Culpabilização da Cultura ocidental na Agenda do Mainstream
Por António
Justo
Depois da II Grande-guerra, as
forças de ocupação aliadas implementaram programas de reeducação dos alemães,
para fomentarem no povo vencido o sentimento de culpa da guerra. Esta pressão mediática ainda a senti como
estudante estrangeiro nos anos 70 (e posteriormente também) ao verificar que as
TVs e outros meios de comunicação social, todos os dias, falavam das tiranias
nazis na guerra; também as aulas de
História se transformavam, por vezes, em pedagogia educativa tematizando
sobretudo a desumanidade da guerra e do nacional-socialismo de Hitler.
Perante tal insistência mediática cheguei
a ter a impressão que os alemães tinham medo deles mesmos. (Não sou contra
o cultivo da memória histórica como meio de aprendizagem e de aferimento do
presente, o problema está em encontrar uma via justa do meio termo sem que se
chegue a instrumentalizar nem a História nem as pessoas). Facto é que o
programa de reeducação dos alemães levou a Europa à cultura da culpa histórica.
O complexo de culpa alemã e a escola de Frankfurt contribuíram para o
fomento da culpabilização do passado europeu. Na ordem do dia
político-social ocidental revelam-se como temas prediletos, o colonialismo
europeu, a escravidão europeia e outros males que questionem as próprias raízes
Históricas; isto nem daria nas vistas se estes problemas não fossem tratados
unilateralmente como problema específico da cultura ocidental; o pensar
politicamente correto investe assim no seu rendoso negócio com a culpa moral e
política. Sabe que uma vez instalada a dúvida, esta castiga. Nota-se que a
agenda política internacional de fomento da cultura marxista anti-ocidente tem
grandes cabeças ao seu serviço conscientes que a nível social se torna muito mais
eficiente mover a emocionalidade das populações do que usar a racionalidade.
No âmbito das nações unidas e de organizações internacionais segue-se a
agenda de contrapor o remorso, a
vergonha e a culpa às grandes aquisições da cultura ocidental.
É próprio da
lógica do poder não aceitar as próprias sombras que combate nos outros! Se
assumissem o bem e o mal, também em si, tornar-se-ia mais moderados e
fomentadores da paz.
Também em Portugal se quer instalar um ensino da História penitenciada,
(1) com acentuação no negativo da
História e que favoreça o aspeto rebelde de ativistas, aquilo a que chamam as
“questões socialmente vivas”( a escravatura); querem ver manipulada neste sentido a nova disciplina de História, Culturas e
Democracia, do 12º ano. Querem uma interpretação da História
que os legitime e sirva. Servem-se das universidades e da política para melhor
colonizarem o pensamento ocidental para, sub-repticiamente, se irem tornando
nos donos disto tudo.
Há que impor a emocionalidade
contra a racionalidade na formação dos alunos passando os acusadores da
História a fazer o seu negócio. Por outro lado, a culpa, desde que reconhecida,
não legitima ninguém (o outro) a usá-la como crédito de autoafirmação perante o
concorrente ou como justificação moral perante o outro. A culpabilização impede
a expiação da culpa assumida sob a forma de responsabilidade.
De facto, para criarem no povo uma responsabilidade coletiva alemã,
identificaram os nacional-socialistas com o povo alemão. Porém, uma coisa é a culpa real e
outra, os sentimentos de culpa criados.
A culpa coletiva não pode ser assumida individualmente porque é atribuída ao
grupo pelo facto de se ser membro dele (um mero assumir de responsabilidade por
algo exterior ao próprio). No fundo, a questão da culpa coletiva alemã
reduz-se a um assunto de perguntas sem respostas. Foram criados sentimentos de culpa nos
vindouros alemães por uma culpa pessoalmente não cometida: isto pode originar reações
precisamente no sentido oposto. Em
questões de ética poder-se-ia aqui distinguir entre uma culpa moral e uma
responsabilidade política; a culpa moral é decidida pela consciência. Que a
Alemanha, por uma questão de responsabilidade coletiva histórica esteja “do lado de Israel” é muito natural, mas, que seja usada como refém
no discurso político devido a uma culpa herdada, não é justo; isso deveria
pertencer a padrões de pensamento autoritários já ultrapassados.
