Viva tudo e
todos e os outros 25 também
António Justo
A revolução de abril tem sido uma História mal contada (1). A celebração não é para consagrar nenhum
enterro, sirva ele a quem servir, nem tão pouco para oferecer novos coveiros ou
mesmo consagrar um novo sacerdócio por muito bem aparamentado que esteja em
torno da mesa do Estado e com o novo ritual do pensamento politicamente correto.
Se há algo a enterrar é a
prepotência e o poder totalitário antigo e novo, direito e torto, independentemente
de se tratar da ditadura de uma minoria ou de uma ditadura de maioria por mais louvada
que esta seja pela piedosa vontade de votantes. Já seria chegada a hora de
abandonarmos aquela pieguice lusa bem cuidada pelos homens do avental na
república ou pelos nobres da corte real. Nem a aventura fanática nem as aspersões da água
benta do poder político nos tiram da posição económica em que nos encontramos no
mercado do Euro. Se a nossa elite portuguesa passasse a ser menos ideológica e
mais pragmática; se fomentasse o respeito pelo trabalho, por patrões,
trabalhadores e empregados certamente que hoje poderíamos ser um país ao nível
da Suiça ou de países nórdicos e não na cauda da Europa, economicamente, tal
como o éramos no tempo de Salazar. A sangria a que assistimos dos nossos
emigrantes para o Estrangeiro no velho e no novo regime continuam a ser um
testemunho da nossa ineficiência política a nível de produção e distribuição de
riqueza. Defender um regime ou outro torna-se comprometedor. O que importa
superar são os erros de um e do outro.
Heróis do povo são os que se sacrificam ou são
sacrificados por defenderem os direitos humanos. Vítimas há-as nos dois
regimes! Os lutadores por poderes não
merecem tal epíteto porque o poder ou se constrói à custa do povo ou à custa do
mais fraco. A revolução
tem estado para os aquistastes do poder político como o capital para os
capitalistas. Tudo passa a ser simbólico/metafórico e como tal só a ser
percebido por iniciados, os tais que o poder cultiva. Não seria útil para o
povo continuar a apostar tudo em orgasmos do momento sejam eles sexuais ou
intelectuais.
Um testemunho do tempo
Nós os mais velhos fomos os
construtores da sociedade portuguesa de hoje. Fomos nós que assistimos ao
regime de Salazar e que ajudamos a construir a democracia em via; sentíamos
correr em nossas veias aquela esperança que tanto num regime como no outro
corria nas veias de um Francisco Sã Carneiro e noutros do género.
Sentimo-nos todos empenhados
em desenvolver um “25” de Abril digno e temos
a vantagem de não necessitarmos de amarrar a História de Portugal a uma
só época, nem tão pouco de nos fixarmos
num ou noutro regime, num ou noutro período, como pretendem alguns dançarinos
do poder; sim, até porque na realidade,
assistimos ao bem e ao mal de um e do outro regime político, o que nos poderá
possibilitar maior capacidade de discernimento e a certeza de que não há carne
sem espinhas! Como tais somos livres e reconhecemos com
tolerância que haverá espaço para todos; espaço também para amigos e adversários,
para o povo rogado a festejar e para os festejados ou que se festejam! Também
em democracia isto é natural pois também ela usa e abusa do palco e já a
existência deste pressupõe teatro para a assistência, como a história confirma
na sua constante existencial dos de baixo e dos de cima!
Estou convencido que tal
como se não pode justificar o regime de abril atirando pedras contra a bandeira
do Estado Novo também não se constrói a democracia atual atirando pedras contra
a bandeira que a revolução foi possibilitando. Uma coisa boa, no sentido da poesia, seria
juntarmos as pedras de um lado e do outro e com elas construirmos o prédio da
democracia. Condição para isso seria considerarmo-nos povo!
Uma coisa de que poderemos estar certos é que a qualidade de vida que temos
hoje não é tão reluzente como parece. Uma coisa é certa: em toda a Europa, a
geração dos nossos filhos não tem o futuro que nós temos e terá mais
dificuldades que nós tivemos em organizar e administrar a sua vida; se o nosso futuro
era esperançoso, o que lhe deixaremos já
se encontra empenhado.
