Uma paz de terceira classe para a Síria já que outra é impossível
António Justo
No jogo de interesses de conflitos internacionais e nacionais e na consequente
expressão mediática, a formação de uma opinião pública objectiva em questões
complexas, torna-se irrelevante. Mais que a realidade factual ou apresentada
como tal, interessa a discussão opiniosa coxa do “a favor” ou do “contra”, dando-se
prevalência à emoção, sem interesse pela fundamentação do discutido. Assim
passa-se a ter a verdade/mentira de Washington, a verdade/mentira de Moscovo, a
verdade/mentira de Londres Paris, a verdade mentirosa da esquerda e da direita.
Passamos
a ter perspectivas dos factos sem chegarmos ao conhecimento de uma realidade
factual; mas, o que se torna estranho é que cada parte se satisfaz e vive da
convicção emocional de possuir a verdade toda. Poderíamos chamar a este
fenómeno, a realidade da opinião certa num Estado de verdade democrática. Este
tipo de opinião é fraco, porque prescinde de argumentação e provas para se
satisfazer com imagens, que pelo seu caracter visual real, dão a impressão de
serem verdade, porque ordenadas num certo contexto.
No caso da Síria, terão sido usados gases venenosos: pelos rebeldes ou
pelos do regime de Assad? A força da verdade-mentira dependerá dos interesses mais
fortes e do lado geográfico em que se encontra o opinante, até que de indícios
de culpabilidade se tornem provas. Neste caso será conveniente para as partes
nunca se vir a ter a certeza; a dúvida ajuda os mais espertos.
Um acusado, num estado de direito, deve ser considerado inocente até que
seja provada a acusação feita. Só depois vem o castigo. O Ministério Público (o
queixoso) tem de provar a culpa do acusado. No caso da Síria optou-se pelo ataque
e só depois deve vir a hora da diplomacia!
Na Síria não se esperou pelo resultado dos inspectores das NU. Primeiro
veio o bombardeio e depois segue-se a inspecção. Torna-se enganador o facto de os
acusadores exigirem da Síria que contribua para o esclarecimento.
A imprensa mais séria não fala do ataque de gás venenoso, fala sim do “suposto
ataque de gás venenoso”.
A paz mundial é posta em causa com base em suposições, em vez de se
investigarem os casos cabalmente; em guerra, os partidos conflituosos estão
interessados em criar impressões que os beneficiem. O ministro de defesa dos USA
dizia, há pouco, que crê num ataque de gás venenoso, mas não há nenhuma prova.
O povo deixa-se levar por conjecturas e a política não tem sentido de
responsabilidade política para com os cidadãos.
Duma é uma fortaleza
do fundamentalismo islâmico que é confundido com rebeldes; a reconquista do Leste
de Ghuta, tal como de Monsul e Alepo foram festejadas pela população como
libertação.
Uma política bem-intencionada e realista
pressuporia uma solução conjunta em que a EU, os EUA, a Rússia e Assad
colaborassem à mesma mesa para se possibilitar uma paz que não seria possível
no apoio aos rebeldes. Nesse sentido seria preciso mais política real e menos
ideologia. A paz total é impossível devido aos interesses rivais também dos
grupos muçulmanos no país e da luta dos sunitas e dos xiitas pela hegemonia na
região.
Será preciso apostar numa paz de terceira classe
já que o óptimo é inimigo do bom. Porque não deixar Assad no poder com o povo
que o apoia e possibilitar mais bem-estar para a Síria, embora com alguns
sobressaltos para os rebeldes em vez de fomentar a guerra civil, de fora.
António da Cunha Duarte Justo
Pegadas do Tempo,
http://antonio-justo.eu/?p=4756
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