A Disciplina de Cidadania reduzida a Aula da "Religião do
Estado"?
António Justo
O secretário de Estado queria não
deixar passar de ano alunos que faltem às aulas de Cidadania por razoes de objetores
de consciência, mesmo quando ensinadas em termos marxistas de ideologia do
género (1).
A tutela da Educação quer
substituir os pais no direito de educar. Com as suas medidas vai contra a
Constituição portuguesa que garante “a liberdade de aprender e de ensinar” e o
direito insubstituível dos pais, ao determinar que “os pais têm o direito e o
dever de educação e manutenção dos filhos” e mais, que o Estado deve “cooperar
com os pais na educação dos filhos”. A
lei fundamental também proíbe o Estado de “programar a educação e a cultura
segundo quaisquer diretrizes filosóficas, estéticas, políticas, ideológicas ou
religiosas”; o artigo 41º da Constituição garante a liberdade de consciência,
de religião e de culto, classificando-as como invioláveis e no número 6 do mesmo artigo consagra o direito à objeção de consciência.
Não é legítimo que um governo,
seja de esquerda ou de direita queira formatar a sociedade segundo a sua
ideologia. Seria um acto retrógrado querer
criar infraestruturas ideológicas que deem sustentabilidade à crença da
esquerda radical mesmo que para tal façam uso do subterfúgio de quererem cumprir
normativas da ONU.
Respeite-se o direito escolar à informação sem usurpar o direito de formar
o cidadão no sentido de uma só ideologia, como se dá na Turquia com o islão ou
em países socialistas. Defenda-se o
valor da diversidade em sociedade. Não é aceitável que uma instituição estatal
se transforme num Olimpo de Deuses e se arrogue o direito da posse da verdade e
da formação (formatação) da opinião. Não é qualquer cidadão que tem a posse
de escolher o Estado onde viver nem o Estado tem o direito de impor qualquer
ideologia ao povo.
A função do Estado é apoiar não
substituir (como bem dizem os bispos). Não está em causa a disciplina, mas a
ideologia do género, a manipulação da sexualidade e a preparação das mentalidades
no sentido de um estado socialista. Ao contrário de um Estado socialista como a
China, em democracia ocidental, o Estado não usurpa para si a tarefa de uma doutrinação
específica.
O direito à informação e ao conhecimento em todas as áreas do saber deveria
ser um bem adquirido. É, porém, de rejeitar a opressão coletiva assumida por
representantes do Estado que, para assumirem o poder total sobre o cidadão,
façam uso do direito obscurantista de manter o monopólio da educação.
No intuito da selecção da
informação os regentes querem também a selecção da formação em nome de valores
mais altos, tal como faziam as elites de regimes passados. Seria cegueira
intelectual e política criticar a união de religião e política do passado e
querer-se hoje substituir a religião pela ideologia (por sua vez implementada
na universidade em cursos servidores e não senhores) em compadrio com o Estado
(o senhorio do regime político).
Em nome da democracia, da
igualdade e da justiça social procura fomentar-se um modelo de educação que crie
um perfil de cidadão ajustado à ideologia política de
características da falhada União Soviética.
A disciplina de Cidadania e Desenvolvimento não pretende instruir, mas sim modelar
caracteres. Para se evitar tal risco é obvio que tal disciplina deva ser
opcional. Também o filósofo Immanuel
Kant argumentava: „O ser humano é aquilo
que a educação faz dele."
Apesar de alguns contributos
positivos que o socialismo trouxe para a sociedade, isto não legitima a
esquerda radical a ter o direito de, através do Ministério da Educação, implementar
uma consciência social de perfil proletário. Isto seria fatal para um país que
deixado o autoritarismo de direita passou, com o 25 de Abril, a ser dominado
pelo autoritarismo de esquerda. (O povo não tem culpa: ontem como hoje não nota nada
devido à informação e educação respetivamente transmitidas!) A matriz de pensamento monolítico cuidada
pelos nossos regimes políticos tem prejudicado Portugal.
É grave e cínico, em nome da liberdade democrática, quer-se um modelo único
de educação em que o debate público se expresse nos moldes do monólogo da
crença marxista como se não houvesse alternativa nem modelos que respeitem e valorizem
a dignidade humana e a diversidade cultural.
O facto de o Estado querer assumir o monopólio de formar o cidadão é já uma
coerção do cidadão abusiva e cínica. Por
isso há uma petição Manifesto “Em defesa das liberdades de educação” para a salvaguarda dos direitos humanos
fundamentais, constitucionais e legais (2) e que quem desejar pode assinar (link
em nota).
