A EXORTAÇÃO PÓS-SINODAL “QUERIDA AMAZÓNIA” QUER UMA IGREJA MAIS MISSIONÁRIA
E MENOS CLERICAL
Por António
Justo
A carta de Roma travou as expectativas dos reformadores que punham as esperanças
de renovação da igreja apenas na reforma de funções clericais (celibato frouxo
e ordenação de diaconisas). O
Papa com a sua Exortação “Querida Amazónia” advoga, contrariamente aos
reformistas, uma reforma a partir da base. Para
o papa, certamente que não se trata aqui de masculinizar as funções da mulher,
mas de feminizar a praxis eclesial. Neste sentido o apelo dirige-se às
igrejas locais para que criem mais espaço para as mulheres e deem resposta aos
problemas das pessoas. Quer menos clericalismo e mais leigos em missões de
responsabilidade.
Depois do susto provocado pelo documento
final do Sínodo Amazónico que tinha, por um lado entusiasmado os progressistas e
por outro colocado em estado de alarme os mais conservadores, chega agora a posição
magisterial do Papa no sentido moderado mas aberto; facto é que a exortação, ao
não se referir direitamente aos temas do documento final do sínodo amazónico, relega-os
para uma questão longínqua de moral local.
Num tempo de confusão social em
que os sentimentos epidérmicos e um progresso social forçado têm travado a
capacidade de análise e de reflexão, talvez não venha a despropósito o facto da
Igreja Católica se contrapor ao mainstream da moda e do Zeitgeist que pretende
levar tudo na enxurrada. O atuar da Igreja também não pode ser reduzido a um
estado de consciência europeia temporal.
Nesta exortação sobre o sínodo
dos bispos das amazonas, o Papa Francisco manifesta-se muito mais reservado que
em exortações anteriores; na exortação
“Querida Amazónia” verifica-se que as ondas mais centradas na acentuação da
pastoral (numa igreja de cunho nórdico e da teologia da libertação) são enfraquecidas
em favor da doutrina tradicional (de cunho mais latino). Também Francisco deixa
a entender que a atual consciência eclesial não quer uma igreja católica
protestantizada. Os progressistas que advogavam o fim do celibato e defendiam a
ordenação de mulheres têm de recuar nas suas pretensões.
O melhor sinal disso pode ser
verificado na decisão do Cardeal Marx, um dia antes da Exortação ser publicada. O atual presidente da Comissão Episcopal da
Alemanha, Cardeal Reinhard Marx, que se encontrava à frente dos reformadores na
Alemanha, anunciou a renúncia à sua recandidatura para presidir à Conferência
episcopal; a eleição está prevista para março. Para os reformistas foi um
desengano; na Alemanha o movimento “caminho sinodal” ("Synodale Weg“) do
processo de reforma que tinha como objetivo o relaxe do celibato e a ordenação
de diaconisas perdeu o seu sentido.
Antes da apresentação da
Exortação “Querida amazónia” o Papa já tinha indiretamente manifestado que não
queria a clericalização das mulheres, explicando: „Na minha opinião, lemos a questão feminina e a questão do sacerdócio em
termos funcionais, esquecendo que, em termos de importância, Maria tem um papel
e uma dignidade superior à dos apóstolos" e que “o celibato é uma graça
decisiva que caracteriza a Igreja Católica Latina”.
Além disso, o voto de castidade
também é comum em personalidades com funções noutras religiões, por exemplo no
budismo. O celibato é sinal e
expressão do chamamento que o candidato sente. Abolir o celibato não seria
certamente uma solução como se pode constatar nas igrejas evangélicas onde há
falta de pastores, embora os pastores e as pastoras sejam casados. Importante seria que o celibato fosse
apenas a forma exterior de uma entrega especial a Deus e ao seu povo. Texto completo de “Querida Amazónia”, que se
dirige "ao povo de Deus e a todos os homens de boa vontade “, em nota (1).
O pontífice apela à proteção
ambiental e a um novo impulso missionário e a uma maior responsabilidade para
os leigos nas comunidades eclesiais: adverte que a conservação da natureza não
deve preocupar-se apenas com o meio ambiente, mas também com as pessoas da
região. Francisco denuncia "injustiça e crime" (9-14), ou seja, a
destruição ambiental e a ação impiedosa contra o povo da Amazónia por
"interesses colonizadores" e solicita que se deixem "os pobres
terem uma palavra a dizer". A "colonização pós-moderna" deve ser
combatida, as "raízes" (33-35) devem ser protegidas; condena "a visão
consumista do homem" que tende a "uniformizar as culturas". Cita
poetas entre eles Pablo Neruda: „eles
ajudam-nos a libertar-nos do paradigma tecnocrático e consumista que sufoca a
natureza e nos rouba uma existência verdadeiramente digna".
Rejeita a internacionalização política da amazónia, vendo a solução apenas na
crescente responsabilidade dos governos nacionais. De facto, na amazónia há
muitas ONGS que trabalham no sentido de interesses de potências que desejariam
para si o poder sobre a Amazónia.
No último capítulo adverte que
não se deve desligar a “mensagem social” da missão espiritual e que os povos da
amazónia têm “direito ao anúncio do evangelho”, doutro modo "toda a estrutura
eclesial se tornaria apenas em mais uma ONG".
Apela à inculturação da
espiritualidade cristã nas culturas dos povos indígenas que se devem refletir também
na celebração do serviço litúrgico: "Isto nos permite retomar na liturgia
muitos elementos da intensa experiência da natureza dos povos indígenas e
estimular suas próprias expressões nos cantos, danças, ritos, gestos e
símbolos".
Defende a criação de novos
serviços eclesiais para as mulheres, que devem ser reconhecidos publicamente
pelos Bispos e que envolvam a participação no poder de decisão nas comunidades (criação
de novos "serviços e carismas femininos"). Não faz referência ao documento
conclusivo sinodal editado em outubro 2019, mas convida a que o documento seja
lido na íntegra (isto poderá ser um sinal de que a discussão poderá continuar a
nível regional). Francisco segue a linha
dos papas anteriores limitando-se a convidar à valorização do ministério
diaconal e do serviço das religiosas, leigos e leigas, pedindo
novas formas de liderança e mais missionários.
© António da
Cunha Duarte Justo
Teólogo
In Pegadas do
tempo, https://antonio-justo.eu/?p=5803
(1)
Texto completo de Querida
Amazónia: http://www.vatican.va/content/francesco/pt/apost_exhortations/documents/papa-francesco_esortazione-ap_20200202_querida-amazonia.html
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