É verdade que, como diz o
presidente alemão, "Os criminosos eram pessoas. Eles eram Alemães!" ,
ou melhor pessoas alemãs; um discurso que pretenda tornar-nos imunes contra o
mal terá que reconhecê-lo individualmente em cada um de nós, como pessoas e não
como membros de um Estado. Há que distinguir um discurso político e do poder,
de um discurso ético individual. De
facto, o segredo da salvação está na memória (por isso a igreja católica
celebra no ritual da eucaristia a memória) mas o cultivo da memória não pode
ser apenas aproveitado para gerir a história, mas principalmente para
implementar a reconciliação. De resto, o mal e o bem são constantes, quer
individualmente quer socialmente.
Os nazistas procuraram desumanizar os judeus atribuindo-lhes números
(Tatuagem) em vez do nome e hoje corre-se o perigo de se desumanizarem grupos
(os concorrentes da praça pública). Não é legítimo que os moralistas
dos opostos partidários agitem o
povo na praça pública com a chibata da própria ética como se fossem os cães de
guarda de um rebanho que politicamente lhes pertencesse.
A solução antecipada em “Crime e Castigo”
O Romance “Crime e Castigo"
de Dostoievski é um ponto alto da literatura mundial
que li aos 18 anos e me ficou gravado na memória como uma parábola da vida. Por
muito diferentes que sejam os caminhos que percorremos sempre nos deparamos com
a realidade que Dostoievski tão bem soube descrever num género mítico
universal.
Os pensamentos iluministas, que legitimaram a ação assassina do protagonista
do romance Raskolnikow, não contaram com a consciência russa que o perseguiria,
depois do ato sangrento. Para ajudar
sua mãe pobre e para ter dinheiro para financiar os próprios estudos,
Raskolnikow deixou-se levar pelo ódio e matou a penhorista usurária no
sentimento de que com o seu assassínio vingava a injustiça que grassava em
Petersburgo. O inicialmente socialista Raskolnikow fazia parte dos que queriam
importar o ateísmo e o racionalismo Iluminista europeu para a Rússia. Ele
assassina a mulher em nome da razão e do progresso.
Contudo, a sua consciência russa cristã permanece
indelével nele sobrevivendo à ideologia materialista racionalista; finalmente,
no cativeiro, reconheceu a humanidade do cristianismo que leva a sério o Homem
todo.
A brutalidade cria desespero e
frieza de coração no herói
do romance. A prostituta Sonja que se
prostituiu para alimentar a família, representa a miséria social de Petersburgo
(é interessante ver como Raskolnikow, perante a injustiça social, se torna
cúmplice com a injustiça usando também ele da violência como meio de a
vingar e, por outro lado, Sonja (a alma
russa) assume as consequências da injustiça em si mesma ao adotar o papel de
prostituta para saldar a injustiça de que ela e a família eram vítimas). É
encantador ver como o companheiro de Sonja, no cativeiro, vai aprendendo a
questionar o seu comportamento agressivo (a ideologia) e a sentir a necessidade
de mudança. Já o matemático e físico Blaise Pascal constatava: “O coração tem
razões que a própria razão desconhece”.
É fantástico verificar como Dostoievski, em “Crime e Castigo” equaciona,
nos dois protagonistas (Raskolnikow e Sonja), o problema da injustiça e da
culpa e também a questão entre a ideologia modernista (estrangeira) e a
mentalidade russa cristã. A
condição para se perdoar a si e aos outros pressupõe a consciência de que somos
falíveis (virtude da humildade).
Consequentemente, Raskolnikow escolhe Sonja para lhe revelar o segredo do
seu assassínio e ela ensina-lhe o caminho não só da confissão da culpa, mas
sobretudo do reconhecimento dela para, assim se poder libertar da culpa. Por
fim, no cativeiro, Raskolnikow e Sonja aprendem a amar-se e casam-se; deste
modo Dostoievski resolve a questão da culpa e da expiação, de modo sublime,
advogando para tal o espírito cristão.
O pecado
original da humanidade (espécie de culpa coletiva) no pensamento cristão
implica o assumir-se como pessoa portadora de bem e de mal. De facto, o mal
moral não pode ser reduzido apenas a uma deficiência da matéria, mas sobretudo a
uma desordem na liberdade humana (como defende a doutrina); a pessoa na
qualidade de ser membro do género humano que também é pecador, assume-a também,
mas na consciência de que já se encontra remida por Cristo. Um resto de culpa
individual assumida é saldada através de expiação-penitência-perdão na
plataforma da graça de Deus (redenção e remissão). A expiação e
o perdão andam juntos; o arrependimento, no sentido católico, também paga o
débito originado pela culpa. O reconhecimento prepara a mudança de atitude
porque a ideia leva à ação
.
