DEPOIMENTO
ihs
Paróquia do Monte de Caparica, 12.3.2023:
“As falácias não se tornam menos falácias porque se tornaram modas.”
“Imparcialidade é um nome pomposo para a indiferença, que é um nome elegante para a ignorância.”
Chesterton
1º
Ponto de partida:
Escrevo
mandatado pelo meu compromisso com a Fé católica — e por isso com o
mundo, a quem sou enviado a “Anunciar”. Acredito, na Verdade, por isso
falo, procurando a Verdade.
Impõe-se-me
a convicção de que não posso deixar de dizer. Com fé. Portanto, também
com autenticidade e clareza. Bem sei que “nem a minha pregação nem a
minha vida estão à altura da missão que desempenho” (S. Gregório Magno).
2º
Não fujo:
existem
vítimas de toda esta abominável história de abuso de menores. Há que
dar-lhes o melhor e o devido apoio. Quanto me é possível, tenho
participado concretamente, nesse dever da comunidade eclesial.
Obviamente, a Igreja deverá colocar todos os seus recursos, humanos e
espirituais, na luta contra esta miséria. Para um cristão não poderá
haver qualquer hesitação nesta matéria.
Já não assim para o extremismo de esquerda e o esteticismo vanguardista. Os exemplos abundam.
À distância de um click descortinar políticos, jornalistas, escritores, artistas, promotores da pedofilia.
3º
A
Igreja não pode cessar de se purificar. Entrou numa demorada Quaresma
da qual não poderá sair quando este tema deixar a pressão mediática.
Purificar é uma expressão de sabor evangélico.
4º
Mas
“purificar” não significa, de modo algum, conformar-se aos ditados da
comunicação social e à pressão da opinião publicada. Repudio o
“travestimento” face ao mundo, que se julga dono da boa doutrina para a
Igreja! Com efeito, ajustar contas com a Doutrina e a Tradição não é
“purificar”.
Todavia,
eis que não poucos espreitam a ocasião de pôr tudo em questão: a verdade
objectiva; os sacramentos celebrados no vínculo do discipulado; o
celibato associado ao sacerdócio e reservado aos homens — como amigos do
Esposo, que O seguem e Lhe entregam toda a sua humanidade. Portanto,
também a inteireza do seu corpo —; o casamento entre homem e mulher; a
eutanásia — aí estão os temas perante os quais a pulsão “purista”
pretende conformar tudo, face aos ditados do mundo.
5º
Lobos ideologicamente treinados, colocados nos melhores lugares do anfiteatro
eclesial,
têm espalhado a confusão. Refiro-me, àqueles que são Poder e não abrem a
boca sem projectar no Sacerdócio a sua ambição de Poder. Vejam-se os
bons exemplos, de péssimos exemplos, vindos da Alemanha: os abusos
sexuais percebidos como a prova de que é necessário “adaptar o
‘movimento religioso’ iniciado por Cristo” (Lamentabili, 59). Doutores
plásticos face às novas exigências da sociologia e da psicologia.
Pugnadores da doutrina e da pastoral decididas a votos. São os mesmos,
aliás, que tentam capturar a intuição veneranda do Sínodo reduzindo-o a
astúcias partidárias.
6º
Baudrillard
distinguiu conceitos relevantes neste contexto: “Dissimular é fingir
não ter o que ainda se tem. Simular é fingir ter o que não se tem.”
Dentro da Igreja, há quem dissimule não ter poder nenhum. Excepto —
repito — o de publicar nos grandes jornais e possuir jornais online, e
ser aqui e ali convidado para a Corte. Ou melhor, para a TV. São quem
domina a agenda eclesial. Simulam, também, docilidade ao Evangelho
quando o que se ouve é apenas mundo e tudo o que o mundo projecta sobre a
Igreja. Reconhecem-se nesses que têm que começar os seus discursos com
actos de fé “eu que, aliás, sou católico...”. Lançam-se no típico
discurso dos escribas: encontrar a salvação, não na ignominia da Cruz,
mas na adesão cidadã à opinião dos Príncipes.
