PORTUGAL INVESTE MAIS ENERGIA NA IDEOLOGIA DO QUE NA ECONOMIA
Por António Justo
Em discussão sobre o ensino,
Francisco Seixas da Costa defende que “ o ensino público obrigatório seja
laico e naturalmente, gratuito” e faz a confissão de que “Entregar crianças
que, por lei, deveriam ter um ensino laico a escolas que observam rituais
religiosos (católicos ou outros) configura um grave infringimento de uma
importante liberdade constitucional, um dos fundamentos basilares da ética
republicana”. O senhor Embaixador certamente já se deu conta de eventos e
comemorações do Estado laico, muito inocentes, que correspondem a verdadeiros
ritos (actos “religiosos” laicos) que podem ser entendidos como festas de
ideologias que até se transformam em ritos de endoutrinação.
Os prosélitos da “ética
republicana” declaram a Constituição de crença laica em contraposição com o
mundo religioso como se a crença laica não fosse, também ela, uma crença e como
se ela não sofresse de particularidades e de uma mundivisão própria e outras
éticas não tivessem uma concepção de homem e sociedade de visão universal.
Ensino obrigatório sim, mas que o
ensino tenha de ser laico, corresponde a fazer prevalecer a confissão
ideológica laica sobre outras, num país em que a república e a laicidade se
definem em termos de racionalismo, materialismo e esquerdismo.
Muitas pessoas meteriam os seus filhos no Ensino Público se este fosse isento,
independentemente da sua matriz constitucional de esquerda. As escolas do
estado em 2016 recebem 105.800€ por turma e as escolas com contratos-associação
recebem 80.500€.
O estado laico não é eunuco, não é virgem, nem é
isento; o povo que o legitima é formado por cidadãos de crença religiosa, de
crença laica, de crença agnóstica, de crença ateia e de crença ideológica de
direita e de esquerda. O
Estado, em vez de disponibilizar um ensino estatal independente e neutro quer
ver nas suas escolas um ensino de matriz de confissão laica. A escola do
estado não é isenta como pude observar em muitos anos de professor do ensino
público. República significa coisa pública, coisa de todos e, como tal, não é
compreensível que a ideologia de Abril determine a influência ideológica do
ensino, apelando para a Constituição tal como na política do ensino no regime
de Salazar.
Neste texto darei a impressão de colocar o primado da liberdade individual
sobre a comunidade, embora esteja convencido de que a liberdade só acontece na
relação interpessoal criadora de comunidade: uma comunidade educativa em que
professores e alunos são sujeitos aprendizes.
Com a pressuposta “ética republicana”, o senhor embaixador considerada tal
moral como algo absoluto, um puré obrigatório e como tal subsidiado desde que
mastigado pela boca do Estado. Quem tiver dentes ou quiser outros a mastigar o
seu puré que recorram ao ensino privado secular e ao ensino privado religioso
mas pagando tudo do próprio bolso.
A tal ética republicana quer ver reservado para ela o privilégio de ser
financiada por todo o cidadão. Isto é discriminação obrigando a ideologia
republicana a ser privilegiada, e assim a ver a sua ideologia considerada
pública e como tal com o direito (só ela) aos dinheiros públicos. Identificam a
sua ética republicana com uma filosofia ética de Estado à imagem das caducas
repúblicas comunistas que vendem como universal e pública a sua ideologia de
pensar oficial. Um esquema de pensamento e de monopólio para a república equivalente
ao que criticam nos antigos estados monárquicos.
A chefe de governo Margaret Thatcher já constatava: “Jamais esqueçam que
não existe dinheiro público. Todo o dinheiro arrecadado pelo governo é tirado
do orçamento doméstico, da mesa das famílias”.
O senhor embaixador anda mal
informado sobre as escolas católicas; há escolas cristãs que até têm espaço
para oração para muçulmanos. Conheço indianos que frequentaram escolas
católicas até na Índia e continuaram Hindus. As escolas católicas têm fama e
por isso são procuradas por hindus, muçulmanos; até socialistas não fanáticos
inscrevem seus filhos nelas porque sabem que são respeitados na sua ideologia, outros
preferem ensino privado secular de acordo com a sua coloração ideológica.
Testemunho pessoal
Eu próprio, fui professor de uma
escola privada católica em Lisboa e tinha um dos melhores alunos de fé judia e
quando ele atingiu os doze anos até fui convidado para a sua festa Bar Mitzvá
na sinagoga de Lisboa; no colégio católico ninguém era obrigado a frequentar a
missa; também o ano escolar era aberto com uma missa mas ninguém era
controlado. Nas escolas católicas que conheço não há endoutrinação, ou, quando
muito tanta como nas escolas públicas: o que há é uma visão integral da pessoa
que não se deixa reduzir a uma ideologia. A comunidade educativa e o seu regulamento
concreto interno são regrados pelo estatuto da escola e pelos representantes de
pais, de professores e de alunos.
Conheço escolas com contrato, uma delas que conheço sob responsabilidade da
Igreja e ela consegue, dado ser apoiada, promover os filhos dos pobres ao mesmo
nível que são promovidos os “filhos de papá e mamã”!
