O Desfio
a uma Cultura irrefletida e enfraquecida possibilita a Anarquia
António Justo
À era pós-colonial segue-se a era do globalismo, com a formação de novas
estruturas de poder no mundo. O socialismo e o capitalismo encontram-se em luta
rival pela supremacia. Hoje, como no passado, as pessoas estão a ser alinhadas
em fileiras rivais. Nem uma amnistia do colonialismo nem a preferência pelo
domínio capitalista ou pelo domínio marxista do mundo podem legitimar a opressão
de pessoas nem a continuação da tradição da violência como meio de se construir
futuro.
A estátua de Cristóvão Colombo
foi “afogada” na Virgínia (USA), a estátua de Churchill foi entabuada em
Londres, a estátua do Gil (mascote da Expo 98) em Lisboa foi derrubada, a
estátua do Pe António Vieira em Lisboa foi vandalizada; tudo isto acontece numa
onda de fúria a debater-se nas praças públicas do mundo ocidental num cenário
contrarracismo e contra a discriminação. Se
não fosse a bandeira antirracista, o accionismo destrutivo desta onda apenas
patentearia uma rebaldaria de ocidentais contra ocidentais. Antirracismo tão fundamentalista é de ser qualificado
na mesma categoria daqueles que diz combater.
Os novos bárbaros derrubam
estátuas para se colocarem nos seus pedestais, conscientes da fraqueza e
incongruências dos sistemas que nos regem e que dão continuidade, de maneira
mais velada, a velhas discriminações.
É
verdade que algumas estátuas não merecem estar num pedestal, mas também elas,
sem pedestal, poderiam testemunhar as partes fracas de tempos e povos na sua
expressão histórica.
Submeter mentalidades de tempos
passados ao crivo do espírito do tempo atual, com a agravante de se usar uma
atitude de ânimo igual (preconceito) à que se condena, torna-se ridículo e
contraprodutivo. Pelos vistos, a perspectiva
histórica deve ser substituída pela atual inquisição ideológica.
O racismo e a opressão continuam
hoje como ontem presentes só que de maneira por vezes mais sofisticada (Como o
Homem é feito dele mesmo e das suas circunstâncias o mesmo homem continua só
variando nas suas circunstâncias…). Hoje expressa-se mais a superficialidade da
praça dado muitos pensadores serem tentados a andarem atrás dela. Seria óbvio analisar-se, com bonomia, os
valores e contravalores de uma época passada para melhor se poder conseguir os
pressupostos para compreender a medida dos valores e contravalores da época
atual, doutro modo perdemo-nos no processo de roda de hamster de tese e
antítese sem a possibilidade de mudar a atitude nem de mudar de sentido. Com a intenção de mudar o presente quer-se
até acabar com o que a história nos tem para dizer e ensinar sobre o passado;
em vez disso prefere-se dar continuidade aos erros do passado no presente. O
objectivo em via não é acabar com a exploração do homem pelo homem, o que se
quer é acabar com a História como se quer acabar com a natureza para se instalar uma cultura materialista marxista e
para isso construir uma mentalidade negativa construtora de um presente sem
memória e sem futuro.
Em épocas anteriores assistia-se à guerra ideológica do proletariado anti
patrão, que evoluiu para um proletariado anti cultura. As redes das ONGs da ideologia parecem
funcionar segundo o mesmo esquema que se observou nas reações em torno das
mesquitas do mundo árabe nos protestos contra as caricaturas de Maomé.
Ativistas incultos movimentados pelo instinto destrutivo de agressão, já sem
povoados nem casas para assaltar, (os novos bárbaros) tentam apagar os
vestígios da civilização ocidental no que ela tem de bem e de mal. Em jogo, tal
como em passadas estruturas de poder, não está o bem das massas mas o dos seus
lideres e de suas instituições.