7º
“Pensar
globalmente, agir localmente”! Se olharmos com alguma amplitude para a
história recente do papado verificaremos que teve de se confrontar com
poderosas operações de oposição em mesmo de perseguição. De facto, e
como grandes orquestrações da opinião pública, é de referir a tentativa
de colar Pio XII aos nazis. Diz-se que teria que ver com a intenção
soviética de condicionar o Concílio, impedindo-o de ser agressivo com a
ideologia ali originada. Depois foi Paulo VI, óptimo Papa até 1968,
terrível desde que publicou a Humanae Vitae. De seguida João Paulo II,
fortemente atacado por causa da fixação da opinião pública na questão do
preservativo. Acresce Bento XVI, sempre colado à imagem que trazia
cosida à pele, de “panzerkardinal” e inquisidor. Hoje, habilmente, os
“purificadores” apresentam etereamente todo o seu amor dualístico pelo
Papa Francisco (esses mesmos que sempre desdenharam a devoção do povo
católico a Pedro), não tanto para que ele apareça na sua autoridade
apostólica, mas, isso sim, para acusarem a cúria e os episcopados de
mais não serem do que aparelho reacionário.
8º
Todavia,
a grande novidade não desponta aqui, na critica a este ou àquele Papa,
por causa disto ou daquilo. A estratégia de comunicação passou por
internacionalizar a percepção pública da Igreja como “a” produtora da
pedofilia. Por estes dias, alguém sem relevo público escrevia num jornal
de referência um artigo com o título “O fim da Igreja Católica como
referência moral”. Concordo! Está em acto, desde o final dos anos 90,
esta operação “global” que se apresenta como anti -pedofilia e que visa
cercar a Igreja. E apenas a Igreja. E é esse o propósito dos Príncipes.
Simulado e dissimulado, “óbvio ululante”. Portanto, impedir que a Igreja
tenha uma palavra limpa a dizer sobre o quer que seja já que, ela
mesmo, é apresentada como a mais que desautorizada sede da sujeira...
9º
Em
novembro de 2021 a Hierarquia da Igreja em Portugal propôs a criação de
uma Comissão dita independente que realizasse um relatório sobre todos
estes horrores. A Comissão é, indubitavelmente independente. Da
Hierarquia. Mas isso não é, de modo algum, garantia de imparcialidade.
Verdade, também aqui, que “quem semeia ventos colhe tempestades
”:
aceitar a bondade inicial deste Relatório, a realizar por quem o fez,
com as metodologias de que se serviram, prenunciava o que veio a
suceder. Quando na passada 6ª feira, dia3 de Março, se realizou a
conferência de imprensa em Fátima, os senhores Bispos tentaram dizer que
teria que haver respeito por “direitos, liberdades e garanti as”. Mas
as televisões e os jornais — e os Príncipes — queriam mais. Queriam
guilhotina. Pasme-se que, também o senhor Presidente da República
mostrou uma valentia que lhe desconhecia até ao presente momento do seu
mandato, tantas os seus tangentes circunlóquios.
10º
Pena,
grande pena, pois, que a mesma Comissão, não se tenha apresentado a si
mesma com franqueza e rigor. Por exemplo, qual o percurso exacto dos
seus membros do ponto de vista de outras manifestações da perversão
pedofila na vidadas nossas instituições? Que tipo de dificuldades outros
processos de índole idêntica criaram aos seus executores? Que pertenças
e aprioris ideológicos os seus membros têm em relação à Igreja? Seria
importante que Pedro Strech testemunhasse, em primeira pessoa, sobre as
dificuldades que enfrentou no processo Casa Pia. Gostaria de saber o que
o levou a abandonar tal processo. Do mesmo modo, não seria a hora da
figura senatorial de Daniel Sampaio se referir às vítimas da Casa Pia
com a “compaixão” que exige dos Bispos? Qual a sua intervenção cívica a
favor da compaixão com as vítimas quando os tribunais deram por
encerrada essa questão? Será que está agora a projectar sentimentos de
culpa face ao seu silêncio nessa circunstância?
