A SOCIEDADE PRECISA DE MEDÍOCRES
“A sociedade necessita de medíocres que
não ponham em questão os princípios fundamentais e eles aí estão: dirigem os
países, as grandes empresas, os ministérios, etc. Eu oiço-os falar e pasmo não
haver praticamente um único líder que não seja pateta, um único discurso que não
seja um rol de lugares comuns. Mas os que giram em torno deles não são
melhores. Desconhecemos até os nossos grandes homens: quem leu Camões por
exemplo? Quase ninguém. Quem sabe alguma coisa sobre Afonso de Albuquerque? Mas
todos os dias há paleios cretinos acerca de futebol em quase todos os canais.
Porque não é perigoso. Porque tranquiliza. Os programas de televisão são quase
sempre miseráveis mas é vital que sejam miseráveis. E queremos que as nossas
crianças se tornem adultos miseráveis também, o que para as pessoas em geral
significa responsáveis. Reparem, por exemplo, em Churchill. Quando tudo estava
normal, pacífico, calmo, não o queriam como governante. Nas situações extremas,
quando era necessário um homem corajoso, lúcido, clarividente, imaginativo, iam
a correr buscá-lo. Os homens excepcionais servem apenas para situações
excepcionais, pois são os únicos capazes de as resolverem. Desaparece a
situação excepcional e prescindimos deles. Gostamos dos idiotas porque não nos
colocam em causa. Quanto às pessoas de alto nível a sociedade descobriu uma
forma espantosa de as neutralizar: adoptou-as. Fez de Garrett e Camilo
viscondes, como a Inglaterra adoptou Dickens. E pronto, ei-los na ordem, com
alguns desvios que a gente perdoa porque são assim meio esquisitos, sabes como
ele é, coitado, mas, apesar disso, tem qualidades. Temos medo do novo, do
diferente, do que incomoda o sossego.
A criatividade foi sempre uma ameaça tremenda: e então entronizamos
meios-artistas, meios-cientistas, meios-escritores. Claro que há aqueles
malucos como Picasso ou Miró e necessitamos de os ter no Zoológico do nosso
espírito embora entreguemos o nosso dinheiro a imbecis oportunistas a que
chamamos gestores. E, claro, os gestores gastam mais do que gerem, com o seu
português horrível e a sua habilidade de vendedores ambulantes: Porquê? Porque
nos sossegam. Salazar sossegava. De Gaulle, goste-se dele ou não, inquietava.
Eu faria um único teste aos políticos, aos administradores, a essa gentinha. Um
teste ao seu sentido de humor. Apontem-me um que o tenha. Um só. Uma criatura
sem humor é um ser horrível. Os judeus dizem: os homens falam, Deus ri. E,
lendo o que as pessoas dizem, ri-se de certeza às gargalhadas. E daí não sei.
Voltando à pergunta de Dumas – Porque é que há tantas crianças inteligentes e
tantos adultos estúpidos? Não tenho a certeza de ser um problema de educação
que mais não seja porque os educadores, coitados, não sabem distinguir entre
ensino, aprendizagem e educação. A minha resposta a esta questão é outra. Há muitas
crianças inteligentes e muitos adultos estúpidos, porque perdemos muitas
crianças quando elas começaram a crescer. Por inveja, claro. Mas, sobretudo,
por medo." António Lobo Antunes, In Diálogos Lusófonos
Imaginem que isto não tinha sido dito por quem foi dito!.. Infelizmente uma das
consequências da globalização em direcção ao igualitarismo produz medíocres.
Estes beneficiam o sistema e democraticamente legitimam-no tal como se
legitimam a si mesmos; e isto porque a maioria (de inteligência penteada) é que
determina não só o caminho mas até as "verdades" hodiernas!
António da Cunha Duarte Justo
Pegadas do Tempo, https://antonio-justo.eu/?p=6100
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