Conheço também ensino privado nas mãos dos salesianos, de alta qualidade
para filhos de pobres, ricos e ciganos. Muitos salesianos ensinam ao lado de
outros professores nas suas escolas sem reterem para eles o fruto do seu
trabalho; são pessoas cristãs humanistas não inquinadas pelo preconceito. Eu
mesmo cheguei a dar aulas em duas escolas dos salesianos, nunca me veio sequer
à cabeça se o aluno era pobre ou rico cristão ou não cristão; trabalhava 27
horas lectivas por semana, enquanto os colegas de fora, não salesianos
leccionavam o horário oficial de 22 tempos lectivos. Aos fins de semana
dedicava-me ao trabalho pastoral. Muita criança pobre conseguia aqui uma
educação integral e esmerada tal como outros que podiam pagar. Havia um ensino de excelência para todos!
O que os salesianos poupavam vivendo numa comunidade (verdadeiro comunismo) era
investido em favor dos alunos. Devido a muitas experiências que tive de
crianças abandonadas e até filhas de prostitutas que através dos salesianos
conseguiram estudar e depois seguir estudos tecnológicos e universitários e
alcançar uma vida integrada na sociedade, sou, por experiência positiva um
defensor do ensino privado católico. Além disso sou defensor da liberdade desde
que ela reverta em favor da do indivíduo e da comunidade no respeito recíproco.
O grande problema hoje é a desorientação humana, o capitalismo
liberal e o relativismo. Pena é que a esquerda radical seja sempre contra a
igreja católica e em todo o lugar em que se encontra siga uma luta estratégica
contra ela, sob o principal motor da maçonaria; isto obriga à perda de tempo e
energia na defesa da parte quando as energias seriam mais bem empregues num
esforço de colaboração e complementação ao serviço do aluno ao serviço do todo.
Tenho três filhos que
frequentaram escolas cristãs e escolas do estado e tenho um que frequentou só
escolas do estado. O Estado alemão subsidia a Escola privada, embora também
ele seja republicano; na Alemanha, em geral, a República orienta-se mais
pelo bem comum, pela economia e pela cultura com uma forma de estar plural e
não tão dependente de uma ideologia tão vincada e jacobina, nem tão proferida publicamente;
não está dependente da ideologia republicana de tipo francês, ao contrário do
que acontece com Portugal com elites influentes copiadoras e servidoras das
ideologias republicanas de matriz francesa.
Embora muito consciente de todas
as formas de ensino, estou contente com o ensino público do Estado e com o do
Privado. O ensino privado coloca mais importância no desenvolvimento da
personalidade individual e no respeito pelas suas potencialidades. Na Alemanha,
devido ao cofinanciamento do ensino privado as escolas privadas são mais
baratas que em Portugal. E por isso mais acessíveis à camada social
desprotegida.
O ensino católico como o de todas
as instituições terá também defeitos mas a imagem de catolicismo que a esquerda
radical parece ter, parece sofrer da conotação republicana de cunho maçónico
dos inícios da república e julga, predominantemente com pressupostos escuros,
tudo o que é católico; naturalmente parece tratar-se aqui de um ressentimento
recíproco que foi semeado por Marquês de Pombal e estruturado na República. Há
que abraçar-nos para que o povo não continue a pagar as favas pela falta de
entendimento e de compreensão.
Absolutismo da
Matriz ideológica republicana?
Seria interessante se o senhor
embaixador definisse o que entende por “ética republicana”... Porque há-de ser
a ética republicana superior a outras éticas onde a liberdade e o respeito pela
pessoa e a solidariedade social não são apenas teoria? Porque há-de a matriz republicana e dos grupos que se apoderam do
Estado, ter o privilégio de impor a sua confissão/matriz como doutrina
sub-reptícia de Estado e vê-la reconhecida como monopólio privilegiado e
subsidiado pela nação e financiada pelo Estado? O Estado laico terá de ser
mais isento, mais qualitativo, menos ideológico para melhor servir todo o
cidadão na qualidade de pessoa e de grupos e assim as pessoas não se virem
obrigadas a terem de tirar os filhos das suas escolas.
A constituição religiosa católica
defende o direito à liberdade religiosa e ao respeito por toda a pessoa, e isto é praticado;
excepções sempre haverá, tal como há escolas do Estado em que a ideologia de
esquerda é mais vincada que noutras. Não conheço ensino religioso nas
escolas por onde passei (não vivemos nas arábias!), conheci sim o ensino
científico acompanhado de aulas de moral e religião e nas escolas católicas não
há missionação nem proselitismo ao contrário do que acontece nesta nossa
discussão.
A lógica de “ética republicana”
apresentada conduz a um beco sem saída; porque no seu entender deveriam seguir
todos a ética republicana, como se essa fosse o Corão republicano para toda a
nação. Ao cidadão basta-lhe a Constituição, passível de muitas interpretações,
embora a Constituição portuguesa tenha ainda muitos ressaibos
ideológicos.
