Entre o ventre da terra e o da mulher,
canta-se a vida —
soprada à sombra do pólen errante,
que, guiado por cardeais do desejo,
pousa onde o amor ainda é promessa.
As mulheres —
obreiras do invisível —
acendem o sol em silêncio noturno
e ao amanhecer
despem-se da lua
para dar rosto ao mundo
e corpo a vidas sem rima.
Bailarinos, guerreiros e ninguéns —
sustentam o frágil respirar da sociedade,
como relva sob palcos em festim,
como o vazio que molda o real.
Cada um,
mapa de carvão na pele do tempo,
guia o que a luz não revela.
No elo entre o feminino e o masculino
vive o Eros primordial —
fogo que move o humano,
gérmen de gesto e sentido,
a centelha que acende
o teatro secreto da existência.
A anunciação (1) não é instante,
mas condição primordial:
o ser aberto em chaga viva,
ferido de eternidade.
Maria ainda caminha,
e em seu ventre—
o húmus da terra e o verbo do céu
fundem-se num só ritmo:
sopro de lama e fogo,
gestação do humano no divino.
António da Cunha Duarte Justo
Nota em Pegadas do Tempo: https://antonio-justo.eu/?p=10103
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