Seria arriscado partir-se do
princípio que tudo o que a História Portuguesa teve de bom, depois da demissão
do Governo de Marcelo Caetano, se deve ao 25 ou a um grupo político; isto
pressuporia partir-se do princípio que o desenvolvimento da História de
Portugal e da Europa tivesse acabado em Marcelo Caetano e apenas começado com o
golpe de Estado do 25 de Abril; uma tal argumentação em via na sociedade portuguesa, só poderia ter como
fim estupidificar o povo português, como se a revolução de Abril não tivesse
sido o fruto do desenrolar de todo um processo de desenvolvimento de todas as
forças vivas de Portugal e das influências da Europa, entre elas o Concílio
Vaticano II, a revolução cultural 68
(que a nossa geração seguiu com tanto entusiasmo!) e de forma especial também
os interesses estratégicos ideológicos e económicas de forças internacionais
nas colónias portuguesas.
Os heróis de um regime não
são os que levantam a bandeira nem os que a calcam aos pés! Herói é o povo que tudo suporta com o seu
trabalho humildade e sofrimento; aquele que deste modo tem possibilitado a
vanglória e o triunfo dos que se encontram na ribalta da sociedade. Se neste momento de pandemia há algo a
celebrar seria o povo que possibilita aos dançarinos do poder o palco das suas
costas!
Por mal dos
nossos pecados, hoje como ontem eles fazem tudo “a bem da nação”!
Liberdade e Responsabilidade Sim, mas só 25 de Abril Não
O 25 de abril de 74 queria instituir um regime ditatorial socialista em
Portugal: um regime do tipo da União Soviética com a força militar como íman e
doutrinador do sistema político e do povo, pretendendo a nacionalização (PREC) dos
bens de produção. O 25 de Novembro de 75 possibilitou o regime democrático
pluripartidário que temos e uma economia não coletivista!
Sob o conceito 25 de abril e
sua comemoração juntam-se posições contraditórias e interesses que não morreram
com o PREC. Ativistas
políticos não estão interessados em explicar o verdadeiro significado do 25 de
Abril para assim manterem o povo num engodo de palavras que se querem confusas
escondendo sob o seu manto estratégias duvidosas.
Quem fala do 25 de abril que tinha como programa a instauração da ditadura
socialista sem falar da evolução política até ao 25 de novembro certamente faz
uso dos palcos do Estado para a defesa de uma ditadura que com eufemismos poderão
querer encobrir. Daí a necessidade de diferenciação!
Uma análise independente da História da "revolução dos cravos
vermelhos" em Portugal um dia mostrará como os beneficiados do regime
conseguem manipular o povo através do equívoco! A encenação de personalidades
de abril que tinham a intenção de implantar a ditadura comunista em Portugal
tira muita da inocência à celebração. Muitos deles, que se infiltraram em
muitas instituições do Estado e de organismos civis, pretendem celebrar um
outro abril que não o democrático! Daí a sua insistência em colocá-lo sobre
tudo e sobre todos nesta época de pandemia deixam de lado o bom senso comum.
Com os seus festejos vão mantendo no inconsciente do povo o seu verdadeiro
intento revolucionário. O povo parece andar equivocado ao querer festejar o seu
abril quando muitos da festa querem implantar um outro (não notaram ainda que muitos
dos beneficiados do sistema partem do princípio que o festejo pertence à
esquerda)!
O 25 de Abril de 1974 foi democratizado pela sociedade portuguesa no 25 de novembro
de 1975.
Se é verdade que o 25 Abril de 74 deu início ao processo da democratização,
também é preciso não esquecer que ele pretendia instaurar uma ditadura
comunista em Portugal; o 25 de novembro possibilitou uma democracia do tipo
ocidental (democracia pluripartidária).
Por vezes tem-se a impressão que em tempo de Coronavírus 19 o que estará no
programa será a China!
Em tempos de pandemia viral
e ideológica, haverá que prestar atenção às nossas certezas e aos créditos que
elas nos querem garantir! Isto porque aquela parte da razão que as fundamenta
só é possível devido à parte do conhecimento que temos e à outra parte que é o
desconhecimento que nos domina; a não ser que seja de interesse servir o
preconceito. Assim, uma atitude de honestidade sobre certezas lógicas ou percetuais
terá de ser sempre acompanhada pela dúvida (humildade intelectual!). Isso tornará o brilho da festa mais repartido,
menos partidarizado e mais democrático (2).
© António da Cunha Duarte
Justo
In Pegadas do
Tempo, 25.04.2020, https://antonio-justo.eu/?p=5840