Ideologias não só são instrumentos do poder, elas são também meios para
chegar a ele. Por isso o
centro da sociedade não se pode ficar em lamentar os extremismos. Enquanto a democracia vive do compromisso,
os extremismos vivem de roturas e do contra pelo contra, aquilo que engrossa o
extremismo de uma esquerda que em termos de poder se revela conformista
(Veja-se a ditadura comunista chinesa: a razão não segue a moral, a moral segue
a economia). Esta será uma luta da
esquerda para a esquerda enquanto os antirracistas do centro direita não se declararem
expressamente antirracistas em vez de se limitarem a condenar os excessos.
De repente encontramo-nos numa
situação do tudo vale e “Tudo o Vento
Levou” em que poderes anónimos determinam, com muitos Zés-Pereiras da
comunicação, o que é permitido e o que é proibido em massas sem cabeça onde o
medo e a ignorância se tornam em reguladores da coisa pública. Isto que agora
vemos por todo o lado já foi praticado em Portugal com a Revolução, só que
ninguém fala disso, porque são os mesmos actores.
Os novos bárbaros (soldados activistas) não encontram
resistência por parte dos Governos e, na sua luta, estão conscientes que se assenhoreiam de governos, universidades e
povo porque deparam, quando muito, com uma resistência envergonhada e só balofa
na expressão; por isso podem contar até
com apoio nos meios de comunicação social, que chegam, por vezes, a funcionar
como Zés-Pereiras, a acompanhar o ritmo dos instintos populares poupando no
rigor e no investimento jornalístico. O
património coletivo é colocado a leilão e a política, por interesse, medo ou
cinismo, cala numa de assistir ao passar da enxurrada. A
cultura da violência e a desordem vão-se tornado num negócio também para as
TVs, etc.
Cada época precisa das suas ideologias como moletas de identidades para
menos fortes e como meios para servirem o poder estabelecido ou a estabelecer. Cada
época tem o seu Zeitgeist; importante é que haja suficientes forças relevantes
que ousem dar-se conta disso. A complexidade da vida social e política é
demasiadamente difícil e o geral do cidadão anda tão ocupado e com tantas
coisas que chega a perder-se nelas.
Estas ondas que se propagam como
incêndios por todo o mundo ocidental têm método e sistema; são reacções de um
incauto proletariado cultural ao serviço de agendas e ideologias que eles
próprios desconhecem. Há muita gente
interessada no caos e na desconstrução da cultura ocidental. Por
isso se encontram tão activos só no Ocidente
marimbando-se para o que acontece noutras culturas onde a opressão
(colonialismo interno e externo), a exploração e a discriminação bradam aos
céus!
A interpretação e a valorização dos actos sociais têm a ver com a
mundivisão do interpretador que os ordena e justifica na sua determinada lógica;
no meio de tudo isto encontra-se o poder que consolida uma ou outra interpretação
que as massas seguem durante um circunstanciado tempo.
Ao lado da violência da rua
existe a dos sistemas; aquela a que assistimos é sistémica e o povo contenta-se
a abanar a cabeça julgando que se trata apenas de pessoas desmioladas um pouco
estimuladas por agressões acumuladas durante o reinado de Dom Covid-19. As massas são levadas hoje por uma opinião
pública que louva como anti-heroi George Floyd brutalmente assassinado aos
olhos do público como ontem foi levada a louvar indecorosamente a morte sacana
em directo de Kadafi e de Saddam Hussein.
Um sistema derruba o outro, e ao afirmar-se o povo bate palmas e tudo em
nome da justiça. Nos USA onde povo e polícia se encontram armados até aos
dentes a herança racista cultivada só poderá ser superada mediante uma mudança
de consciência pronta a erguer-se contra o rearmamento policial e, pronta a
atuar preventivamente, investir nas causas sociais.
O extremismo e o fundamentalismo
costumam andar de mãos juntas.
Nem o ódio à esquerda nem o ódio à direita justificam a tolerância do
racismo e da opressão. O ódio desliga a razão e a inteligência, quer de
pensantes à esquerda quer à direita. O problema intensifica-se quando é posto a
funcionar ao serviço de partidos e mundivisões! É legítimo ter
uma opinião, mas sem ser necessariamente intolerante com pessoas que têm um
pensar diferente.
António da Cunha Duarte Justo
Pegadas do Tempo, https://antonio-justo.eu/?p=5953