pensamentos negativos com
energia positiva e alegria de viver. Mesmo na noite, onde a tristeza, a
negatividade, a raiva e os maus pensamentos insistem em aninhar-se na nossa
consciência, a gratidão funciona como
uma lua que ilumina o nosso caminho na noite. A mim ajuda-me nesse sentido
exercícios de inspiração e expiração em consonância com a energia amorosa
divina e em sintonia com a natureza. Então não há bem nem mal, há apenas a
ressonância energética do amor que tudo inunda. Aí tudo é calor, luz, amor no
sentimento de quem ama não julga.
Viver com gratidão é viver em
empatia numa atitude positiva para com as pessoas e o mundo. Em termos
concretos, isto significa estar em harmonia com Deus e nele com o
universo. Então aceitamos em nós mesmos,
a realidade e as circunstâncias que nos rodeiam; desta forma as energias
negativas, a culpa, o papel de vítima, as más recordações que nos retêm, são
libertadas pelo sentimento de perdão. (Um crente tem a vantagem de ter Deus também
como companheiro e amigo, e embora sinta, por vezes o lado negro da vida, tem
também a vivência de não estar sozinho).
Concluindo
Em Português, quando
nos sentimos gratos, agraciados, dizemos "Obrigado". Esta palavra vem
do latim ("obligare") e significa: "Sinto-me ligado,
responsável, reconhecido, valorizado", diria, em graça.
A gratidão é uma pedra angular de todas as grandes
religiões. Na civilização cristã ocidental, o Natal expressa de maneira
especial a exuberância das pessoas gratas.
A pesquisa moderna confirmou que a gratidão interior tem
o poder de mudar vidas (tal como é veiculado pela espiritualidade). A
transformação dá-se através da mudança de pensamentos e atitudes; neste sentido
o poder da espiritualidade religiosa pode ter mais eficiência do que
estratagemas psicológicos. A energia da gratidão pode também ser usada como um
remédio eficaz contra sentimentos e pensamentos negativos. Estes podem
tornar-se num vírus sempre a zunzunar na mente a ponto de corromperem a própria
pessoa. A gratidão é também um bom remédio contra a insatisfação de querer
sempre mais ou de querer ser mais. É um sentimento de reconhecimento básico, um
crédito pelo que recebemos e a confirmação de que somos interdependentes,
aceitamos e nos aceitamos. Mas também há momentos em que as ideias de gratidão
não penetram o sentimento (3)! Ser grato é
muitas vezes um desafio devido às complicações da vida. Mas a gratidão também pode
ser exercitada e aprendida, contribuindo para aumentar a qualidade de vida;
apesar de um estado momentâneo difícil que se possa ter, podemos continuar a
reconhecer o que se tem. Ao aceitar a nossa própria realidade (circunstâncias),
marginalizamos as energias negativas, a culpa e o sentimento de ser vítima.
O filósofo Francis Bacon dizia: "Não são os felizes
que estão gratos". São os gratos que estão felizes!
© António da
Cunha Duarte Justo
Teólogo e Pedagogo
(Este Texto é o
resumo de uma palestra que fiz na Sociedade Alemã-Indiana)
Notas em Pegadas do Tempo, https://antonio-justo.eu/?p=5758
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