Note-se, todavia, que limito-me apenas a levantar algumas questões!...
11º
Por
estes dias, o Cardeal Patriarca tem sido zurzido, fora e dentro da
Igreja. A culpa dele? Ter assinalado que “um envelope sigiloso contendo
os nomes dos membros da Igreja acusados de terem abusado sexualmente de
crianças” (Público, 7.3.2023) não é uma sentença do Tribunal que deva
transitar em julgado! O Público acompanhou a notícia com uma fotografia
do D. Manuel Clemente a guiar dentro de um carro com a janelas fechadas e
a sorrir. Tudo mensagens sobre fechamento, fuga, insensibilidade,
passadas pelo Poder que se abate sobre um pastor bom a quem procuram
isolar.
Acresce que, com
mais ou menos dialética episcopal, D. Manual Clemente tem razão na
precisão da argumentação jurídica: “Ainda está em uso a antiga
terminologia da suspensão a divinis para indicar a proibição de exercer o
ministério imposta como medida cautelar a um clérigo. É bom evitar tal
designação, bem como a de suspensão ad cautelam, porque na legislação em
vigor a suspensão é uma pena e, nesta fase, ainda não pode ser imposta A
forma correta para designar tal disposição será, por exemplo, proibição
do exercício público do ministério” (in Vademecum, Vati cano, 2ª ed,
2022).
12º
Como
já tive oportunidade de dizer noutra circunstância, a isenção e
equilíbrio do Relatório tem que ser questionadas! Parece-me que a
reverência que lhe é dedicada trás consigo um misto de servilismo e de
convencionalismo.
Não é
um documento homogéneo. Se há relatos tremendos na sua veracidade, há
outras páginas inaceitáveis do ponto de vista da racionalidade e,
portanto, também da justiça. De facto, não acolho como imparciais as
suas evidências. Por exemplo, na pg. 200 apresenta-se uma Tabela de
quantifi cação de outros casos de pedofilia que seriam do conhecimento
das vítimas que fizeram os seus depoimentos à Comissão:
Assim,
“delineamos um exercício de quantificação. Nos testemunhos em que as
respostas são precisas e especificas, contabilizámos o número exato de
pessoas mencionadas. Nos restantes, usá mos uma série de
equivalências que pondera as respostas de forma muito conservadora [Por
baixo, digo eu]”. Portanto, é a parti r desta Tabela que se chega à
estimativa de 4815 vítimas.
Eis
alguns exemplos que me parecem muito significativos, retirados dessa
mesma Tabela: Se a vítima que fez o seu depoimento dá uma “resposta
exacta” (tal como a designa o Relatório) assume-se esse número sem mais:
“todas as minhas primas”significam, seguramente, “7” raparigas.
Acresce, que onde a vítima diz “não sabe; não sei ” os cientistas do
Relatório sabem e contabilizam “1”.
E
o mergulho no arbitrário expressa-se mais exageradamente ainda, quando
quem apresenta o seu testemunho à Comissão dá respostas do tipo “todo o
colégio” (a que corresponde o número de 200 pessoas segundo o Relatório)
ou “todos os rapazes da Freguesia” (a que correspondem 20 pessoas) ...
Ciência? Justiça? Aqui fica a pergunta.
13º
Acresce
que o Relatório não faz distinções conceptuais importantes: quais os
abusos de menores que pertencem à categoria pedofilia (DSM IV,
“actividade sexual com uma criança ou crianças na pré-puberdade —
geralmente com 13 anos ou menos) e os outros— que são igualmente “abusos
de menores” — mas cuja “tipologia” tende a não poder ser nomeada? Tabus
e interditos, auto-censura no vocabulário dos autores do Relatório ...
14º
Gostaria,
ainda, de perguntar aos relatores: o que é que mudou tanto na sociedade
portuguesa para que a descrição tenha imperado no processo Casa Pia
(conhece-se algum Relatório? Está acessível uma única história relatada
na primeira pessoa pelas vítimas?) e agora, desta vez, tudo fosse
exposto, com todos os detalhes obscenos, em horário nobre das tv’s?