A Dúvida conduz
à Controvérsia e a Controvérsia ao Desenvolvimento
Os guardiões do republicanismo
determinam o pulsar do coração da república (à
semelhança do que a religião fazia na governação régia), pensam não
precisarem de se justificar – pensam-se República e querem a república a pensar
como eles, querem como monopólio a sua “ética republicana” de que abusam,
chegando a exigir até que os outros se justifiquem do que acham injustificável.
São tão categóricos que consideram esforço perdido quem defende outras
posições. Mas justificar o quê e perante quem? Haverá alguém em posse da verdade?
A verdade não se pensa, nem se tem, a verdade acontece, ela é povo!
Será que quem já tem acesso ao
cofre já pode descansar dando-se ao luxo de abdicar da dúvida? A
dúvida bem fundamentada já se encontra no apóstolo Tomé e é um elemento
importante da crença cristã, que possibilitou em grande parte o desenvolvimento
da civilização ocidental.
Muitos não querem compreender que
Portugal é cada um de nós, seja de crença ateia ou de crença religiosa, de
esquerda ou de direita; são
todos filhos de Deus e todos queridos por Ele, diria um cristão que se encontre
nas pegadas de Cristo. Uma sociedade com futuro integra todos os cidadãos – o
cidadão é o rei - e preocupa-se mais em consumir menos do que produz.
O direito e o dever de aprender é um imperativo natural em todos os Estados
civilizados e consequentemente a existência de uma rede pública. Em Portugal,
quando só havia a quarta classe como ensino obrigatório já na Alemanha havia,
duas gerações atrás, a obrigatoriedade de frequência do 7° ano.
Também hoje o Estado alemão apoia medidas especiais em faculdades de elite
para assim poder manter-se à altura da concorrência técnica e do saber a nível
internacional. Um certo Portugal produziu uma certa elite que vive bem
encostada ao Estado e a uma ideologia republicana antiquada; por isso a
economia portuguesa se mostra sempre carente num Estado habituado a viver à mama
das remessas emigrantes, do estrangulamento dos investidores pequenos e médios
e da mão estendida ao estrangeiro. Temos uma consciência ideológica de clube e não uma consciência de sermos
um país orgânico baseado na produção e contributo e da solidariedade da
diversidade de cada cidadão e de cada grupo social.
Persistimos em ser um povo moderno e aberto para inglês ver, com muitos a
viver do cantar da cigarra e de lógicas interessadas na defesa da própria
cerca! Falta-nos a normalidade do viver porque habituados a ser levados pelo
cantar doentio de intelectuais e políticos que perderam o sentido da realidade,
do país e da natureza em que vivem!
Creio que, infelizmente, a nossa maior doença, como povo e como elites,
é a de vivermos virados para o próprio umbigo! O mundo não começa nem acaba
em Portugal , não começa nem acaba numa ideologia. Para não atraiçoarmos
Portugal e a lusitanidade temos de voltar ao universalismo e humanismo
universal que caracterizava a Escola de Sagres" de um Dom Henrique, de um
Vasco da Gama e de um Camões que partilhavam ainda de uma visão cultural
universal e de um saber de experiência feito. Portugal não terá hipótese de se
desenvolver enquanto a elite política confundir a maneira de estar europeia com
a francesa.
O mesmo Estado que se diz laico
em relação ao catolicismo subsidia a construção da Mesquita muçulmana em Lisboa
e pelos vistos com milhões de euros! Também aqui o nosso Estado laico se mostra
interesseiro. A esquerda é a favor da subvenção da Mesquita porque
indirectamente subsidia a própria ideologia dado a antropologia muçulmana e o
método de governar andar muito perto do ideário maçónico e socialista marxista:
quem vale é a doutrina e o grupo de interesse, a pessoa é apenas meio para se
atingir um fim! Isto constitui, a longo prazo, um tiro no pé da própria
laicidade. Quanto
à Mesquita a construir na Mouraria quem deveria negociar seria o grupo
muçulmano e o proprietário do terreno.
A escola portuguesa tem produzido
muita gente de intelectualidade convencida e ideólogos demasiado finos e altos
para poderem descer à realidade do dia-a-dia, num sistema estatal paternalista
favorecedor de parasitas; continua a viver da ideia dos novos-ricos dos
descobrimentos habituados a viver dos trabalhadores manuais alheios, mas que,
no fundo, desprezam por o trabalho sujar as mãos. Por isso Portugal alimenta
predominantemente uma elite ideológica de partidários quando precisaria de uma
elite económica e de uma elite intelectual não encostada a uma só ideologia.
Portugal – um país com um povo de grandes potencialidades – é assim obrigado a
marcar passo porque as energias do discurso se esgotam em lutas ideológicas
longe dos interesses concretos de uma nação que para ser adulta teria de ser
reconciliada e viver menos da cantiga e do fazer para inglês ver!.
A geração que parece ser
promissora de futuro não se orientará tanto pelo espírito de alternativas mas
sim pelo espírito de complementaridades e de inclusão.
António da
Cunha Duarte Justo
Pegadas do Tempo
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