Europa entre nacionalismos económicos e internacionalismo
de valores
António Justo
A Cimeira da EU (27 Chefes de Estado e do Governo)
aprovou o pacote orçamental e o pacote Fundo de Recuperação que atingem uma soma
de 1,8 triliões de euros. O Parlamento europeu parou por agora o pacote
orçamental com o objetivo de obter mais dinheiro para a proteção do clima,
saúde e estudantes.
Da imprensa alemã trespassa, em geral,
um ar de alívio e de contentamento pelo acordo atingido na Cimeira.
Os 1,82 triliões de euros
distribuem-se por dois pacotes: o Fundo
de Recuperação (uma espécie de “Marshall plan”) que está limitado até 2023 e
compreende 750 mil milhões, dos quais 390 mil milhões são concedidos sob a
forma de subvenções e 360 mil milhões sob a forma de empréstimos. 70% do Fundo
de Recuperação está reservado para 2021 e 2022 e o restante para 2023. Os
países devem candidatar-se (propor) a projetos para a agricultura, clima,
assuntos sociais e infraestruturas, que a comissão examinará num prazo de 3
meses.
O segundo pacote diz respeito ao
orçamento da UE até 2027, que ascende a 1027 mil milhões de euros. Deste
surgirão ainda disputas para novas cedências! No parlamento europeu haverá
margem para os deputados se dedicarem ao debate ideológico de valores (com a
Polónia e a Hungria).
A Grande novidade: Pela primeira vez na história da EU a Comissão da UE foi
autorizada a contrair empréstimos em nome de todos os 27 estados membros, o que
significa uma cedência a uma União das Dívidas, aquilo que os
países do Norte não querem. A Comissão Europeia
pode comprar nos mercados financeiros Obrigações que aí se encontram para
venda. Os programas de ajuda são financiados por uma nova dívida dos governos. O
reembolso das dívidas deve começar antes de 2027 e decorrer até 2058. Para o orçamento da EU não ser
sobrecarregado são criadas novas fontes de rendimentos para a EU. A Cimeira
decidiu introduzir um imposto digital (sobre empresas digitais) e um imposto
sobre o plástico e por cada tonelada de resíduos plásticos que não seja
reciclada, o Estado em causa deverá pagar 800 euros a Bruxelas. Querem também
alargar o comércio de emissões ao transporte aéreo e marítimo e reativar um
imposto sobre transações financeiras.
O mais importante são os 750 mil milhões de euros que
irão ajudar a recuperar especialmente os Estados do Sul da Europa em
dificuldades.
Com o Fundo de Recuperação, foi quebrado um tabu criando-se assim o precedente
para as transferências de fundos e para a comunitarização das dívidas dos
Estados. O reembolso das dívidas do Fundo Corona irá dar muitas voltas e
conduzirá um dia à criação de um imposto comum da UE que se prepara assim,
passo a passo, para a integração das economias nacionais e uma união fiscal. Surgirão
esforços no sentido de tais impostos fluírem diretamente para o orçamento de
Bruxelas e assim tornar a UE menos dependente das taxas nacionais de adesão. O
poder central ganha independência à medida que controla a economia e a
ideologia (correspondentes valores).
Depois do Euro, este é o segundo passo importante para uma união fiscal e
para possibilitar integração económica (centralização das economias) dos
membros da EU. O problema que os Estados mais fortes ainda têm é não terem
conseguido até agora acabar com a prática da necessidade de unanimidade dos
Estados membros, no caso de decisões importantes que obriguem todos os membros. A abolição da regra da
unanimidade entre os membros constitui o nó górdio que os países fortes querem desfazer!
O pobre necessitado não se coloca o problema da soberania! Quando nele o
estômago produz rumores todo o organismo se cala!
Apesar do desfalque causado pelo
Brexit, conseguiu-se criar um instrumento europeu de apoio temporário para
regular os riscos de desemprego a nível regional.
Um outo Novum que surgiu desta cimeira, em consequência
do Brexit, foi a criação de um novo centro
de poder formado em torno dos “países poupadores” (Países Baixos, Dinamarca, Suécia, Finlândia e Áustria). O Norte rico
que se considera a formiga “frugal” da EU não confia no Sul, qualificando-o de
cigarra gastadora. Os cinco questionaram as subvenções que não devem ser usadas
para financiar défices orçamentais conseguindo também mais controlo e um desconto nas suas contribuições orçamentais em troca da sua aprovação dos subsídios corona. (O cinismo de Mark Rutte dos Países Baixos, um dos grandes exportadores
para a EU, está em conseguir, um desconto de 1,92 mil milhões de euros por ano
no seu contributo para a UE (1).
Desta vez não temos troika, mas teremos controlo fiscal certamente mais
eficiente no sentido do centralismo! O grupo dos poupados assume a velha
posição de Schäuble numa constelação europeia diferente (já sem o Reino Unido,
mas com muito nacionalismo). Atualmente a UE vai navegando nas águas de nacionalismos
económicos contra nacionalismos de valores.
A soberania deixa aqui de existir, ou melhor, ficará sempre do lado da
força económica! O facto é que foi dado mais um passo que revela a intenção de
se transformar a EU numa potência mundialmente relevante ao lado dos EUA, China
e Rússia.
António da Cunha Duarte Justo
“Pegadas
do Tempo” https://antonio-justo.eu/?p=6016