Num
país institucionalmente idóneo, o que foi recolhido neste relatório não
deveria ter dado origem a averiguações subsequentes que salvaguardassem
“direitos, liberdades, garantias”? Quem não se dá conta do julgamento
sumário que se montou na praça pública?
15º
Já
perto do fim, penso que é relevante perguntarmo-nos se tudo isto
significa que chegámos a uma nova fase da nossa vida em sociedade, onde o
compromisso contra a pedofilia se apresenta firme?
Diria
que não me parece! Façamos, por exemplo, essa mesma pergunta ao
Observador e verificaremos que a fixação no tema da pedofilia é
exclusivamente anti -católico. Nesse mesmo jornal, em Janeiro passado,
os 100 anos de Eugénio de Andrade foram festejados sem uma alusão que
fosse à sua militância pró-pedofilia! Pelo meu lado, penso que até
surgir de novo, nesse jornal, um número de telefone disponível para
receber outras denuncias de pedofilia, que não só as eclesiásticas, o
seu propósito parcial e o seu descompromisso anti -pedofilia estão
ostensivamente à vista.
16º
Permito-me
antecipar cenários: não tardará muito, parece-me que mais cedo do que
tarde, será a Igreja Católica a única instituição, neste lado do mundo
chamado Ocidente, a dizer que a pedofilia é uma perversão!
Quem
acompanhe o que se diz, por exemplo, em França, Itália ou Holanda e
Bélgica sabe-o. Em Espanha, em Setembro passado, a ministra Irene
Montero disse que não havia mal na vida sexual acti va das crianças, com
adultos desde que consentida (htt
ps://poligrafo.sapo.pt/fact-check/ministra-da-igualdade-de-espanha-disse-que-criancas-podem-ter-relacoes-sexuais-com-adultos-se-houver-consenti
mento).
17º
Parece-me
que reduzir as questões dos abusos de menores à Igreja católica tem
permitido aos senadores e aos poderes do regime sublimar as
cumplicidades e omissões no Processo Casa Pia. Ali, à guarda do Estado,
guardas do Estado atingiram "as mais desgraçadas [crianças] em termos de
história pessoal".
18º
Ora,
o que é certo é que o “bode” tem mudado de nome, de raça, e o seu
holocausto tem sido prati cado através de rituais diversos. Todavia,
certo é também que não há nenhuma configuração de sociedade que não faça
uso abundante dos seus próprios bodes expiatórios de eleição. Carregar
os miseráveis 3% de clérigos sinistros com os 97% de crimes de pedofilia
que ocorrem na sociedade serve outro propósito que não o de esclarecer
sobre o que se está a passar.
19º
Tudo
o que acabo de escrever apenas indicia uma atitude conservadora? Olhar
para o que foi dito nessa perspectiva serve apenas para encurralar-me
ideologicamente. Fechado e rígido, insensível, são, de imediato, ideias
afins a este tipo de classificação. Permitem antecipar a conclusão sem
ouvir o argumento. Seguro, porém, é que não tenho nada a ver com os
“jovens turcos” do Observador, importante club do conservadorismo
liberal. Dessa relação promíscua resultou um jornalismo trans-
tornado e grande conservador — do liberalismo. Na húbris da indiscriminação da incriminação.
Por
entre os militantes deste tipo de liberalismo (haverá outros)
descortina-se a postura de quem luta para que o Estado esteja fora dos
negócios ... e a Igreja longe da vida.
Curioso:
também aqui os extremos se tocam. Desta vez, no adro da igreja, onde as
causas Woke e os radicais do liberalismo se coligaram no comum desprezo
pela densidade do real. Embriagados de parcialidade recusam-se a pensar
a complexidade. 1 comentário:
20º
Acontece
que sou católico. Por conseguinte, a perspectiva que me interessa diz
respeito ao “todo”: da vida, dos factos sociais, da amplitude do
perguntar, da organicidade do real, da equidade das soluções, das
relações reais de compromisso entre as pessoas, da busca de um modo de
estar no visível que não silencie o invisível. Portanto, contra as
soluções abstractas e ideológicas do sistema, das teses mais amadas do
que as pessoas, do insignificância dada à questão do sentido da
existência, do desprezo pelas instituições, da eminência do jornalismo
acimados factos, desprezando os factos, inchando ou esquartejando os
mesmos.