O argumento do compromisso assumido por Portugal em acordos internacionais
(3) na área dos direitos humanos torna-se num pretexto ratoeira para impor um
modelo único no seguimento de um regimento centralista de inspiração chinesa e
soviética. O respeito de formas e
valores assumidas em convenções internacionais não implica necessariamente a
educação do cidadão no sentido da filosofia marxista nem sequer no espírito da
revolução cultural maoista.
Pretender tirar-se o direito de
educação de “cada contexto familiar” com o argumento de que só o Estado garante
igual direito à formação por parte de todas as crianças e jovens corresponde a ideologia
comunista declarada contra a Constituição
portuguesa e que os estados resultantes da queda da União Soviética já
superaram.
Deixe-se a liberdade de crença e de educação a cada pessoa e a cada
agregado social. As diferentes
disciplinas do currículo escolar são imensamente diferenciadas e suficientemente
informativas para que o Estado as deva manipular no sentido de uma disciplina
da sua crença política mesmo que esta se queira justificar com o indulto de inclusão;
as aulas de biologia (sexologia) não precisam de ser complementadas por aulas
de ideologia social que se querem (nas intenções da ideologia do género: cultura
contra natura) contra a biologia.
A Defesa da Educação para a
Cidadania, nos termos em que se expressa e querida pelo Ministério da Educação,
é um serviço à censura e como tal ao obscurantismo ideológico.
O cidadão adulto, respeitador dos direitos humanos, da igualdade social e
de oportunidades, não precisa de uma “religião” estatal. Toda a instituição deve estar ao serviço do
cidadão, da pessoa humana e respeitar a sua soberania. É abuso democrático e
prepotência adaptar a matriz política à matriz monopolista, seja ela marxista
ou islâmica.
Cidadãos atentos e críticos não se
deixam reduzir a cães de guarda de qualquer sistema monolítico nem se empenham
na defesa de nenhum cargo ou ideologia, mas para alertar no sentido de as
instituições servirem, todas elas, o humano. Defenda-se uma sociedade natural,
tipo floresta, com diferentes biótopos e em que todas as árvores cresçam
livremente; não seria inteligente fomentar-se uma monocultura tipo eucaliptal que
por muita utilidade que o eucalipto possa ter se passe a transformar a floresta
natural numa floresta só de eucaliptos. Deixemos as árvores viverem em paz nos
seus biótopos naturais!
A educação é como o Sol que
estimula as energias de quem acaricia; o seu melhor fruto é a tolerância no
sentido da ordem e se assim for feito teremos uma sociedade rica, múltipa e
variada à semelhança do reino vegetal do planeta. O melhor estímulo para a boa educação é o exemplo, dos
pais, dos superiores, dos governantes, da sociedade.
Não podemos permitir que o ensino seja pervertido numa educação, à margem do
ser humano e dos sentidos cívico e pedagógico.
Não à globalização da mediocridade apagadora da diversidade e da diferença
que pretende transformar a pessoa (aluno e estudante) num produto formatado e
apto a pensar e agir de forma já não individual-pessoal, mas meramente mecânica
e funcional que em vez de pessoas só precise de técnicos para funcionar.
António da Cunha Duarte Justo
Teólogo e Pedagogo
Notas em “Pegadas do Tempo”, https://antonio-justo.eu/?p=6087
(1)
https://rr.sapo.pt/2020/09/07/pais/d-manuel-clemente-passos-coelho-e-sousa-pinto-juntos-em-manifesto-pela-liberdade-de-educacao/noticia/205371/
(2)
Petição Manifesto
“EM DEFESA DAS LIBERDADES DE EDUCAÇÃO”:
https://peticaopublica.com/mobile/pview.aspx?pi=LiberdadeEducacao
(3)
“Convenção das Nações Unidas sobre a Eliminação de Todas
as Formas de Discriminação Contra as Mulheres, Convenção do Conselho da Europa
para a Prevenção e o Combate à Violência contra as Mulheres e a Violência
Doméstica (Convenção de Istambul), Declaração e Plataforma de Ação de Pequim,
Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável, o Pacto Europeu para a
Igualdade entre Homens e Mulheres 2011 -2020, Compromisso Estratégico para a
Igualdade de Género 2016-2019, Plano de Ação para a Igualdade de Género e
Empoderamento das Mulheres (CPLP 2017-2020), Recomendação CM/Rec(2010)5 do
Comité de Ministros aos Estados-Membros do Conselho da Europa sobre medidas
para o combate à discriminação em razão da orientação sexual ou da identidade
de género”.