Dois pesos e duas medidas
António Justo
É uníssona a voz dos políticos ao denunciar o massacre de
Paris como um ataque à democracia e à liberdade de imprensa.
Os três
assassinos, agora mortos, estavam em ligação directa com al Qaida e com o “Estado
islâmico”. Um interessante pormenor é o facto dos serviços secretos americanos
estarem mais informados sobre os três jihadistas do que os serviços secretos
europeus.
Várias
instâncias dos Estados europeus estão imensamente preocupados pelo facto da guerrilha
islâmica ameaçar estender-se à Europa, especialmente através dos retornados jihadistas
da Síria e do Iraque, bem preparados em estratégias de ataques terroristas.
O 7 de Janeiro foi um dia negro
contra os jornalistas, o dia 9 foi um dia de alívio em que a polícia conseguiu
matar os 3 terroristas que, em nome de um deus, executaram, pelo menos, 16
pessoas.
O chefe redactor da revista satírica Charlie Hebdo dizia
“prefiro morrer de pé do que viver ajoelhado”. Certamente uma crença que
testemunha independência e nobreza de caracter mas, por outro lado, desconhece
a realidade de que tudo se encontra entrelaçado. Quando os extremos se repelem precisa-se
de critério e capacidade para encontrar o meio-termo.
Vivemos numa sociedade aberta e a sátira vive da
provocação. Certamente é legítimo criticar as instituições e seus
representantes nos seus desvios nas suas palavras e acções mas não é legítimo ferir
os sentimentos dos fiéis quando se pretende apenas ridicularizar os fundamentos
da sua fé, como fez a revista ao chacotear o mistério da trindade dos cristãos,
desenhando provocadoramente pai-filho-espírito santo em comum acto sexual. Este
já não é um acto de liberdade mas de libertinagem. A revista Charlie Hebdo
provocava muitos sentimentos religiosos e mais que temas muçulmanos
caricaturava temas Cristãos. Os cristãos já tinham metido a revista, 14 vezes, em
tribunal, por causo de abuso e ridicularização, mas perderam todos os processos.
Isto porém não legitima de longe o acto bárbaro praticado pelos extremistas
islâmicos. É difícil uma justificação do uso das armas em certos conflitos
bélicos mas nunca se justifica o uso de armas (violência física) contra caricaturas
ou palavras.
O que para uns é expressão de liberdade para outros é libertinagem
e como também aqui não há um meio-termo não será fácil apaziguar os opostos.
Isto torna-se compreensível num tipo de sociedade
interessada em dividir para dominar, quando seria mais natural uma filosofia
social que fomentasse o agir dos cidadãos num espírito inclusivo convergente e de
complementaridade; naturalmente com um espírito crítico, mas consciente de que
cada qual é parte integral e necessária do mesmo todo. Extremismos revelam
sempre falta de critério, de respeito e de empatia.
Por outro lado,
o mesmo Estado laico (por exemplo a Alemanha) que defende a liberdade de expressão
contra símbolos da religião é implacável na luta contra gestos e sinais nazis
(gestos de Hitler e cruz suástica) contra a democracia. Porquê esta diferença
de pesos e medidas em questão de liberdade de expressão? Não será esta é uma
arma discriminatória do estado secular?
Também é lícito perguntar-se porque é que crentes
islâmicos reagem tão sentidos recorrendo às armas e crentes cristãos se retiram
apenas magoados. Qual será a estratégica mais eficiente, a do crente muçulmano que
usa o meio das armas ou a do crente cristão que se recorre das leis perdoando e
rezando pelos inimigos porque acredita na ‘arma’ da oração?
O complexo de
inferioridade não pode explicar tudo e menos ainda a nacionalidade. O ferimento
dos sentimentos também não pode ser a medida para se erguer contra a liberdade.
Muitos
admiram-se de em nome de Deus se ter praticado o massacre de Paris. O problema
não está na crença em Deus, a dificuldade surge do facto da inspiração divina
acontecer no Homem e este também ser definido pelo espaço geográfico e cultural.
António da Cunha
Duarte Justo
www.antonio-justo.eu
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