21º
Todavia,
mutati s mutandis, não ando longe do pensamento de Adriano VI quando em
1523, perante a crise protestante, assim escreveu: “Nós reconhecemos
livremente que Deus permiti u esta perseguição da Igreja por causa dos
pecados dos homens, particularmente dos sacerdotes e prelados. A mão de
Deus, de facto, não se retirou e ela pode salvar-nos. Mas o pecado
separa-nos d’Ele e impede-O de salvar-nos. Toda a Sagrada Escritura
ensina-nos que os erros do povo têm a sua fonte nos erros do clero...
Sabemos
que, desde há muitos anos, também na Santa Sé foram cometidas muitas
coisas abomináveis: tráfico de coisas sagradas e transgressões dos
mandamentos em tal medida que tudo se tornou um escândalo. Não nos
podemos espantar que a doença tenha descido da cabeça ao corpo, dos
papas aos prelados. Todos nós, prelados e eclesiásticos, desviámo-nos do
caminho da justiça. (...) Cada um de nós deve honrar a Deus e
humilhar-se perante Ele. Cada um de nós deve examinar-se e ver em que
pecado caiu. E deve examinar-se muito mais severamente de quanto não o
será por Deus no dia da Sua ira. Consideramo-nos tanto mais comprometi
dos a fazê-lo porquanto o mundo inteiro tem sede de reforma”.
....
Que
a justiça dos homens faça o seu caminho, é o desejo recto de qualquer
um de nós. Certamente que alguns dos mais dissimulados e poderosos
pedófilos escaparão à justiça dos homens. Assim, muitos nomes grandes da
cultura e das artes europeias e nacionais contemporâneos.
[...]
Sabemos,
no entanto, que ninguém escapará o severo juízo de Deus. Para o fogo
eterno aqueles que escandalizaram os pequeninos. Portanto, também o
clero que impenitentemente assim o fez e assim se manteve simulando
exercer as responsabilidades santas, horrivelmente pervertidas.
2
Dediquei-me
a ler o Relatório publicado na 2ª feira passada. Já li perto de metade.
Não serei redundante a repetir o que é consensual, obviamente sobre a
tragédia que se abateu sobre quem foi abusado.
Mas
o Relatório não é apenas consensual. É também discutível. Muito
discutível e em não poucas páginas, para mim, inaceitável. Ou será que
sou obrigado a considerar como absoluta e inquestionável a sua
metodologia, os seus propósitos e resultados? “Pensar é dizer não”
[Alain, seminário de Derrida], ensinava um filosofo francês aos seus
alunos. Nem sempre, mas muitas vezes, permito-me acrescentar eu.
Sobretudo quando nos colocamos perante as afirmações do Poder sem rosto,
como o designava Pasolini. Portanto, e por vezes, negar não é fazer a
afirmação contrária. Ou seja, não me passa pela cabeça dizer que não
existe responsabilidades brutais de clero pedófilo.
É
antes recusar o modo como se configuram novas crenças que se pretendem
límpidas e pudicas e transpiram principalmente uma vingança cultural,
generalizações e massacre de uma instituição secularmente na mira dos
que pretendem o Progresso sem o Desenvolvimento. O progresso entendido
assanhadamente como ruptura — como revolução— face às convicções
tradicionais sem por isso o Desenvolvimento da pessoa na sua vida
pessoal e comunitária. “, o aborto, a eutanásia e fantasiosas ‘famílias”
que não desenvolvem a vida de ninguém. Antes a implodem.
3
Mas
retomo o Relatório. A certa altura é referido que a “Comissão
Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais de Crianças na Igreja
Católica Portuguesa” foi entrevistar os nossos Bispos. Levavam cinco
perguntas preparadas. A primeira questionava o seguinte: “— Como se
tornou um homem de fé́?
