A ALEMANHA
POLÍTICA ENCONTRA-SE INQUIETA E EM FERMENTAÇÃO
Por António Justo
Passaram-se os tempos em que a
opinião pública era determinada pela classe pensante. A passagem do Marco
alemão para o Euro e em especial a política de boas-vindas aos refugiados, da
Chanceler Merkel, secundada pelo seu governo (com alguns desacordes do CSU) e
pela oposição, puxou muita gente para a rua que já há muito tempo sofria de
dores abdominais e agora reage abruptamente num acto de insegurança perante o
“terremoto” dos refugiados.
Grande parte da população anda
desconsolada com tanta abertura e compreensão da política para com os
imigrantes de cultura árabe. Em 2014 tinham solicitado requerimento de asilo na
Alemanha 202.645 refugiados e segundo os registos oficiais, a Alemanha em 2015
deu albergue a mais 1,1 milhão de refugiados. O coração das autoridades e do
povo tinha-se aberto numa onda de filantropia sem igual. Uma tal subida,
secundada de experiências menos positivas no contacto com muitos dos chegados,
provocou um choque social, não se fazendo esperar a reacção.
Surgiu o partido
AfD (“Alternativa para a Alemanha”); este, em menos de um ano de
existência; conseguiu superar os 10% nos estados federados onde houve eleições
comunais. Os partidos estabelecidos, CDU/CSU, SPD e Verdes, já temem a nova
força concorrente que se candidatará para as eleições federais em 2017. As
estimativas de previsão para as eleições parlamentares federais de 2017
confirmam a tendência obtida nas eleições para as comarcas. O AfD beneficiará,
também do contestado acordo com uma Turquia, de pouca credulidade, que, além do
mais, a troco de muitos milhares de milhões de euros, impede os refugiados de
virem para a Europa, ganhando assim uma posição de poder chantagear a UE.
O AfD é recebido na praça da
polis com semelhantes reacções como foi recebido, nos anos 80, o surgir do
partido Os Verdes. Enfim: poder perturba poder, e os meios de uns e outros não
conhecem as águas de uma moral pública onde se possam lavar.
De momento o AfD prepara-se para
o seu congresso, onde elaborará o programa para as próximas legislativas. As
suas afirmações sobre o Islão abanam a discussão pública e fazem tremer a alma
de alguns mais sensíveis às intempéries. Uma sociedade mais preocupada e
competente em princípios económicos do que em princípios de religiões parece
acordar agora para a realidade da força da religião como factor fomentador de
identidade.
O AfD que também quer uma fatia
do bolo do poder, polariza a discussão provocando a reacção da classe política
e de muitos jornalistas do consenso. O AfD, que surge do meio da sociedade –
facto que atemoriza os poderes já instalados - insurge-se publicamente contra o
islão político e lá do alto do seu minarete, afirma: “A maior ameaça para a
democracia e para a liberdade parte hoje do Islão político". A
imprensa da praça insurge-se contra, afirmando que embora haja partidos
muçulmanos que dão mais valor a princípios religiosos do que a direitos
individuais de liberdade, na Alemanha não há partidos islâmicos e a maioria dos
muçulmanos na Alemanha obedecem aos princípios democráticos.
Um outro ponto de crítica a
querer lugar no programa do partido regista: „o AfD rejeita os Minaretes
como símbolo de dominação assim como o apelo do muezim (almuadem), segundo o
qual, com excepção de Allah (deus) islâmico não há Deus ". Os críticos
do AfD respondem comparando o Minarete islâmico com as torres cristãs. Quanto
ao credo professado nas cinco vezes do apelo diário à oração, a saber: "Não
há nenhum deus além de Deus (Allá) e Maomé é o seu profeta”, a opinião
publicada desculpa-os argumentando que tal apelo e oração expressa convicções
religiosas que contribuem para uma maior ligação dentro do islão (Cf. HNA
20.04.2016). (Devo pessoalmente confessar que este apelo repetido todos os dias
publicamente em todo o mundo é um distúrbio da ordem pública e uma provocação,
apesar da admiração que se possa ter pela voz do muezim!)
Quanto ao lenço de cabeça que muitas muçulmanas trazem,
lê-se numa moção a apresentar no congresso: ” A integração e igualdade das
mulheres e raparigas assim como o livre desenvolvimento da personalidade
contradizem o lenço de cabeça como símbolo religioso-político de subordinação
das mulheres muçulmanas aos homens ". Oponentes desta tese vêem no
trazer do lenço um testemunho por uma norma moral de fundamentação religiosa. O
HNA também relata que o vice-presidente do AfD afirma: “Eu creio que o
Islão, na sua forma actual não é integrável numa sociedade ocidental, muitas
pessoas sim mas o Islão não”.
Embora haja muitos fluxos islâmicos de
salafistas crescentes, há também muitas outras comunidades religiosas islâmicas
que não se opõem à ordem social em que vivem.
No projeto do programa também se
lê "O Islão já se encontra no seu caminho declarado de domínio do mundo
em 57 dos 190 países. Estes declararam a Sharia como o seu sistema legal na
Declaração do Cairo de 1990 e, deste modo, a Carta de 1948 dos Direitos Humanos
da ONU como irrelevante". Há quem contradiga fazendo a observação que
a OIC (Organização de Cooperação Islâmica) não é uma aliança de estados mas
apenas uma organização intergovernamental cujos acordos não são obrigatórios
para cada Estado membro.
No passado o Estado Secular não
tem tomado a sério a força religiosa imanente ao Homem e tem até procurado
discriminá-la. Negar ou ignorar tal realidade contradiz o espírito democrático
e um encontro de culturas de olhos nos olhos. A imprensa e os intelectuais não
são amigos do Islão se o tratam como um coitadinho que só pode ser defendido e
compreendido: querer-se-ia um islão de baixo sem compreender a sua verdadeira
filosofia.
Concretamente: seria incúria se o
Estado secular e a intelectualidade europeia continuassem a ignorar o problema
sem se ocupar de maneira científica e humana da questão da compatibilidade ou
incompatibilidade do Islão com a Democracia; só assim se poderão fomentar a paz
social e ajudar o mundo islâmico a uma revolução pacífica interna. Os Estados
islâmicos terão de enfrentar o problema do seu autoritarismo e da sua
desconsideração das necessidades de libertação do povo, como já se manifestou
no movimento da primavera árabe. Urge a mudança no sentido de reconciliar as
autoridades com o povo e os princípios com a vida. Sem a paz entre os
muçulmanos não haverá paz mundial.
António da Cunha Duarte Justo
Pegadas do Tempo http://antonio-justo.eu/?p=3554
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