Da Interpretação errónea das Declarações do Papa Francisco
No início de fevereiro, numa
entrevista recentemente publicada na televisão suíça, sem nomear nenhuma das
duas partes em conflito, (a Rússia ou a Ucrânia), o Papa apelou para
negociações e disse: "Quando virem
que estão a ser derrotados, que as coisas não estão a correr bem, devem ter a
coragem de negociar". "Não tenham vergonha de negociar antes que as
coisas piorem". "As negociações nunca são uma capitulação",
disse o Papa.
Quando o entrevistador lhe perguntou se, por vezes, „não será preciso
coragem para levantar a bandeira branca”, o Papa respondeu: "É uma questão
de perspetiva. Mas penso que a pessoa mais forte é aquela que reconhece a
situação, que pensa nas pessoas, que tem a coragem de levantar a bandeira
branca de negociar".
O Papa não disse que a Ucrânia
devia render-se, mas as declarações, pelo significado e influência que têm,
provocaram grande polémica no meio político e nos meios de comunicação social.
A expressão „ içar a bandeira branca" foi utilizado pelo entrevistador e o
estranho é que políticos e jornalistas - à maneira política pós-factual - se
tenham agarrado a essa expressão sem prestarem atenção ao que o Papa realmente
disse, para assim colocarem a questão em fora de jogo...
Sabiamente, o Papa recusou-se desde o início da guerra a jogar apenas a
cartada dos países da NATO porque conhecia também as cartas da Rússia e o que
há dezenas de anos ia acontecendo na Ucrânia...
Em vez das palavras do sumo pontífice terem provocado na política e na
opinião pública publicada, uma discussão argumentativa e factual sobre causas e consequências, tudo reage em conjunto como se fossem beligerantes...
Os mesmos que acusam o Patriarca ortodoxo de Moscovo Cirilo de apoiar a
política do sistema russo interferem agora na opinião pública ocidental
criticando o facto do Papa Francisco não apoiar a política dos EUA/NATO/EU...
Os membros da NATO teriam desejado que o Pontífice reforçasse a sua vontade
de guerra para assim se tornar cúmplice e fortalecedor da propaganda noticiosa em
via. As autoridades de Kiev reagiram como do costume, dado o seu credo partir
do pressuposto que se encontraram do lado do bem e terem de “matar o dragão”! ...
Seria mau e lamentável se representantes
das comunidades religiosas se deixassem envolver nesta guerra demasiado complexa
como participantes do conflito, como fez o Patriarcado de Moscovo e um bispo ou
outro evangélico e indiretamente algum católico...
Ao contrário de políticos europeus (EU) que estão a sustentar uma guerra
por procuração, o Papa está a defender os genuínos interesses da Europa e do
seu povo nesta guerra geopolítica que está a ter lugar na Europa e só vem
beneficiar os EUA e prejudicar também futuramente a Europa toda.
O Vaticano não persegue
interesses políticos de poder e num momento de conflito internacional pior que
o conflito de Cuba pretende evitar a escalada para uma guerra terceira mundial,
a ser preparada às escondidas. Que católicos tomem posição num sentido ou
noutro faz parte da liberdade da consciência católica.
O Papa tem de permanecer neutro (por saber que a verdade não está nem num
polo nem no outro) e para isso tem de manter uma posição aberta às razões dos
dois lados pois o seu compromisso é de ordem superior: o empenho pela paz
alcançado através de leis e conversações e a justiça. Em política não há o lado
bom nem o lado mau porque a sua lógica é a defesa de interesses...
A tática de o Ocidente identificar a Rússia com a União Soviética é
manipulativa e falsa: é como comparar a Alemanha atual com o regime nazista...
A abordagem da responsabilidade da guerra na Ucrânia terá de ser colocada no
contexto dos interesses geoestratégicos nato/Rússia e de parte da população
ucraniana que apoiava a Rússia e a outra parte que apoiava a NATO e a EU...
Em abono da verdade, jornais
alemães citam, Sahra Wagenknecht, copresidente do partido BSW que afirmou: "O apelo do Papa para que se iniciem
finalmente negociações de paz para pôr fim à guerra na Ucrânia é corajoso e
sensato". Francisco leva a sério a mensagem de paz do cristianismo e
criticá-lo é uma falta de respeito. "Há muito tempo que a guerra na
Ucrânia já não se trata de ganhar, mas apenas de morrer", disse a
presidente do partido.
António da Cunha
Duarte Justo
Texto completo em Pegadas do Tempo: https://antonio-justo.eu/?p=9163