Percorria-se depois um roteiro por várias outras: pode-nos falar sobre a sua infância, a família e a comunidade onde cresceu?
Como
surgiu a vocação e em que lugares adquiriu formação para se tornar
sacerdote ou membro de uma ordem religiosa?”(Copy paste, pg 122. Note-se
o pouco rigorosa na ortografia).
Ora,
pergunto eu, a entrevista era sobre “Abuso de menores” ou servia para
classificação e julgamento sociológico e psicológica do episcopado?
Repete-se em todo o relatório que se acolheram as pessoas entrevistadas.
Neste caso, não se está a fazer um juízo de valor sobre as pessoas
entrevistadas?
Com efeito, qual o relevo desta pergunta senão a de julgar os prelados da Igreja?
Exagero? Veja-se o comentário que se segue sobre as entrevistas aos superiores das ordens religiosas, femininas e masculinas:
“Se
algumas irmãs tinham vestido o hábito de freira nas entrevistas, os
superiores gerais (com exceção de um) apresentaram-se
descontraidamente vestidos com roupa comum. Com todos, sem exceção, o
ambiente criado durante a entrevista foi excelente. Ao contrário dos
bispos, apesar de tudo mais formais e racionais no trato e no uso da
linguagem, os superiores e as superioras gerais deixaram mais
frequentemente soltar as suas emoções e dúvidas, o seu humor e,
sobretudo, a sua perspetiva crítica face ao conservadorismo da
hierarquia da Igreja portuguesa, na sua linguagem, na atitude de certos
bispos. Apenas com eles/elas ouvimos frases como «sinto-me uma pessoa
realizada», «sou uma mulher feliz»”.
Bom,
se era tão relevante conhecer o “ambiente” em que cresceu a hierarquia,
porque não utilizar o mesmo método na auto-apresentação da Comissão.
[...]
Que
razões levaram a Comissão a passar por cima de tudo o que são direitos,
liberdades e garantias, dando um passo no sentido em que a vida pública
seja não só é atingida pelo populismo, que pretende que os políticos
sejam substituídos pelos juízes, como agora, também, que os juízes sejam
destituídos por psiquiatras.
Sim, porque não tenhamos dúvidas: o Relatório é uma sentença.
Daquelas em relação às quais já não se pode apresentar recurso.
4
Significativa,
no Relatório em apreço, a tentativa de branquear a conexão, todavia
estatisticamente irrefutável, entre abusos de menores e perfis
homossexuais. As afirmações ideológicas e declarações de intenção, são
redundantes: Assim na pg 75: “Sabe-se que a maior parte dos abusadores
de crianças são, na sua forma socialmente assumida e ainda na sua
estruturação emocional, heterossexuais, muitos deles tendo relações
com adultos de sexo oposto ou sendo pais de crianças. Por outro lado, a
quase totalidade dos homossexuais vive a sua vida emocional e afetiva
com pessoas de faixas etárias superiores a 18 anos de idade e
orientação idêntica, sem que sequer se constitua esta mesma questão
de abuso. Embora esta questão esteja hoje absolutamente clarificada do
ponto de vista científico, ela é ainda objeto de vulgar confusão entre
vários estratos das sociedades, incluindo em posições que persistem
como um dogma dentro da própria Igreja que, por exemplo, nega casamentos
entre pessoas do mesmo sexo ou a confissão e a comunhão a quem não
tenha assumido orientação heterossexual.” Ora, de novo, ‘pensar é dizer
não’.
Mas não me acusem, para já, de ser troglodita.
Faço,
aliás, um parenteses para homenagear pessoas homossexuais que conheço e
de quem sou amigo e que nada têm de pedófilas. É obvio que
homossexualidade não é sinonimo de pedofilia.
Mas
é obvio, também, que há no Relatório uma preponderância de pessoas com
práticas homossexuais pedófi las. E aí o relatório não é isento.