A velha luta continua
A ideologia atualmente predominante de caracter iluminista materialista
(socialismo radical) procura materializar a culpa histórica da Europa de
maneira a poder tornar
refém a atual cultura ocidental e instrumentaliza-la para
implementar uma cultura ideológica própria!
Como filhos de um iluminismo exacerbado dão prioridade à lógica do poder
como substituto dos princípios éticos.
A Alemanha é certamente o país
que historicamente mais se penitenciou pelas barbaridades nela cometidas
durante as guerras mundiais e em especial pelos crimes do regime de Hitler.
Assim, muita gente de ânimo leve
interessada no derrotismo e para agradar procura esconder o próprio complexo de
culpa, optando por temas de tensão colocando,
para isso, na ordem do dia, assuntos culpabilizantes, como nazismo,
islamofobia, escravatura, colonialismo, inquisição; temas do género são depois
exageradamente papagueados por multiplicadores da política e do jornalismo no
estilo de Pilatos; deste modo impede-se uma abordagem racional dos factos.
Em alguns meios sociais da
Alemanha, após o nazismo, propagou-se um certo masoquismo (auto-castigo) que
levou muitos alemães a satisfazer o seu complexo de culpa na negação da própria
nacionalidade (ter vergonha de ser alemão!).
Este sentimento de culpa
penhorado tem sido aproveitado para fomentar uma consciência europeia de
cultura culpada; a ser sempre confrontada com o medo e a insegurança no
horizonte de culpa nevoeirenta que não deixa ver o sol nem o amanhecer em si e
o leva a procura-lo fora ou a viver na dúvida.
A Subtileza da Argumentação culpabilizante
Uma Europa complexada pelas maiores
barbaridades da História europeia (Estalinismo e Nazismo) facilmente se tornou
refém da culpa e dos que entenderam fazer dela o seu negócio. Os ativistas internacionalistas reduziram a
culpa à Alemanha capitalista e deste modo conseguiram alargar o sentimento de
culpa a todas as nações da Europa (consideradas imperialistas e capitalistas),
como se um problema alemão fosse necessariamente o problema europeu. De facto, uma vez confinado o delinquente,
torna-se fácil à ideologia marxista a demarcação da sociedade num mundo dos
bons e inocentes, no mundo dos maus, os outros!
Cria-se uma lógica da culpa, um
ciclo vicioso que dá razão a quem culpabiliza. O poder da lavagem cerebral
social parece até atingir cérebros pacatos que passam a argumentar que os males
que outros cometem são justificados porque nós já fizemos o mesmo ou até pior. Há-os que consideram a invasão islâmica
como um castigo merecido e aceite como expiação dos pecados da Europa na
História; outros mais
positivos constatam que uma Europa habituada a superar crises também superará
as crises atuais.
O pensar politicamente correto
fala da culpa dos outros como se a Europa não fosse todos nós; cria-se um
discurso destrutivo – de ativistas ilibados - que fomentam uma Europa de
cultura dividida numa Europa dos bons e numa Europa dos maus.
Seria um absurdo tornar a cultura
europeia no bode expiatório da má conduta doutros povos, mesmo pelo facto de
muitos carenciados se refugiarem nela; mas para que a política não seja atestada
de culpada então terá de passar a investir no desenvolvimento económico desses
países porque o desenvolvimento de um povo não depende de apelos morais. Tanto
o capitalismo exacerbado como o socialismo marxista são o problema e não a
solução.
A ideologia racionalista não tem
problema em matar em nome da razão e do progresso; como não acredita no Homem
aposta na troica de um Estado marxista reduzida a uma luta de interesses por
interesses. Por isso no romance “Crime e Castigo” a solução não vem do iluminismo
nem do socialismo que o protagonista primeiramente advogava como meio de acabar
com a miséria.
Uma viragem histórica responsável
virá do ressurgimento moral individual que um dia atingirá os lugares altos da
sociedade. Dostoievski acreditava que
somente o cristianismo, levava o Homem a sério em todas as suas dimensões e,
como tal, podia salvar a Europa da raiva cega do pensamento racionalista,
económico e nacionalista.
O velho nacionalismo jacobino e o
materialismo iluminista encontram-se hoje expressos em ideologias do bota
abaixo e no comportamento de muitos ativistas sociais. Com a sua contínua luta e protesto pela vida, negam a própria vida. No dizer do cabaretista Kindler
"As emoções negativas são a força motriz do movimento".
© António da
Cunha Duarte Justo
Teólogo
In “Pegadas do Tempo”, https://antonio-justo.eu/?p=5797
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