A Igreja não é “uma pequena capela” é “uma casa para todos”
António Justo
Um latino-americano mete mãos à obra de reformar uma
estrutura europeia de feição demasiado nórdica, demasiado burocratizada. Um novo
estilo de vida irá revolucionar o mundo. O Papa Francisco parte de uma
perspectiva do mundo para a Europa/Vaticano e já não da Europa para o mundo.
Será este o ponto de viragem iniciador da alternativa ao velho mundo?
Em entrevista à revista Brotéria, Francisco apresenta um
“programa da Igreja” à altura do tempo. A sua opção pela entrevista, como forma
de se comunicar, revela, no seu género, uma mudança paradigmática de relacionamento
orientada para o povo, com um programa a partir da base (orto-praxia) e já não orientado
para os intelectuais na sua forma típica de encíclica.
O Papa Francisco quer uma Igreja virada para a cura
corporal e espiritual da humanidade em geral e das pessoas em particular! Ela é
fermento e está para as pessoas que sofrem e não para se perder em lutas
ideológicas porque também a doutrina está para servir. “Eu vejo a Igreja como um hospital de campo após a batalha”. O lema
é “curar feridas… começar por baixo… primeiro é preciso curar as feridas
sociais”. O cristianismo não é uma ideologia mas uma visão/espiritualidade que
deixa liberdade à pessoa: “Não deve haver nenhuma interferência na vida
espiritual pessoal”.
Na sua
perspectiva, a Igreja não deve continuar a falar continuamente sobre divórcio,
gays, lésbicas, aborto e métodos de prevenção conceptiva. A sua missão
principal é misericordiosa (caridade), ser e estar para as pessoas pobres e
sofredoras e para os falhados, numa palavra, curar feridas. “Não julgues e não
serás julgado”, dizia o Mestre. Na prática há demasiados pregadores da moral e
não da vida!
O Papa quer uma mudança da perspectiva de reflexão e de
orientação. O olhar passa a ser focado na base da pirâmide e não no vértice.
Consequentemente as reformas serão conseguidas de baixo para cima e já não
ordenadas de cima para baixo. Esta estratégia é benigna, possibilita o
crescimento e evita divisões na Igreja. Imaginemos que Francisco, partindo duma
posição sobranceira, ordenava a abolição do celibato. Certamente surgiriam logo
muitos bispos que provocariam uma cisão na Igreja. Uma Igreja, permeável, que
começa a renovação de baixo para cima, cresce organicamente sem necessidade de
intervenções revolucionárias. As revoluções favorecem os revolucionários que
como o azeite ficam sempre ao de cima da sociedade. A verdadeira revolução humana
é Jesuína em que quem tem razão perde aparentemente.
As afirmações e atitudes do Papa levam a concluir que o
importante é que cada um siga o seu caminho do amor amando à sua maneira. A
sociedade e especialmente a Igreja não devem ser um campo de batalha de
esquerda nem de direita. A Boa Nova deve ser o Sol do sistema humano. O amor é
anterior à lei e esta deverá centrar-se na busca da justiça. Será importante
depor a samarra dum clericalismo burocrático e moralista longe do povo, para se
passar a arregaçar as mangas na vinha do Senhor!
O Papa não aposta no jogo dos pensamentos proibidos, é um
pastor que pensa em público e quer uma discussão livre dentro da Igreja e da
sociedade. Um Papa assim será uma bênção para a Igreja e para a humanidade.
Para a Igreja porque a centra no que é importante, no bem das pessoas. Para a
humanidade, porque ao ser o expoente máximo da estrutura mundialmente mais
global, dá o exemplo de modelos de comportamento a serem seguidos pela classe
política e suas instituições.
Francisco ao reafirmar que a Igreja não é apenas “uma
pequena capela” mas sim “uma casa para todos” realça o seu universalismo e
admoesta aqueles que a querem ver reduzida à própria capelinha. O Cristianismo
considera “o outro”, “o samaritano„ como parte integrante de si mesmo e
respeita as muitas alternativas de acesso e de interpretação da realidade. Por tudo
isto ganha razão a afirmação de sociólogos americanos que, numa afirmação
metafórica, diziam que, quando as instituições mundiais entrarem em derrocada,
o catolicismo lhes sobreviverá 400 anos.
Querem-se cristãos sem a farda da moral
A sociedade como a Igreja, por mais nobre que seja a sua
ética, está sempre condicionada às pessoas e ao espírito que cada época produz.
Estas albergam em si o bem e o mal, próprios da pessoa e de cada época. Por isso,
mais que ensombrar o pensamento com a crítica ao passado, interessa dar-se
graças pelas pessoas luzeiro, de cada época, que conseguem aproximar-se mais da
verdade, do bem e do belo no sentido da pessoa e do bem-comum. Para o fomento
duma cultura positiva de paz, vai sendo tempo de se passar da crítica destrutiva
de pessoas azedas para uma estratégia de fomentar apreciações de pessoas mais
benignas e benevolentes.
Naturalmente que agora surgirão os moralistas e
burocratas da praça a exigir que a instituição declare esta ou aquela atitude
como norma quando isso, no foro da igreja, pertence à responsabilidade e à
consciência individual. Por um lado condenam a fixação da Igreja em normas
morais e por outro lado exigem que a Igreja declare canonicamente o exercício
de certas práticas (aborto, eutanásia…) como objectivas. As ideologias apostam,
por um lado na radicalidade dogmática e por outro num subjectivismo puramente
anárquico; querem a igualdade do bem e do mal, uma indiferenciação analfabeta
que exclua o que poderá ser verdade e o que poderá ser erro. O que quer que o
Papa diga continuará a ser aviltado, como diz o provérbio popular: “Preso por
ter cão e preso por não ter cão”. Cada um faz a guerra que lhe convém. Os
eternos aborrecidos nunca se darão por contentes, querem a imposição de
atitudes a partir do cume da pirâmide quando Francisco, no sentido da “ecclesia
semper renovanda” sugere que partam ‘democraticamente’ das bases.
Já passaram os tempos da europa bárbara que precisava de
ser domesticada com a acentuação na lei e no juiz. “O confessionário não é
instrumento de tortura, mas o lugar da misericórdia”, indica o Papa. Francisco
quer pastores que, sem farda moral, se encontrem com a pessoa na rua, no seu
meio. Em direcção a um certo funcionarismo eclesial diz: “O povo de Deus quer
pastores, não clérigos que actuam como burocratas ou funcionários do governo”.
Este Papa, de expressão latina, é uma bênção e uma
oportunidade para se começar a pensar sobre uma mudança de rescrito cultural e
uma metanoia espiritual. “Eu vejo a Igreja como um hospital de campo após a
batalha”.
António da Cunha
Duarte Justo
www.antonio-justo.eu
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