Com
efeito, não obstante o texto que acabo de citar e que tenta dissociar
em absoluto estas duas práticas, por exemplo, nas pg 250 ou 271 ou 371,
os episódios hediondos aí relatados são, paradoxalmente, referidos a
pessoas identificadas como homossexuais.
Mas,
por outro lado, já os 4 casos contados nas páginas 223 a 227 descrevem
com detalhe praticas homossexuais sem nomear a homossexualidade desses
predadores.
Então, todo o meu propósito resume-se a condenar as pessoas homossexuais?
Não e não.
Sem
pejo, porém, relembro a tese de Pasolini, aliás um homossexual, segundo
a qual a tragédia contemporânea tem que ver com um Poder [com P grande]
sem rosto. Esse, Poder, digo eu, que tem conseguido colar a Igreja, o
seu clero e as suas práticas rituais e instituições a uma cambada de
tarados e de lugares sinistros.
Ora,
o que o Poder pretende com isto é que da identificação da Igreja com
tais horrores decorra a insignificância e impotência e o desprezo por
qualquer coisa que a mesma Igreja tenha a dizer sobre o homem e
organização da sua vida em sociedade. Aborto, Eutanásia, fantasmas sobre
o que é ser homem ou mulher, família tradicional ou novas configurações
da mesma nascidas da perda do centro, tudo isso deixa de poder dialogar
com o pensamento católico a quem não deixa de se colar a pequeníssima
parte como expressiva de um todo sistémico.
E, eis, que aí estão, de novo, à solta, velhos ressentimentos anticlericais a pedir que se “esmague a infame” Igreja.
5
E
a propósito de números e % permito-me, também, dizer que não considero
expressivos e suficientes os números alcançados. 34 depoimentos
presenciais, 512inquéritos online validados, a extrapolação para 4800
vítimas de abusos não é ciência, não é direito, não é justiça. É
manipulação. Brutal manipulação.
Note-se aliás que o Relatório diz na pg. 138“
Uma
das questões com que qualquer equipa de pesquisa se confronta quando
recolhe dados junto de uma população através de técnicas como
entrevistas ou inquéritos por questionário é a questão da veracidade
das respostas obtidas. Apesar de todos os cuidados postos na redação
do guião, da exclusão de testemunhos manifestamente falsos, pode-se
sempre discutir genericamente se quem responde está ou não a contar a
verdade, ou se aquilo que afirma corresponde ao que exatamente viveu,
sem construção do que é descrito como a ocorrência de «falsas
memórias». Este é um tema recorrentemente discutido na literatura
científica, nomeadamente na área da psicologia social, facto que, por
si mesmo, constitui uma forma estruturada de corretamente enquadrar este
tipo de dúvidas.
Em
vez de «verdadeiras» ou «falsas», devemos ter em conta que as respostas
obtidas são sempre elaboradas no quadro da relação que se estabelece
entre quem pergunta e quem responde. São mediadas pela representação
mental que a pessoa constrói da situação a que está a responder e é
essa mesma narrativa interna que constitui o próprio resultado da
inquirição
.”
6
Contenho-me no meu exame ao relatório para chegar a uma pergunta necessária e dolorosa:
Porque é que a hierarquia se lançou a este desafio de pedir para se fazer este relatório.
Seria melhor escondermo-nos?
Não e não. Não sou desses.
Não me revejo em comportamentos corporativos! Não sou de nenhuma “congregação”.
O
que me parece é que, por exemplo, como em Espanha, não se deveria ter
aceite fazer um inquérito desta natureza exclusivamente à Igreja
Católica. Sim, os estudos de referência indicam que depois de tudo
vasculhado na Alemanha e nos EUA a responsabilidade dos clérigos andará
pelos 3%.
Sim, é brutal,
mas não exclusivo nem predominante. E foi esse, segundo me parece, o
efeito social criado com este Relatório: como se a Igreja fosse a
fábrica e a sede destes horrores
O
que se passou então para hierarquia avançar para este Relatório. Não
possuo especial informação sobre as decisões da CEP. Obviamente a
pressão era muita, mas permito-me lamentar 3 factos:
·
Cedência
às elites clericalizadas: clero e leigos que pensam “mundo”. Refiro-me
aos que dentro da Igreja estão mundanizados, mentalmente colonizados
pelo Poder. Refiro-me aos que desejam que, no que diz respeito à
doutrina, a Igreja diga o que o mundo dita à Igreja. Refiro-me, de um
modo geral, ainda que com honrosas excepções, àqueles católicos de
serviço que têm acesso a publicar na grande imprensa. Àqueles que de
algum modo aspiram a uma versão do cristianismo descrito ironicamente
pelo Cardeal Biffi a propósito do anti -Cristo: no futuro ele “será
vegetariano, pacifista, bonzinho e aberto ao diálogo”.
·
Como
segunda nota, e como agora se diz, recusa de um modelo sinodal de
Igreja. Ou seja, confundir opinião publicada com o sentido da fé dos
fiéis. Só gente muito mundanizada desejava este Relatório. Os
fiéis-fieis, quer dizer os que vão à Missa fielmente, os que tem filhos e
família, os que visitam familiares e vizinhos doentes, os que rezam,
sabiam e sabem que este foi um exercício que lançou o pânico nos
simples. Eles queriam a verdade, sim. Não queriam, porém, serem
colocados de novo na arena dos novos Coliseus. Penso nos que nada sabem
de sociologia e estatística. Mas que conhecem a Cruz, a dor, o perdão, o
serviço desinteressado.
·
Por
último, penso na confusão pretendida entre os abusos como abuso de
poder clerical e os ardis da perversidade. Considerar a autoridade como
má é abrir caminho à ditadura das minorias agitadoras, elas sim,
empenhada sem reescrever um evangelho que seja aceitável por quem tem
vergonha de pregar Cristo e Cristo crucificado.
7
A terminar, sobre mim mesmo, queria dizer que não vivo detrás de nenhuma muralha a bombardear a cidade.
Por
desígnio da Providência, e circunstâncias da minha vocação ligada antes
de mais a uma comunidade terapêutica e ao facto de ser capelão de uma
prisão, penso que já ajudei — mais ou menos— dezenas senão centenas de
pessoas abusadas sexualmente. Sim, sou testemunhada privilegiada de
percursos de redenção, de ressurreição. Acresce que também já ajudei uma
meia dúzia de pessoas pedófilas; também por elas Cristo morreu na Cruz.
Não me escondo nas sacristias, não ando na rua disfarçando o meu
sacerdócio. Não aceito ser nomeado reacionário por quem vive a temer a
opinião dos grandes da opinião. Sou, porém, dos que considera que “a
missão da Igreja não é ser credível, mas acreditar!”
8
Termino recorrendo, uma vez mais, ao querido e grande Cardeal G. Biffi :
“Charles
Journet veio ao nosso Seminário e falou-nos da Igreja. Tocou-me a sua
capacidade didática, de facto extraordinária. Mas, sobretudo,
fascinou-me o seu pensamento, rigoroso e vibrante, todo ele tomado de
amor pela verdade de Deus e pela sua ‘Esposa’ (como ele lhe chamou desde
o primeiro minuto). Particularmente era admirável o equilíbrio, a
inteligência e o espírito de fé que marcavam o seu modo de afrontar o
tema espinhoso da questão da existência na Igreja de santidade e pecado.
Todas as contradições são eliminadas — observava ele — se se compreende
que os membros da Igreja pecam não enquanto estão ligados a ela, mas
quando a traem. De modo que a Igreja, que não existe jamais sem
pecadores, é sempre, em si mesma, sem pecado. Essa, de facto, assume em
si tudo o que é santo, também nos pecadores, e deixa fora de si tudo o
que é reprovável, também nos justos. Os seus confins passam, por isso,
pelos nossos corações.”
Paróquia do Monte de Caparica. Tema Simples. Com tecnologia do Blogger
Pe. Joaquim Pedro Lobo Cardoso
in Pegadas: https://antonio-justo.eu/?p=8392
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